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França abre caminho para devolver arte africana da era colonial

22 nov 2018 - 17h24
(atualizado às 17h53)
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Restituição de artefatos trazidos por potências coloniais da África para a Europa é tema de debate internacional. Relatório encomendado por Macron pode inaugurar novo capítulo na história da devolução de arte saqueada.Um relatório apresentado nesta quinta-feira (22/11) recomenda a alteração das leis da França, permitindo que tesouros culturais levados da África durante o período colonial sejam devolvidos a seus países de origem. A atual legislação proíbe estritamente que o governo ceda qualquer propriedade estatal, mesmo em casos bem documentados de saque.

Num discurso em Burkina Faso, em novembro de 2017, o presidente Emmanuel Macron despertara esperanças de uma mudança dessa política radical: "O patrimônio africano não pode estar unicamente nas coleções privadas e nos museus europeus", declarou. Em seguida, o chefe de Estado encarregou a historiadora de arte francesa Bénédicte Savoy e o autor senegalês Felwine Sarr de tirarem conclusões sobre a questão.

Em seu relatório, os especialistas recomendam que se possibilite a restituição no caso de serem fechados acordos entre Paris e os respectivos Estados africanos. A mudança se aplicaria, em especial, a obras mantidas em museus e que foram "transferidas de seu território original durante o período colonial francês".

Controvérsia de longa data

Dos 90 mil objetos de arte da África subsaariana que Savoy e Sarr estimam encontrar-se em museus franceses, 70 mil estão no Quai Branly, em Paris, criado pelo ex-presidente Jacques Chirac, um entusiasta da arte africana e asiática. Alguns dos artefatos foram comprados, permutados ou, por vezes, simplesmente roubados por soldados, exploradores e outros, durante o período colonial.

A controvérsia sobre a propriedade de obras de arte não é nova. Uma convenção da Unesco contra a exportação ilícita de bens culturais, adotada em 1970, defendia a devolução de propriedade cultural retirada de um país, mas não se referia a casos históricos, como os da era colonial.

Devido ao temor de os museus serem forçados a se desfazer de seus acervos, as antigas potências coloniais têm sido lentas em ratificar a convenção: a França o fez em 1997, o Reino Unido, em 2002, a Alemanha, em 2007, a Bélgica, apenas em 2009.

A questão voltou a ganhar evidência em 2016, quando o presidente Patrice Talon, do Benim, exigiu que a França restituísse itens como entalhes, cetros e portas sagradas dos palácios de Abomei, capital do antigo Reino do Daomé. A França se recusou, aludindo a sua legislação.

Macron mostrou ser mais compreensivo com a causa africana. No entanto, a restituição não ocorrerá automaticamente: para iniciá-la, os países africanos devem apresentar um requerimento às autoridades francesas, baseado em listas de inventário.

Polêmica à vista na Alemanha

Enquanto personalidades africanas aplaudem o relatório, curadores e marchands europeus expressaram descontentamento com a perspectiva, argumentando que ela acabaria por esvaziar museus e galerias de países ocidentais. Eles enfatizam que grande parte dos objetos provém de reinos não mais existentes, e que em muitos casos os proprietários podem afirmar terem-nos obtido de forma legítima.

Os críticos igualmente alegam que a medida poderia levar colecionadores particulares da França a retirarem suas obras do país por medo de vê-las confiscadas. Outros levantaram preocupações práticas, como a possibilidade de os artefatos serem roubados ou mal curados por museus inexperientes, em Estados politicamente instáveis.

Outros países europeus também têm examinado criticamente suas coleções de artefatos culturais africanos. Em setembro de 2017, a ministra alemã da Cultura, Monika Gruetters, sugeriu adotar para a África um modelo semelhante ao do Centro Alemão de Propriedade Cultural Perdida, que procura os proprietários de arte saqueada pelo nazistas, a fim de devolvê-la.

O domínio colonial da Alemanha no continente africano durou de 1884 até o fim da Primeira Guerra Mundial e incluiu países como Camarões e a Namíbia. Esse debate poderá se reacender no país em 2019, quando será inaugurado em Berlim o Fórum Humboldt, um grande museu etnológico cujo acervo inclui peças de antigas colônias alemãs.

AV/afp/rtr

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