PUBLICIDADE

Filme palestino mostra como controle social interfere em relacionamentos

Em 'Os Relatórios Sobre Sarah e Saleem', que chega na Reserva Imovision, o adultério ganha outra dimensão em um conflito político

13 mai 2021 - 07h47
Compartilhar
Exibir comentários

Em uma cena de Os Relatórios Sobre Sarah e Saleem, ele está na direção da van. Entra numa rua e diz: "Estou entrando na Rua Hebron, que faz a divisa entre Jerusalém Oriental e Ocidental, e que tem sido palco de muitos confrontos entre palestinos e israelenses". O longa de Muayad Alayan passou na Mostra de Cinema de São Paulo de 2018 e chega ao streaming da Reserva Cultural - Reserva Imovision - como o inédito da semana mais de dois anos depois. Não será mera coincidência que justamente agora, e há vários dias, estejam ocorrendo novos confrontos em Jerusalém. O Oriente Médio segue sendo uma das regiões mais explosivas do mundo.

Muayad Alayan é um autor palestino. Fez filmes como Amores, Roubos e Outras Complicações. Seu cinema é marcado pelo comprometimento político e social, mostrando como é tenso o equilíbrio entre os dois Estados, o de Israel e o palestino, que o primeiro não reconhece. O cinema tem dado esse testemunho, mas não, ou nunca, com o recorte escolhido por Alayan. Quando o filme começa, Saleem está sendo preso com brutalidade. "O que está acontecendo, o que fiz?"

Saleem é um motorista palestino. É casado, sua mulher está grávida. Ele tem uma amante israelense, Sarah, a dona de um café. São unidos pelo sexo, exclusivamente. Ele vai preso e é investigado sob a acusação de transportar prostitutas israelenses, e de tentar recrutá-las para a sua causa. Para complicar, Sarah é casada com um militar israelense que trabalha nas forças de segurança. A acusação torna-se mais grave. Sarah, segundo a inteligência de Israel, pode estar passando informações sobre as atividades secretas do marido.

O filme centraliza-se nos dois casais. Saleem e Bisan, Sarah e David. Informado, por vias extraoficiais, sobre o que está se passando, David força a mulher a um testemunho que pode inocentá-la e condenar Saleem a uma pena mais dura - no mínimo dez anos de cadeia. Bisan, ao descobrir a traição, fica dividida. Quer se divorciar, e ao mesmo tempo está presa ao casamento. O marido virou herói palestino e ela teria de expor seu comportamento. Estaria destruindo a reputação do pai de seu filho.

Assista ao trailer:

Alayan não está falando da grande história, mas da forma como políticas de controle social interferem no cotidiano de pessoas. Quando Sarah conta que arranjou um amante, a atendente de seu café diz que essas coisas acontecem e até podem fortalecer um relacionamento. Mas quando Sarah diz que o amante é palestino, o caso muda de figura. "Com milhões de israelenses para escolher, por que ele? Você estava tão desesperada assim?" E David, ao visitar Saleem na cadeia, e agredi-lo: "Por que ela? Por que a minha mulher?"

Bem escrito, dirigido e interpretado, Os Relatórios Sobre Sarah e Saleem subverte o melodrama pela análise fria dos mecanismos de controle social. O general lamenta muito que David tenha se metido nessa situação. O irmão de Bisan também lamenta, mas tem a própria família e pressiona a irmã para não continuar remexendo nessa trama fedida. O mal-estar e o suspense andam juntos. Muita coisa ocorre à noite, enquanto a cidade dorme. O filme não é conclusivo. Não termina de forma a aliviar a barra para o espectador.

Termina, olha o spoiler, com uma troca de olhares. Saleem e suas duas (ex) mulheres, David nem retribui o olhar de Sarah. O que há é uma espécie de solidariedade entre elas. Mas, por mais que sejam as vítimas da sociedade controlada pelos homens, eles também se fragilizam. A sociedade machista não tem respeito por homens fracos. Alayan talvez nem saiba disso, mas é um discípulo distante de Otto Preminger. Nos anos 1960, e por meio de uma série de obras-primas, incluindo Exodus - sobre a criação de Israel -, Preminger filmou as instituições (Exército, Igreja, Política) que se superpõem aos homens. A tragédia dos indivíduos, num jogo que os ultrapassa.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade