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A Turma da Mônica vai invadir os games

Após hiato de duas décadas, Mauricio de Sousa Produções traça tática para lançar jogos, com 8 títulos previstos até o fim de 2019 em parceria com estúdios locais; para especialistas, investida pode aquecer mercado e pôr fim a 'síndrome de vira-lata'

16 set 2018 - 05h12
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Esta é a história de mais um plano infalível nascido no Bairro do Limoeiro: a Turma da Mônica vai invadir o mundo dos games. Mas, ao contrário das tramas mirabolantes do Cebolinha para roubar o coelho azul da Mônica, é uma estratégia que tem boas chances de dar certo. Depois de montar uma área específica para cuidar da criação jogos e aplicativos, a Mauricio de Sousa Produções (MSP) prevê o lançamento de oito jogos e aplicativos, para consoles e celulares, até o final de 2019.

"A ideia do Mauricio é estar presente em todas as plataformas que o público dele está", diz Marcos Saraiva, gerente da área digital da MSP e neto do quadrinista. "O adulto que joga videogame leu a Turma na infância. Agora, ele consome outros produtos", afirma o executivo, que diz ter ideias para os próximos cinco anos. A primeira chega ao mercado em dezembro: o jogo Mônica e a Guarda dos Coelhos, feito em parceria com o estúdio paulistano Mad Mimic.

Com versões para PlayStation 4, PCs e Nintendo Switch, o jogo é um convite para que amigos se divirtam juntos, em um gênero chamado de "multiplayer de sofá". Até quatro amigos poderão incorporar os personagens da Turma para lutarem contra "um exército de sujeira" que tenta invadir um castelo. "Para nós, a Turma é mais do que só a Mônica, então fazia sentido ter um jogo que traz todos juntos", diz Luís Gustavo Sampaio, sócio fundador da Mad Mimic.

Produção em série. O jogo aproveita parte das ideias do primeiro título da Mad Mimic, No Heroes Here, lançado no final do ano passado para consoles. É uma coprodução: enquanto a MSP entra com o roteiro, licencia os personagens e supervisiona cada detalhe - com o olho atento de Mauricio de Sousa -, o estúdio paulistano é responsável por desenvolver arte e programação, além de financiar o projeto. "Ao partir de um projeto que já tem uma base de fãs, o risco de dar errado diminui", avalia Sandro Manfredini, presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames).

As empresas não comentam valores, mas, segundo apurou o Estado, o custo médio para realizar, no Brasil, um jogo com o porte de Mônica e a Guarda dos Coelhos gira em torno de R$ 500 mil. Já a criação de um jogo para celular com bom nível de qualidade fica em torno de R$ 100 mil. "Hoje, todo mundo tem um celular na mão, seja criança ou adulto. Se não estivermos no mobile, vamos ficar para trás", diz Saraiva. "Nosso grande objetivo é ter um jogo a cada dois meses."

Na entrevista ao Estado, o executivo antecipou alguns projetos em desenvolvimento, sem revelar os parceiros envolvidos. Há uma aventura narrativa, aos moldes dos jogos feitos pela Telltale (The Wolf Among Us, The Walking Dead) com os personagens da Turma da Mônica Jovem, versão 'mangá' e adolescente dos quadrinhos clássicos. Há ainda um game inspirado nas graphic novels do Astronauta, feitas pelo quadrinista Danilo Beyruth e um aplicativo, com versões para Android e iOS, para que o usuário monte sua cara como Mônica Toy, linha de animação "fofinha" lançada pela empresa em 2013 no YouTube.

Segundo fontes familiarizadas com o assunto, a MSP também trabalha com o estúdio paulistano Cat Nigiri para a criação de um jogo de plataforma, à moda do encanador bigodudo Mario, no qual os usuários poderão criar suas próprias fases e compartilhá-las com amigos. Questionadas pelo Estado, as duas empresas não confirmam o projeto.

Vida nova. Não é a primeira vez que a Mônica vai ao mundo dos jogos - nos anos 1990, a "baixinha e dentuça" foi protagonista de três títulos da brasileira Tectoy para o Master System e o Mega Drive, videogames da Sega populares na época. Além disso, nos últimos anos a MSP lançou diversos apps e games para celular. A diferença, agora, é que há uma estratégia coordenada para os produtos e não apenas o aproveitamento de uma oportunidade.

"Nós simplesmente adaptávamos o que havia no mercado para a Turma, não havia algo direcionado", avalia Saraiva, que também supervisiona as redes sociais e o canal do YouTube da empresa - no site de vídeos do Google, já são quase 10 bilhões de visualizações. É ele, que tem 32 anos e é filho de Mônica Sousa, que inspirou a icônica personagem, que lidera a renovação digital da empresa.

"Produzir conteúdo da forma como era feito antigamente já não é mais a melhor maneira. Tudo precisa ser arquitetado para o digital", diz Saraiva. Além dos games, há planos também para trazer quadrinhos e animações da Turma à internet - ele não descarta, para o longo prazo, o lançamento de um serviço de streaming com todos os conteúdos criados a partir dos personagens do avô, inspirado em propostas já feitas por nomes como Disney e DC Comics.

Ritmo. Há quem possa discutir que a empreitada da MSP nos games chegou tarde. Para André Pase, professor de Comunicação Digital da PUC-RS, mais importante do que a data, porém, é o nível de qualidade dos jogos. "Se o primeiro lançamento for ruim, você pode frustrar a expectativa dos fãs e estragar toda uma estratégia de longo prazo", afirma. Na visão do especialista, a empresa está apostando na hora certa, até pelo momento da indústria local - nos últimos três anos, mais de uma dezena de jogos brasileiros chegaram a consoles como PlayStation 4 e Xbox One, em uma amostra do nível da produção que não existia tempos atrás.

Para a indústria local, a Mônica pode ajudar a romper um preconceito - o de que o público brasileiro não joga os games produzidos aqui. "É uma síndrome de vira-lata", avalia Ariel Velloso, coordenador da área de games da Spcine, agência de fomento ao audiovisual da cidade de São Paulo. "Por outro lado, se tem uma franquia brasileira que sabe entrar em qualquer mercado é a Mônica, de fralda a molho de tomate. Nos games, há uma demanda represada por décadas por bons jogos deles." Ao querer lançar jogos para celulares, além disso, a empresa dá sinais de que pretende alcançar o público de massa, de diferentes gerações, e não apenas quem é "jogador sério".

Por outro lado, faturar com games para smartphones pode ser um desafio - ao Estado, Saraiva disse que pretende trabalhar com microtransações, compras de baixo valor com itens que podem ser usados nos jogos, ou com venda de conteúdo adicional, como novas fases. São modelos interessantes, por fugirem de anúncios, mas com baixa adesão no País. "O consumidor brasileiro, em especial o que usa o sistema Android, cuida muito pouco de como vai consumir. Joga-se muito aqui, mas paga-se pouco", avalia Pase, da PUC-RS.

É um risco que a MSP está disposta a enfrentar - e Saraiva, especialmente, sabe da chance que tem de levar "coelhadas" da mãe e do avô. Agora, no entanto, é hora de apertar start.

Estadão
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