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Morre o ator francês Michel Piccoli, aos 94 anos

Ele atuou em filmes de Luis Buñuel, Alain Resnais, Jacques Demy e outros grandes mestres do cinema europeu

18 mai 2020 - 17h43
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Em 1995, para festejar o centenário do cinema, uma grande artista, não apenas a diretora - Agnès Varda -, desenvolveu um projeto grandioso, mas que, infelizmente, não saiu tão bom como ela gostaria: As Cento e Uma Noites. O filme teve direito a gala em Cannes, tapete vermelho. Michel Piccoli interpretava o centenário Senhor Cinema. Gilles Jacob, então diretor-geral do festival, recebeu-o na entrada do Palais. Eram grandes amigos. Foi Jacob quem anunciou a morte do grande Piccoli - segundo o jornal francês Libération, Jacob disse que "Michel Piccoli faleceu em 12 de maio, nos braços de sua mulher Ludvine e ao lado de seus filhos Inord e Missia, de consequências de um acidente vascular cerebral". Ele estava com 94 anos.

Descendente de italianos, Piccoli nasceu numa família de músicos - mãe pianista, pai violinista -, em Paris, no dia 27 de dezembro de 1925. A arte estava no horizonte e ele se tornou ator. Não apenas dirigiu para teatro, como dirigiu um teatro, o Babylone. Se não foi realmente sua estreia, a primeira vez que se fez notar na tela foi num filme de Jean Renoir - French Can-Can, de 1954.

Seguiu-se, dois anos depois, um filme de Luis Buñuel - La Mort en Ce Jardin, que passa na TV como A Morte no Jardim. Em 1963, foi o Ulisses moderno de O Desprezo, o mais clássico filme de Jean-Luc Godard, livremente adaptado do romance de Alberto Moravia. Piccoli faz o roteirista, marido de Brigitte Bardot, do filme dentro do filme, que o lendário Fritz Lang pretendeu rodar - uma versão de A Odisseia, interpretada por estátuas.

Em 1964, de novo com Buñuel, fez O Diário de Uma Camareira. Não parou mais de filmar. Tornou-se requisitado pelos maiores diretores - fez A Guerra Acabou, com Alain Resnais; A Bela da Tarde, com Buñuel; Duas Garotas Românticas, com Jacques Demy; A Comilança, com Marco Ferreri. Com Buñuel fez ainda O Estranho Caminho de São Tiago, O Discreto Charme da Burguesia, O Fantasma da Liberdade, Esse Obscuro Objeto do Desejo. Idem com Ferreri: Dillinger Está Morto, A Última Mulher.

Foi um dos atores preferidos do mestre português Manoel de Oliveira - Party, Vou Para Casa (no qual protagonizou a genial cena do sapato desamarrado), Espelho Mágico, Belle Toujours, Encontro Único (o episódio de Chacun son Cinéma). Voltou a Renais (Vocês Ainda não Viram Nada). E teve belos encontros com Claude Chabrol (Dez Dias Fantásticos), Louis Malle (Atlantic City e Primavera em Maio), Jacques Rivette (A Bela Intrigante), Nanni Moretti (Habemus Papam) e Léos Carax (Holy Motors).

Mas uma parceria precisa ser destacada, e talvez tenha sido a maior de todas. Em 1970, formou uma dupla inesquecível com Romy Schneider, então no auge da beleza e do talento, As Coisas da Vida, de Claude Sautet. O trio voltou em Sublime Renúncia e Mado. E, com Sautet, ainda fez Vicente, Paulo, Francisco e os Outros. Sautet filmava o homem comum, mesmo quando submetido a circunstâncias poderosas.

Sautet fez os filmes que François Truffaut, a partir de determinado momento de sua carreira, talvez gostasse de ter feito. Michel Piccoli casou-se três vezes. A segunda mulher foi a cantora e atriz, musa do existencialismo, Juliette Gréco.

A par de sua extraordinária carreira, Piccoli foi militante de esquerda, integrando o Movimento pela Paz e sempre firme contra o Front National, de extrema-direita. Em 1981, fez campanha pelo socialista François Mitterrand. Gilles Jacob editou as memórias de Piccoli e assina com ele o livro J'ai Vécu dans Mes Rêves (Vivi nos Meus Sonhos, em tradução livre). Piccoli dizia que conseguiu viver muito mais do que sonhou. Não poderia haver mais perfeito epitáfio para esse grande do cinema.

Estadão
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