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IMS mostra modernidade do fotógrafo Peter Scheier

Refugiado alemão de origem judaica, ele chegou ao Brasil em 1937 e registrou da miséria ao esplendor do País nos anos 1940 e 1950

24 jan 2020 - 06h11
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Não se nasce moderno, torna-se moderno. Parafraseando a célebre frase de Simone de Beauvoir em seu livro O Segundo Sexo ("Não se nasce mulher, torna-se mulher"), é possível entender como um fotógrafo como o alemão, de origem judaica, Peter Scheier (1908-1979) encontrou sua identidade moderna ao trabalhar ao lado de arquitetos como Warchavchik, curadores como Pietro Maria Bardi e fotojornalistas como Jean Manzon. O resultado dessa experiência fascinante está na exposição Arquivo Peter Scheier, que reúne, a partir deste sábado, 25, no Instituto Moreira Salles (IMS), fotos, documentos de época e 22 álbuns originais do fotógrafo, que ganha sua primeira monografia na abertura da mostra e a primeira retrospectiva em meio século (a última foi em 1970).

Entre outros autores, o livro traz um texto inédito da curadora Heloisa Espada, que teve trabalho para selecionar as imagens da retrospectiva. Afinal, só o IMS guarda em seu acervo 35 mil negativos de Scheier, cujos descendentes seguiram os passos do patriarca (o filho Thomas e o neto Lucas Lenci são também fotógrafos). Outra parte do acervo pessoal do fotógrafo é guardada por sua família no instituto que leva seu nome. Ainda um terceiro lote de fotos, feitas para indústrias, guarda imagens que ajudam a acompanhar a passagem do Brasil para a modernidade. De todas, a curadora selecionou para a retrospectiva 300 fotos produzidas por Scheier em 35 anos de atividade no Brasil, de registros históricos (a 1.ª Bienal de São Paulo, em 1951, o nascimento de Brasília) a jornalísticos (sua passagem pela revista O Cruzeiro, de 1945 a 1951).

Nascido em Glogau, na Baixa Silésia, Peter Scheier tinha 29 anos quando chegou ao Brasil, em 1937, escapando da Alemanha sob domínio dos nazistas. De uma família de industriais, trabalhava como contador e comerciante (de luminárias) na Alemanha, conseguindo por milagre uma carta-convite de um frigorífico brasileiro que garantiu seu visto de permanência no País - isso numa época em que o governo de Getúlio Vargas namorava escandalosamente com o nazi-fascismo (justamente em 1937 o ministro das relações exteriores Mário de Pimentel Brandão determinou a recusa do visto de entrada a pessoas de origem judaica).

Junto a outros refugiados de guerra europeus, entre eles Alice Brill e Hans Gunter Flieg, Peter Scheier retratou não só o crescimento urbano de São Paulo, nos anos 1940 e 1950, como o preço que a cidade pagou por essa desordenada evolução. Especialmente na revista O Cruzeiro, ao lado de Jean Manson, publicou fotos da miséria que rondava os bairros populares da cidade - os cortiços do Brás, por exemplo - ao mesmo tempo que registrava a grandeza arquitetônica de metrópole.

"Não creio que ele fosse moderno quando chegou da Europa, mas que desenvolveu seu olhar orientado por gente como Jean Manzon e Pietro Maria Bardi", observa a curadora da mostra, Heloisa Espada. A amizade do fotógrafo com o diretor do Masp rendeu um arquivo valioso sobre a obra arquitetônica da mulher do último, Lina Bo Bardi, que projetou o museu.

Há um detalhe que diferencia a aproximação de Scheier com o universo arquitetônico de outros fotógrafos, visível particularmente nos registros de Brasília. "Como Gautherot trabalhava para Niemeyer, as diretrizes eram outras, mas as fotos de Scheier inserem sempre a figura humana, e não como elemento de comparação com a escala dos projetos", diz a curadora. De fato, é possível identificar a ressonância do humanismo de um Cartier-Bresson numa foto (na exposição) que mostra dois garotos de uniforme na Capital. Ou nas imagens que fez em Israel, em 1959.

"Enquanto as fotos de arquitetura e das indústrias traduzem em imagens o desenvolvimento do Brasil nos anos 1950, seu trabalho jornalístico expõe as contradições de um país ainda marcado pela pobreza", conclui a curadora.

No Estadão. Peter Scheier teve um papel importante, em 1939, no Suplemento de Rotogravura que o jornal manteve entre 1928 e 1946, cuja marca evidente era a primazia das fotos

sobre o texto.

Estadão
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