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'Djon África' narra a história de um mergulho interior

Filme de Filipa Reis e João Miller Guerra tem roteiro coassinado pelo diretor do ótimo 'A Fábrica de Nada'

14 out 2018 - 06h11
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Para o espectador que vê, e se entusiasma, com A Fábrica de Nada, é estimulante descobrir o nome do diretor Pedro Pinho como um dos roteiristas de Djon África, que estreou na quinta, 11. Você logo se pergunta - qual terá sido sua contribuição ao longa da dupla Filipa Reis e João Miller Guerra? Todos tiveram suas origens no documentário, e esse compromisso com o real dá o tom do filme, que mistura atores profissionais e naturais (como em A Fábrica de Nada). Por mais cativante, e entusiasmado, que seja o ator Miguel Moreira, ele contracena com não profissionais tão bons quanto. Em especial, há um certo Maria Antônia que lhe rouba a cena. A parte dos dois talvez seja a melhor do filme.

Miguel (Moreira) vive em Portugal. Criado pela avó, ele usa o cabelo rastafári. Será, ao longo do filme, um estrangeiro em toda parte. Com a avó, sente que não tem perspectiva. Resolve partir para Cabo Verde em busca do pai. Ajuda-o receber um dinheiro que não esperava. A partir daí começa seu deslocamento, e Miguel, que adota o codinome Djon, será sempre o estrangeiro, o outro. De cara os diretores contrapõem o colorido do arquipélago à opaca vizinhança de Lisboa em que Miguel/Djon vivia.

Com o colorido vêm também as pessoas que o herói conhece em suas andanças. Elas conferem um aspecto picaresco à trama. Desde "Você não é daqui", até o fazendeiro de cabras que oferece a Miguel/Djon um emprego, o que Filipa e Miller Guerra totalizam na tela é o itinerário de um amadurecimento. E como é duro amadurecer. O fazendeiro é o citado Maria Antônia, cuja atitude à vontade diante da câmera faz dele uma autêntica revelação.

Por mais que o filme invista no exterior - paisagens, personagens secundários -, o que Djon África narra é a história de um mergulho interior. A princípio envolto na nuvem da cannabis, Miguel Djon vai ficando adepto da aguardente local, o grogue. O estrangeiro deixa de ser estranho aos próprios olhos. Em busca da figura paterna, faz a descoberta reveladora - "Eu sou meu pai." Longe de ser um recurso fácil, é o reconhecimento da maturidade. O resultado é um filme sedutor, mas há que reconhecer um afrouxamento na segunda parte, quando a dupla de cineasta se permite até certo experimentalismo. Pedro Pinho também experimenta - os gêneros - em A Fábrica de Nada, mas é mais bem-sucedido.

Estadão
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