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Aplausos imaginários, sorrisos escondidos, bacias e fitas métricas na volta da Osesp ao palco

O Estadão acompanhou com exclusividade o primeiro concerto da orquestra na Sala São Paulo, depois de mais de quatros meses fechada por causa do coronavírus

2 ago 2020 - 10h27
(atualizado às 16h09)
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A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo tem duas novas integrantes: a bacia e a fita métrica. Ambas fizeram suas estreias na tarde de sábado, 1.º, quando subiram ao palco da Sala São Paulo antes mesmo que o grupo tocasse para uma plateia vazia seu primeiro concerto em mais de quatro meses. Enquanto as câmeras ainda eram posicionadas para transmitir pela internet a apresentação, técnicos se certificavam de que a distância entre as cadeiras estava correta; e, no pé de cada uma delas, um recipiente já esperava pelos respingos de condensação e saliva que poderiam cair dos instrumentos, evitando que se espalhassem pelo palco, arriscando contaminação pelo coronavírus.

São apenas dois elementos de um novo normal que se desenha para orquestras de todo o mundo. Reunir dezenas de músicos sobre o palco agora exige cuidados sanitários novos e sem precedentes, que se estendem para fora do palco. Não há aglomeração. Músicos, todos com máscaras, tiradas apenas na hora de começar a tocar. Pelo chão da Sala São Paulo, marcações diversas indicam espaços de distanciamento social. Todas as medidas foram colocadas em prática pela primeira vez neste sábado, para o concerto do Grupo de Metais da Osesp. E há ainda outros cuidados: antes dos ensaios, todos os artistas foram testados para a covid-19. Na entrada da sala, medição de temperatura. Para acessar o palco, escadas em vez de elevador.

"No primeiro ensaio, dava para sentir a felicidade dos músicos de estar no palco mais uma vez, misturada com a apreensão com o protocolo de segurança", conta o maestro Wagner Polistchuk pouco antes do início da apresentação. "No fundo, dava para perceber todos se olhando, contentes. E é um sentimento compreensível. Eu estive na sala a primeira vez três meses depois do início do período de isolamento. O prédio estava vazio. Em silêncio. É tudo o que uma sala de concertos não deve ser."

Polistchuk não se lembra, em sua história com a orquestra, de ficar tanto tempo longe do palco da Sala São Paulo. A percussionista Elizabeth del Grande amplia a estatística. Há 47 anos na Osesp, nunca ficou mais do que um período de férias sem tocar com o grupo. "Voltar ao palco...", ela começa, logo fazendo uma pausa. "A música tem ajudado muito as pessoas durante a pandemia. Para mim, foi e continua sendo a salvação, um refúgio. No ano passado, perdi minha mãe e, há um mês, a minha irmã. Estar aqui de volta com as minhas panelas... Não tem sensação melhor."

A possibilidade mexeu até com o diretor executivo da Fundação Osesp, Marcelo Lopes. Ele começou sua trajetória na orquestra décadas atrás como trompetista. Ao assumir a fundação na direção, em 2006, parou de tocar. "Mas durante a pandemia, voltei ao instrumento", ele diz. "E quando se montou esse programa e os músicos me convidaram a tocar de novo com eles, aceitei na hora. Mas estou apreensivo. Há oito anos não subo em um palco e dá um pouco de medo tocar com todos esses gigantes", ele brinca, enquanto a sala começa a ser liberada para o início do concerto e da transmissão.

A retomada dos concertos pós-pandemia

A preocupação com o palco não é a única a ocupar a mente de Lopes neste momento. A Osesp tem pressa. Desde o início da pandemia, o grupo começou a transmitir na internet concertos de temporadas anteriores, atingindo em suas redes sociais um público de mais de quatro milhões de pessoas. Mas, ao contrário de outras instituições, que durante a paralisação criaram diferentes ocupações para seus músicos e novos formatos para a internet, o foco da orquestra tem sido mesmo o retorno ao palco. Desde abril, cenários vêm sendo montados para a retomada das atividades presenciais, com a remarcação de concertos e a extensão da temporada 2020 até fevereiro.

O grupo já estava pronto para voltar a receber o público no dia 15 de agosto. O protocolo de segurança para a manutenção de distanciamento na plateia e nas dependências da sala foi criado e o governo do Estado havia autorizado o retorno. Há dez dias, no entanto, a prefeitura determinou que instituições culturais só poderão reabrir quando a cidade entrar na fase verde do Plano São Paulo. Segundo Lopes, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa tem conversado com a prefeitura sobre essa decisão. Mas, mundo afora, o retorno da atividade musical ainda não é consenso: se na Europa orquestras começam a fazer experimentos nesse sentido, nos Estados Unidos os principais grupos e teatros têm decidido voltar ao palco apenas em 2021. Com o que ainda não se conhece sobre a doença, pressionar pelo retorno é o melhor caminho?

Lopes não vê uma tentativa de pressão. Para ele, a prefeitura optou por um "espaço de segurança", ampliando o período sem a presença do público. "O prefeito tem sido mais cauteloso, mas não cabe a nós fazer julgamentos. Talvez haja dificuldade na fiscalização dos espaços. Mas me parece normal que a secretaria procure a prefeitura, não no sentido de convencimento, mas de entendimento", explica. "Uma vez que as autoridades entendam que é hora de abrir para o público, vamos abrir. Temos obrigação de fazer isso. A cultura é parte integrante da vida pública. A Sala está pronta. Os funcionários foram treinados, o protocolo é cuidadoso. Existe risco? No mundo em que vivemos hoje, existe e seguirá existindo. Mas podemos oferecer uma situação de risco controlado. O público, principalmente aquele que vem de carro, poderá vir à sala com tranquilidade, certo de que todas ferramentas possíveis de controle estarão em ação."

A autorização para a volta do público, no entanto, não resolve todos os problemas. Há uma matemática complicada em andamento. Apenas cerca de 450 dos 1.500 lugares da sala poderão ser ocupados e, para que todos os assinantes sejam recebidos, será preciso realizar dois concertos por dia, com todo o espaço sendo higienizado entre eles. A grade de maestros e solistas convidados também precisará ser refeita: muitos deles vêm de fora do país, e nem todos poderão fazer a viagem. "Há um problema de imagem do Brasil e o fato de que, se viajarem, precisarão depois fazer quarentenas, e nem todos têm o tempo em suas agendas para isso." A solução, diz Lopes, tem sido substituí-los por artistas brasileiros. "Queremos ajudá-los nessa fase e acredito que poderá ser o começo de um período em que eles tenham maior participação no cotidiano da Osesp."

O primeiro concerto e a volta à casa

"Senhores, estamos realinhando as câmeras." O aviso do inspetor da orquestra, Xisto Alves Pinto, explica aos 29 músicos, já posicionados desde 16h25, o pequeno atraso no início da apresentação. A sensação é estranha. O sinal verde não vem do público já posicionado na plateia, mas de uma pequena cabine de controle montada atrás do palco, que se comunica com o inspetor que, da porta lateral, autoriza o início do concerto, com uma peça para metais do compositor Richard Strauss, a primeira de um programa propositalmente curto, de cerca de 40 minutos.

Quando ela termina, os músicos se levantam e agradecem aplausos imaginários. Mas o número de pessoas que acompanha a transmissão é auspicioso. Ao todo, foram mais de 11 mil espectadores, que em tempo real comentavam o concerto no YouTube, no Facebook, no Instagram. Gritos por escrito de bravo, pessoas celebrando a possibilidade de voltar à sala mesmo que virtualmente, outras, de fora de São Paulo, agradecendo a chance de ouvir a Osesp pela primeira vez. Também vieram reclamações: no início, a cada corte de câmera, a captação do som mudava, levando a um efeito incômodo, o que se resolveu pouco antes do final do concerto.

Tudo é novo. Para todo mundo. À medida em que a apresentação chegava ao fim, a equipe técnica já se movimentava nos bastidores, revendo o protocolo para a saída do palco e a desmontagem das cadeiras, estantes, partituras - além de repassar a grade de testes para sexta, 7, e sábado, 8, quando a Osesp, agora com 50 músicos, volta ao palco para mais duas apresentações on-line. "Todos os protocolos foram testados exaustivamente, mas esta é a primeira apresentação de fato", diz a gerente do Departamento Técnico Regiane Sampaio. "Nossa preocupação maior, agora, passou a ser a segurança. A dos músicos e a dos técnicos."

Não há aplausos para marcar o fim do concerto, mas o roteiro que a equipe tem em mãos determina a hora de abrir as portas do palco, para que os músicos possam sair. Cada um leva sua bacia, ou como brinca Politschuk, seu próprio "peniquinho", ficando responsável por sua higienização. O trompista André Gonçalves é um dos primeiros a passar pela área de camarins. "Voltamos para casa", ele afirma, com um sorriso entrevisto por trás da máscara. "A gente fica meio perdido ainda com o timing, com a falta de reação da plateia. Mas, na hora de tocar, isso se resolve", completa o maestro. Elizabeth é uma das últimas a deixar o palco. "Olha que eu estava ansiosa", ela confessa, mesmo depois de tanto tempo de carreira. E, agora, espera o próximo "frio na barriga": a chance de voltar novamente ao palco, desta vez para reencontrar o público.

Estadão
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