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Sérgio Augusto: 'Meu Fellini favorito? E eu lá sei'

Em depoimento, jornalista e escritor reflete sobre os filmes do cineasta italiano, cujo centenário de nascimento é comemorado em 2020

18 jan 2020 - 16h49
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Meu Fellini favorito? E eu lá sei.

Já foi A Trapaça. Isso bem antes de assistir a Dolce Vita e Oito e Meio. Tão volúvel quanto inseguro em minhas convicções taxonômicas, substituí A Trapaça por Abismo de um Sonho, uma das comédias mais tristes e patéticas já feitas - e o que dizer daquela cena do sceicco bianco Alberto Sordi, a balançar entre duas palmeiras, nas areias de Fregene?

Amarcord talvez seja, consensualmente, il miglior Fellini, o mais antológico, o mais abrangente, o mais querido, o xodó das multidões - e, sim, a sequência do transatlântico Rex é um dos momentos mais visualmente deslumbrantes da história do cinema.

Não obstante, reitero meu voto de fidelidade a Os Boas Vidas (I Vitelloni), que ao nosso mercado chegou com atraso, mesmo tendo dividido com mais cinco filmes o Leão de Prata do Festival de Veneza, que em 1953 não premiou ninguém com o Leão de Ouro.

Vitelloni sempre me pareceu o embrião, o molde, de toda a obra felliniana. Sua cosmovisão já está quase integralmente configurada naquela crônica sentimental, familiar e comunal sobre os boêmios errantes de Rimini e o melancólico tédio da dolce vita em província.

Pouco importa que aquela indolente procissão de mandriões - os cinco vitelloni que nada fazem por preguiça e fraqueza - tenha sido rodada em Viareggio, do outro lado da Itália. O Mar Tirreno que eles contemplam, sonhando com fugir para bem longe dali, é o Adriático que banha Rimini e testemunhou os devaneios do jovem Fellini e seus companheiros de adolescência e vadiagem.

Os Boas Vidas é um memento do cineasta, um pré-Amarcord, tão autobiográfico que Fellini, além de encaixar no elenco seu irmão Riccardo, batizou os dois principais vitelloni, Fausto (Franco Fabrizzi) e Moraldo (Franco Interlenghi), com os nomes de seus dois maiores amigos de juventude.

Fellini não levou adiante o projeto de rodar um filme sobre seu alter ego em Roma. Moraldo in Città não vingou. Mas A Doce Vida, com Moraldo rebatizado Marcello, preencheu além das medidas aquela lacuna.

Estadão
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