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'O Bar Luva Dourada' fala de exclusão ao contar história de serial killer

Polêmico filme do diretor alemão Fatih Akin, de ascendência turca, revê trajetória de serial killer que matava mulheres solitárias em Hamburgo nos anos 70; veja o trailer

17 jul 2019 - 03h12
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Fatih Akin nasceu em Hamburgo, de ascendência turca, em 1973. Não tem idade para lembrar-se dos fatos, mas sempre ouviu as histórias do serial killer que matava as mulheres solitárias que encontrava no Bar Luva Dourada. O bar existe até hoje, com sua fauna humana de bêbados e solitários. Essa história sempre assombrou o diretor, mas daí a realizar um filme sobre o assunto vai uma distância.

No Festival de Berlim, em fevereiro, Akin dividiu a crítica. Seu filme O Bar Luva Dourada estreia nesta quinta, 18, nos cinemas brasileiros. Numa entrevista por telefone, ele conta por que quis contar essa história.

Ela já fazia parte do seu imaginário, é isso?

Fazia, mas isso não basta para explicar o desejo pelo filme. Depois de Em Pedaços, em que Diane Kruger caça o terrorista que matou sua família, eu estava assombrado pelo tema da destruição. Queria entender o mundo em que vivo, o ódio. Foi quando saiu o livro de Heinz Strunk sobre Fritz Honka, o assassino do Bar Luva Dourada. Comprei os direitos sem pensar muito. Não sabia se queria realizar um filme, mas, com certeza, não queria que outro o fizesse.

Você já venceu o Urso de Ouro por Contra a Parede. Diane Kruger foi melhor atriz em Cannes por Em Pedaços. Apesar disso, o desconforto foi imenso após a sessão de imprensa de O Bar Luva Dourada em Berlim. Eu sei porque estava lá. Você nunca havia feito um filme assim, tão grotesco. Por quê?

Essa tem sido uma pergunta que eu mesmo me faço. Poderia citar Victor Hugo e Federico Fellini, que foram artistas, um na literatura, outro no cinema, que forjaram meu imaginário. Fellini filmava o grotesco humano com uma magia irresistível. Não era o que me atraía. Fui ao Luva Dourada e encontrei uma mulher que me pediu bebida. Mais que grotesca, era patética. Pensei que seria interessante filmar essas pessoas sem pensar que eram feias, disformes. Tentar entender por que a sociedade faz vista grossa desse mal-estar, por que essas pessoas estão ali, se matando? E, depois, foi aqui que tudo se iluminou para mim. As pessoas costumam ver Contra a Parede pelo ângulo da garota, mas o que me atraía era o personagem masculino. E ele poderia ser o típico frequentador do Luva Dourada. Então, era como fechar um ciclo. Os ambientes e personagens são sórdidos, mas eu tentei filmar sem sensacionalismo, sem preconceito. Nossa pobre humanidade merece compaixão.

Não pude deixar de pensar no remake de Suspiria, por Luca Guadagnino. A Alemanha dos anos 1970, o pós-terrorismo. Hoje, a Europa é assombrada por governos de direita, proclama-se o ódio ao imigrante, ao refugiado. Pensava nisso?

Na dimensão política dessa história? Com toda certeza. Não foi o desejo de fazer um filme de gênero, por mais que o horror me atraia como sintoma. Foi justamente o oposto. Fazer desse grotesco e desse horror ferramentas para tentar entender o estado do mundo. Não sei exatamente das coisas no Brasil, mas o que vejo na imprensa, nas redes sociais, é que a loucura parece estar contaminando as instituições em seu país. Eu sentia, na Alemanha dos anos 1970, sintomas desse mal-estar terrível. Nenhum povo, nenhum país quer confrontar seus crimes. O genocídio dos judeus pelos alemães, dos índios pelos norte-americanos, dos armênios pelos otomanos. Fica uma má consciência, uma legião de excluídos. Para mim, O Bar Luva Dourada é sobre exclusão. Criminosa é a sociedade, é quem tem o poder. Quando você vê as pessoas à deriva, se matando, para mim o sentimento é de desolação. Até onde chegaremos, o que mais está faltando?

O choque foi grande por que você pegou um ator bonito e o transformou, fez de Jonas Dassler um monstro...

...E eu queria que fosse jovem. Começou por aí. Se pegasse alguém feio, naturalmente grotesco, me acusariam disso e daquilo. Jonas Dassler foi muito corajoso. Colocou as pessoas no espelho. Se eu sou isso, vocês podem ser.

E, agora, o que você vai fazer?

Trabalho em dois projetos, um filme de guerra, mas acho que vou optar pela biografia de Marlene Dietrich, de novo com Diane Kruger. Será a outra face da guerra, porque Marlene foi uma resistente contra o nazismo.

Estadão
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