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Documentário 'Time' discute a compaixão como forma de transformar a vida dos presos

Disponível no Amazon Prime Video, filme da cineasta Garrett Bradley acompanha vida de mulher com seis filhos cujo marido foi condenado a 60 anos de prisão por um assalto sem feridos

21 out 2020 - 05h10
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Nos EUA, 1 em cada 20 homens negros entre 35 e 39 anos de idade estavam na prisão em 2018. Contando todas as idades, 2.272 em cada 100 mil homens negros estavam encarcerados, contra 1.108 hispânicos de cada 100 mil homens hispânicos e 392 brancos de cada 100 mil homens brancos. Os brancos compunham 63% da população adulta, mas apenas 30% dos presos, enquanto os negros, 12% da população, eram 33% dos presos. Mas em Time, documentário de Garrett Bradley, disponível no Amazon Prime Video, não há estatísticas que provam o encarceramento excessivo e desproporcional de homens negros. O filme evita inclusive as cenas de tribunal ou mesmo da penitenciária onde Rob Rich cumpre sua pena na Louisiana. Ela é vista de cima, com seus 18 mil acres espalhados por diversas antigas fazendas, inclusive aquela conhecida como Angola, que rendeu o apelido à prisão. Não por acaso, Angola é o país de onde vieram muitos dos escravos do Estado.

Garrett, que ganhou o prêmio de direção no último Sundance Festival, optou por mostrar a vida de Fox Rich e dos seis filhos do casal na ausência de Rob. "Eu não me vejo como uma cineasta que existe sozinha no espaço. Há muitos diretores e ativistas falando desse assunto e, para mim, a beleza está em reforçar a ideia de que há múltiplos pontos de vista e ângulos", disse Garrett em entrevista exclusiva ao Estadão. "O que me interessava eram coisas mais abstratas: o que é o amor, a mitologia do amor e da unidade, o privilégio do amor e da intimidade." Para ela, é um jeito de falar do assunto de uma forma diferente, que traga mais gente para a discussão. "As pessoas sempre arrumam uma maneira de evitar algo baseado no que acham que acreditam, em suas posições políticas, ou geografia, ou no que acham que devem pensar ou ser. O objetivo é que seja inevitável falar do tema, e o único modo é ter diversas capas para o mesmo livro."

Time era um projeto bem diferente do que acabou se tornando. No princípio, tratava-se de um curta-metragem que seria uma espécie de par para Alone, outro curta da cineasta sobre uma jovem que precisava decidir se casava ou não com o namorado encarcerado. Fox Rich aparecia no final de Alone, dando conselhos a uma jovem tomando contato com o sistema pela primeira vez. "Queria continuar falando do encarceramento de uma perspectiva inerentemente feminina ou familiar, para pensar nos efeitos do encarceramento. E a história de Fox era muito diferente da de Alone, o que permitia um entendimento da diversidade que existe nesse tema."

No último dia de filmagem, Fox lhe deu uma sacola cheia de fitas de vídeo caseiras, com imagens suas e de seus filhos durante as décadas em que Rob ficou preso. E ela viu que não tinha como ignorá-las. "Foi um grande aprendizado para mim, porque você entra num projeto achando que sabe o que está fazendo", contou. "O arquivo de Fox representou um desafio em termos formais e de tom. Mas também apresentou oportunidades reais de entender Fox e a história da família de uma maneira que seria impossível registrar com minha câmera. No fim, ela é uma cineasta, eu também, e juntamos dois filmes para realizar um terceiro."

O título não se refere apenas ao tempo que transcorre sem Rob, em que os meninos graciosos e levados se tornam homens barbados, em trajes de formatura. Mas também ao tempo da pena. O ditado "If you do the crime, do the time", algo como "se você comete o crime, cumpra a pena", é desconstruído aqui. Fox e Rob não negam seu erro. Num momento de desespero, fizeram um assalto a mão armada que rendeu US$ 5 mil e não feriu ninguém.

Fox passou três anos e meio na prisão. Rob foi condenado a 60 anos, sem possibilidade de condicional - para se ter uma ideia, Jeffrey Epstein, acusado de abuso sexual por dezenas de mulheres, poderia ter sido condenado a um máximo de 45 anos se tivesse enfrentado um julgamento antes de ser encontrado morto em sua cela. "Precisamos nos perguntar, enquanto sociedade: essa sentença é justa? Esse sistema está nos servindo? E como podemos pensar no perdão como chave na criação de um mundo igualitário, justo e transparente, em que queremos viver de verdade?", indagou Garrett Bradley. "Eu não sei se meu filme vai ajudar alguém a entender o problema. Mas minha intenção é mostrar que amor e intimidade não são privilégios, mas direitos. E se conseguir que algumas pessoas possam se imaginar no mesmo contexto e ver como é precioso ter uma conexão familiar, essa é uma abertura para a compaixão e o entendimento e o início da transformação."

Estadão
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