O Ramones da sci-fi: saudades de John Carpenter
Ao assistir ao ‘Duna’, senti saudades de John Carpenter.
Aparentemente, boa parte da galáxia já assistiu ao novo “Duna”. Que bom, assim eu não preciso entrar em detalhes sobre toda a obsessiva jornada cultural do livro de Frank Herbert no Ocidente.
Haja débito cármico: desde seu lançamento, em 1965, essa história vem gastando dinheiro e massa encefálica de muita gente por aí, de David Lynch a Alejandro Jodorowsky, sem falar em executivos, críticos, fãs, etc. Será que, agora, finalmente exorcizaremos esse espírito obsessor?
Claro, a adaptação de Denis Villeneuve é tudo aquilo que, atualmente, se espera de um filme desse tipo: épico e super bem produzido. Mas, num certo momento, você não sabe se está assistindo a “Game of Thrones”, “Foundation”, “Star Wars” ou a qualquer outro. Às vezes, até os atores são os mesmos.
Como diria Byung-Chul Han, talvez isso seja resultado da Sociedade do Cansaço. Ou (alguns de nós, privilegiados) estão simplesmente empanturrados de tanto escapismo.
De qualquer forma, é certo que “Duna” reforça uma certa fadiga de obras de sci-fi grandiosas. Não é culpa do livro. Nem do diretor. A culpa é do excesso de oferta.
Por um lado, esse cenário lembra um pouco o mito da luta entre punk e rock progressivo, que a imprensa cultural espalhou nos anos 1980: quando o virtuosismo técnico e a complexidade imperavam, surgiu a necessidade de cultuar a simplicidade, o improviso, a precariedade e o “faça por si mesmo”.
Por outro lado, a Internet está cheia de amadorismo, circulando numa velocidade incrível — o que também cansa.
Essa é uma encruzilhada cultural, criada pela velocidade de produção e consumo de informação.
O filme de Villeneuve deve ser bom. Mas não deu tempo de perceber. Eram muitas emoções surgindo sucessivamente.
É preciso ser diligente para quebrar a compulsão pela próxima sensação grandiosa. É preciso ter disciplina para aceitar pausar, rever, reler e repensar. Hoje em dia, é como tentar ver a paisagem enquanto se nada contra a correnteza. Difícil, mas possível.
De qualquer forma, quem seriam os Ramones da ficção científica? Ora, se você me conhece há algum tempo, talvez já saiba a resposta: “Dark Star – A Spaced Out Odissey”, de 1974, dirigido por ninguém menos do que John Carpenter. É o meu filme de sci-fi favorito. O melhor? Certamente, não. Nem precisa ser.
Trata-se da história de quatro hippies barbudões, lixeiros do espaço, que convivem há 3 anos, numa nave. Se você sofreu no isolamento da pandemia, imagine essa situação. Para eles, o espaço é burocrático: um trabalho, não uma aventura tecnológica contra um império.
Até mesmo o computador de bordo é temperamental. Mais para Bartleby do que para Hal 9000. Em “Dark Star”, a máquina é pura lógica, pura empáfia discursiva: não basta puxar a tomada, é preciso debater, convencê-la a colaborar. Ela é tão eficiente que se torna uma ameaça à maluca, desorganizada e fedorenta tripulação humana. “Por favor, desarme essa bomba”. “Prefiro não”.
John Carpenter anda focado na sua carreira de músico, fazendo trilhas sonoras para filmes de suspense. Faz falta. Se é para ser obcecado com Duna, imagine o que seria uma versão do livro dirigida por ele. Alguém teria um alien-bolha como animal de estimação?
(*) Eduf é cientista social, publica na internet desde 1996. Escreve, produz podcasts e desenvolve websites.