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69º Festival de Berlim mantém foco no feminino e na política

Uma fábula sobre a bondade, filme 'The Kindness of Strangers' abre a Berlinale, que tem Juliette Binoche como presidente do júri

7 fev 2019 - 18h15
(atualizado às 18h36)
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Em 1995, quando o repórter veio pela primeira vez à Berlinale, a queda do Muro ainda era recente e Berlim era uma cidade em (re)construção. Passaram-se 24 anos e parece ter havido um terremoto. Por toda parte existem obras grandiosas. É nesse contexto que o próprio festival se transforma. O alemão Dieter Kosslick, que tem sido o timoneiro que estabeleceu a Berlinale como o mais político dos grandes festivais, apresenta sua última seleção. No sábado, 9, ele assina o que pode ser seu legado - um tempo de igualdade de gênero, a ser perseguido nas seleções que virão.

Na sua despedida, o júri, como outras vezes, é presidido por uma mulher, a atriz francesa Juliette Binoche, e o filme de abertura, The Kindness of Strangers, é dirigido pela cineasta dinamarquesa Lone Scherfig. Blanche DuBlois, a emblemática personagem de Tennessee Williams em Um Bonde Chamado Desejo, vive da caridade de estranhos. É um pouco o que ocorre com Clara da atriz americana e Zoe Kazan, que abandona o marido - policial e violento - e foge para Nova York com os dois filhos. Num inverno tenebroso, e sem abrigo nem dinheiro, rouba comida até encontrar as almas caridosas que vão acolhê-la (e aos seus meninos).

Abertura do Festival de Berlim
Abertura do Festival de Berlim
Foto: Hannibal Hanschke / Reuters

O filme passa-se numa Nova York que parece de época, mas os computadores atestam a contemporaneidade. É uma fábula, e contra a corrente quanto ao atual estado do mundo. Embora tenha seus momentos, é meio morna para abrir um festival como Berlim - em sua 69.ª edição -, que começou na quinta, 7, e vai até domingo, dia 17.

Questionada, a diretora explicou de onde tira energia para criar seu cinema cheio de esperança, mesmo quando as condições parecem tão adversas. "Como seguir em frente, sem acreditar que vale a pena? A vida já é tão complicada que fechar os olhos para o que ela pode ter de bom - a amizade, o amor - me parece um convite ao desestímulo." Numa cena, Zoe fecha os olhos e parece que vai morrer, de frio ou o quê? O filho a sacode - "Mãe, abra os olhos, não durma. Estamos juntos, estamos aqui." Todo o filme parece estar resumido nessa simples cena.

No caso de Clara, em The Kindness of Strangers, ela não conseguiria sem apoio. O marido é um bruto que intimida o próprio pai e os filhos. Não se expressa por outro meio que não a violência. Mas existem os filhos, o doce Tahar Rahim, o advogado amigo, o velho dono do restaurante (Bill Nighy, como um falso russo) que a todos acolhe, a enfermeira vivida pela inglesa Andrea Riseborough.

A bondade independe de gênero. É daí que Lone Scherfig acredita que venha a salvação. E o júri? "Quando me convidou, Dieter (Kosslick) disse que não estava me escolhendo por ser mulher, mas porque ia organizar uma seleção de bons e belos filmes e queria se assegurar de que seriam avaliados por um olhar sensível. Como poderia dizer não", contou Juliette Binoche.

Para ela, a questão da mulher no cinema está longe de ser resolvida, "mas as coisas já mudaram bastante em dez anos". Acrescentou que não é nenhuma especialista, mas está bem cercada, com seu júri integrado por mais duas mulheres - a também atriz Sandra Hüller, nascida na Alemanha, do filme de 2016 Toni Erdmann, e a diretora e roteirista inglesa Trudie Styler, mulher do cantor e compositor britânico Sting - e três homens.

O crítico do The Los Angeles Times, o norte-americano Justin Chang, o diretor chileno Sebastián Lelio, de Glória e Uma Mulher Fantástica, e o curador de filmes do MoMA, de Nova York, Rajendra Roy. Paridade - três e três, com a mulher no comando. O melhor filme recente que Chang viu foi Em Chamas, de Lee Chang-Dong. Lelio ama Roma, de Alfonso Cuarón.

Desde que começou a filmar, ele ouve que o cinema está em crise, morrendo, mas pela própria experiência acha que o paciente terminal é um sobrevivente. Dieter Kosslick concorda. "Os parâmetros da indústria estão mudando. Temos de lutar pelo cinema, mas sem excluir a Netflix." Quanto ao futuro da Berlinale: "Não tenho medo. É bom se abrir para as novas ideias que virão".

Estadão
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