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Crítica: Quase 40 anos de história italiana pela saga de uma família

Louve-se a capacidade de Giordana em articular trajetórias pessoais com a História com agá maiúsculo de um país problemático como a Itália

17 jan 2020 - 06h10
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A Melhor Juventude é um filme-rio. Abarca, em suas seis horas de duração, nada menos que 37 anos da história recente da Itália, de 1966 a 2003. E o faz através da saga particular de dois irmãos, Nicola (Luigi Lo Cascio) e Matteo (Alessio Boni), filhos da família Carati, romana e de classe média.

Mundo convulsionado por lutas entre estudantes de esquerda e forças da ordem
Mundo convulsionado por lutas entre estudantes de esquerda e forças da ordem
Foto: REPRODUÇÃO / Estadão

Nicola, o verdadeiro protagonista, se forma em medicina. Mas, como são os anos 1960, viaja com o irmão e amigos para conhecer o mundo. Acaba descobrindo mais que belas paisagens e culturas diferentes através de Giorgia (Jasmine Trinca), moça diagnosticada como doente mental e que terá importância decisiva na trama.

Talvez estimulado por Giorgia, Nicola torna-se psiquiatra. E discípulo de Franco Basaglia, o mitológico pioneiro da luta antimanicomial na Itália e no mundo. Matteo toma outro caminho, contrário, talvez: alista-se no Exército e depois segue a carreira policial.

Num mundo convulsionado por lutas entre estudantes de esquerda e forças da ordem, essas opções profissionais dos irmãos tornam-se inconciliáveis. Mais ainda quando Nicola conhece e casa-se com a bela Giulia (Sonia Bergamasco) e esta, de uma primeira militância estudantil, passa a flertar com a luta armada nas Brigadas Vermelhas.

São tempos febris, já muito visitados pelo cinema italiano (basta lembrar de Diabo no Corpo e Bom Dia, Noite, ambos de Marco Bellocchio). Sem comparar as obras, o diferencial de A Melhor Juventude é o formato, de origem televisiva, que lhe permite abarcar, com relativa facilidade, um arco de tempo tão amplo.

Louve-se a capacidade de Giordana em articular trajetórias pessoais com a História com agá maiúsculo de um país problemático como a Itália. Giordana é hábil em tramas políticas. Tem em seu currículo filmes como Os Cem Passos (2000) e Piazza Fontana, Uma Conspiração Italiana (2012), além Pasolini - Um Delito Italiano (1995), sobre a culpa coletiva no assassinato do cineasta e artista múltiplo Pier Paolo Pasolini (1922-1975).

Pelo ponto de vista dos irmãos - e de Nicola, em particular - passam os grandes acontecimentos da história italiana no período. Como as agitações de 1968, os chamados anos de chumbo com a luta entre o Estado e a luta armada, o assassinato de Aldo Moro, o combate à máfia com a operação Mãos Limpas e o assassinato do juiz Falcone.

Nesse meio febril, Nicola é uma espécie de ponto de equilíbrio entre o radicalismo de Giulia, o conformismo de alguns dos seus amigos (um deles se torna presidente do Banco Central Italiano) e o desespero de Matteo. O médico continua levando sua vida, de maneira estoica, em meio à tempestade, sem abandonar de todo seus ideais de juventude nem levá-los a um extremo que os inviabilizaria.

Como todo filme longo, e por estratégia dramática centrado numa família, também neste há casamentos, nascimentos, enterros, gestos de ternura, brigas, ressentimentos e perdão. Em vez da fria análise histórica de um período, Giordana dá-lhe carne e ossos. E emoções, suspense, lágrimas e aquele indefinível sentimento diante do tempo que passa, tudo leva e não volta jamais.

Do ponto de vista narrativo é muito bem construído. Flui. Beneficia-se desse extraordinário Luigi Lo Cascio, a própria encarnação da alma meridional, sem qualquer caricatura.

Estadão
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