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'Mulher-Hulk': Uma ótima surpresa, mesmo com começo mais lento

Novo seriado da Marvel usa metalinguagem e tom leve para falar de machismo e apresentar personagem apaixonante

17 ago 2022 - 13h33
(atualizado às 17h21)
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'Mulher-Hulk: Defensora de Heróis' chega ao Disney+ nesta quinta-feira (18)
'Mulher-Hulk: Defensora de Heróis' chega ao Disney+ nesta quinta-feira (18)
Foto: Divulgação/Marvel Studios

Por ser fã da Mulher-Hulk já nos quadrinhos, eu esperava muito da nova série do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês). Mais do que rever o Demolidor, conexões com os filmes ou qualquer outra razão geradora de hype, o que eu queria ver era toda a energia caótica e o clima galhofa que marcaram as melhores histórias da personagem. E, de certo modo, foi exatamente aquilo que a Marvel entregou nos quatro primeiros episódios do seriado disponibilizados até aqui — ainda que com algumas ressalvas.

Porque esse sempre foi o grande superpoder da heroína: a irrelevância. Ela surgiu como um derivado do Hulk como forma de a editora proteger uma marca registrada e, por isso mesmo, ninguém deu muita importância para essa gigante de jade e tampouco a levaram a sério em anos de cronologia. E isso sempre foi ótimo, pois permitiu que roteiristas tivessem total liberdade para fazer o que quisessem — e muito desse espírito foi levado para o MCU.

Prova disso é que Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, que chega ao Disney+ nesta quinta-feira (18), é a produção mais leve e descompromissada desses quase 15 anos de filmes e séries. E não apenas por trazer um roteiro divertido e que avança no campo da comédia mais do que qualquer outra produção até aqui. O grande charme do seriado é brincar com a metalinguagem do universo de super-heróis e quebrar a quarta parede para transformar o público em seu cúmplice tanto na hora de brincar com a própria Marvel quanto na hora de falar de assuntos mais delicados.

Mais do que um Hulk de saia

Embora já tenha sido parte dos Vingadores e até do Quarteto Fantástico, a história da Mulher-Hulk nos quadrinhos é marcada por duas fases em específico. Em 1989, John Byrne fez com ela conversasse com os leitores, brigasse com os roteiristas e reclamasse das suas próprias aventuras, brincando muito com a linguagem das HQs. Foi um marco que é lembrado até hoje por explorar muito do potencial do meio.

Em 2004, a personagem voltou a ganhar uma revista, desta vez com Dan Slott nos roteiros. E embora a heroína não fosse mais tão caótica como antes, o autor soube brincar muito bem com o fato de ela ser advogada para tirar sarro da própria Marvel e dos detalhes que se escondem por trás das histórias mais sérias da editora.

E a série do Disney+ bebe muito dessas duas fontes para criar uma Mulher-Hulk única que é uma mistura dessas duas fases, mas que tem seu brilho bem particular. Assim, temos parte da bagunça da era Byrne com esse clima "The Office de herói" que Slott apresentou, mas tudo isso costurado por uma Jennifer Walters (Tatiana Maslany) que é própria do seriado e a estrela do seu show.

Parece óbvio dizer isso, mas é realmente difícil escapar da sombra de seu gigantesco primo esmeralda — e o grande acerto aqui foi fazer isso tanto dentro como fora do roteiro.

Engana-se quem acredita que a série é apenas sobre uma versão feminina do Hulk. Na verdade, todo o primeiro episódio existe apenas para mostrar como Jennifer e Bruce Banner (Mark Ruffalo) são opostos. Isso fica claro logo de início quando é mostrado que ela tem muito mais controle sobre seus poderes e transformação, dominando em um episódio aquilo que o grandão precisou de 15 anos.

Ao mesmo tempo, os primeiro episódios trazem também outra diferença fundamental: a protagonista não vê a nova forma como uma maldição e passa a se beneficiar e aproveitar os benefícios de ser uma gigante de jade de 2 metros de altura.

É ao estabelecer que Jennifer não é uma versão feminina de seu primo é que Mulher-Hulk: Defensora de Heróis começa de verdade e se transforma em uma divertida série de advocacia, ao estilo Law & Order, mas com uma pegada muito mais bem humorada e brincando com o universo Marvel.

E isso tudo faz a atriz Tatiana Maslany brilhar. Ela incorpora muito bem a leveza que o roteiro exige, mas sem abrir mão da seriedade que o papel também pede. Apesar de estar em um mundo em que um Mago Supremo entra na Justiça contra um mágico que está usando suas magias indevidamente ou que uma asgardiana está se passando por celebridades para aplicar golpes, Jennifer ainda é uma das melhores advogadas de Los Angeles e entrega toda a sobriedade que o posto exige.

Só que, ao mesmo tempo, ela está ciente de que nada daquilo faz sentido e deixa claro o quanto é desesperador transitar entre essas realidades. E ela vai de um canto a outro com muita facilidade, o que faz com que seja uma delícia acompanhar o seu trabalho civil. Ela é carismática e divertida na mesma medida em que nos passa credibilidade diante de um júri.

É nesse vai e vem que entra em cena a tão comentada quebra de quarta parede. É quando se depara com os absurdos tanto do MCU quanto do próprio roteiro que Jennifer lembra que é uma personagem de uma série de TV e para tudo para conversar com o espectador, seja tirando sarro da sua própria situação ou fazendo do público seu confidente.

A produção de Mulher-Hulk confessou a inspiração em Fleabag para criar esses momentos — e a referência não poderia ser melhor. É muito fácil perder a mão com esse tipo de recurso narrativo, mas Defensora de Heróis sabe usar muito pontualmente esses olhares e trocas de confidências apenas para brincar com a trama ou para destacar um momento ou outro de humor.

Não é nada caótico como Deadpool e, por isso mesmo, fica tão bom. Não é nada forçado ou exagerado, servindo muito mais como uma ferramenta para puxar o público de volta para a história ou para aproveitar um gancho que ficou em aberto. É perceptível a influência de Fleabag e isso não poderia ser mais positivo.

Dedo na ferida

Só que, para além dessas brincadeirinhas com linguagem e roteiro, Mulher-Hulk: Defensora de Heróis se revela uma enorme surpresa ao usar todos esses elementos para discutir assuntos sérios entre uma piada e outra. Mais do que ser uma série de advocacia sobre metalinguagem, ela é sobre machismo.

Essa é uma mensagem que não foi sugerida em nenhum dos trailers, mas que está presente o tempo todo ao longo da trama e pega o público no contrapé. Assim, a história da heroína que se transforma em uma gigante verde serve como uma grande alegoria para o que é ser mulher.

Esse é um tema que a série aborda desde o primeiro episódio, seja ao mostrar que Jennifer sempre precisou controlar sua raiva, mesmo antes de ser a Mulher-Hulk, pelo simples fato de ser mulher e que essa é uma questão de sobrevivência, não de escolha. Ou então como ela precisa ser constantemente diminuída tanto no trabalho — o que acontece de forma literal, inclusive — quanto nos relacionamentos. Até mesmo o tratamento diferente que a mídia dá para heróis e heroínas vira alvo de críticas.

E isso tudo é apresentado de forma muito orgânica em um roteiro inteligente que sabe brincar com aquilo que a gente esperava ver, mas que surpreende por trazer esses tapas em bons diálogos e situações inesperadas.

Nesse sentido, a quebra da quarta parede se torna ainda mais interessante. Isso porque o recurso não é usado apenas para fazer humor, mas para também tornar o público confidente de Jennifer na hora de passar por certas situações. Seja com um comentário fora da trama ou com uma olhada para a tela, a personagem trata o espectador como aquele amigo com quem ela desabafa sobre os perrengues do trabalho ou sobre como aquela situação que ela precisou encarar calada era absurda ou revoltante.

É um uso sutil, mas que faz toda diferença para construir essa nova versão da Mulher-Hulk que não é apenas uma reimaginação da heroína caótica dos quadrinhos, mas uma representação da dureza que é ser mulher em um mundo com ou sem super-heróis. Não se trata de uma mistura da personagem de John Byrne e nem aquela de Dan Slott, mas uma nova Mulher-Hulk que trata de questões pertinentes com uma acidez bastante própria graças ao roteiro preciso e bem trabalhado de Jessica Gao. Um acerto e tanto.

Law & Order: MCU

Isso não tira de Defensora de Heróis, porém, essa leveza que a série traz, até mesmo para os padrões Marvel. A coisa é tão descompromissada que ela funciona de forma bastante independente do restante do MCU, embora faça piada e cria conexões com diferentes histórias que a gente já conhece. Ainda assim, é uma ótima porta de entrada para o mundo dos super-heróis para quem está chegando agora.

A série começa de uma forma tão simples que fica até a sensação de ser uma trama procedural, com os famosos casos da semana sendo resolvidos a cada episódio. Não é exatamente assim, mas ele tenta emular essa experiência de início para brincar com os clássicos seriados de advocacia. O problema é que isso faz com que o começo de Mulher-Hulk seja bastante lento.

Nos episódios liberados pela Marvel, esse foi o grande calcanhar de Aquiles apresentado. Não que a fórmula seja ruim ou que a história seja ruim, mas ela parece não estar preocupada em avançar. Há algumas sugestões bem pontuais da grande trama que é desenhada, mas ainda fica a sensação de que as coisas demoram a pegar no tranco.

E se essa é uma impressão que fica assistindo a quatro episódios de uma só vez, imagine como essa lentidão inicial vai incomodar semanalmente um público que se acostumou com esse formato de um filme de seis horas.

O elefante verde na sala

E não há como falar de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis sem entrar no famigerado ponto do CGI. Realmente há uma melhora no visual da personagem em relação ao que o primeiro trailer apresentava, mas ainda não tira o estranhamento causado por ver a enorme personagem verde.

Isso é algo que vai além do simples fato de ser um efeito que cai no vale da estranheza. É uma questão que esbarra naquela polêmica das condições de trabalho de profissionais de efeitos visuais e fica claro o quanto falta polimento em muitos momentos em que Jennifer está transformada.

É algo que fica evidente quando ela está ao lado do Hulk, que teve seu modelo digital sendo bem trabalhado ao longo dessa uma década e meia. Assim, quando os dois personagens estão juntos, é gritante ver como o visual da protagonista ainda não chegou lá e que ainda causa um certo desconforto vê-la transformada, ainda mais quando interage com pessoas e objetos reais.

O lado bom é que a série dosa bem os momentos em que ela aparece em sua forma verde e temos uma boa parcela de Tatiana Maslany assumindo o papel de Jennifer Walters. Além disso, por mais estranho que ainda pareça, não é nada que comprometa e você até se acostuma a partir de determinado momento.

Bom começo

No fim das contas, o saldo inicial de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis é bem positivo. Por ser uma personagem de que ninguém esperava nada — nem mesmo quem já a conhecida das HQs —, foi uma excelente surpresa ver que a série conseguiu extrair o que há de melhor nas fases mais icônicas dos quadrinhos ao mesmo tempo em que imprimiu elementos únicos dessa nova versão que a tornam ainda mais interessante.

O formato quase procedural tem seu charme e combina com a brincadeira de ser uma série de advocacia clássica, mas parece esticar demais, demorando a apresentar a trama que realmente vai ser contada. Para uma série semanal de uma heroína desconhecida, essa lentidão pode ser bastante problemática. É um seriado com muito potencial, mas que ainda não mostrou a que veio.

A parte boa é que a leveza do roteiro e o carisma de sua protagonista compensam e são um grande convite para que o público acompanhe a série. Se a ideia era mostrar que Jennifer Walter é muito mais do que a versão feminina do Hulk, só os primeiros episódios já mostram que ela tem espaço para se tornar até mais interessante do que ele.

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