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Crítica: Em filme, protagonismo é das atrizes, condição que se afirma ao longo da trama

'O Caravaggio Roubado', em cartaz na cidade, traz duas mulheres brilhantes que vivem à sombra para que homens medíocres brilhem

24 mai 2019 - 03h10
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O desaparecimento da pintura Natividade de uma capela siciliana é considerado um dos maiores crimes envolvendo obras de arte até hoje. O caso, ocorrido em Palermo em 1969, está no centro do thriller italiano O Caravaggio Roubado, dirigido por Roberto Andò (de As Confissões).

Andò constrói uma trama atraente, ambientada no mundo do cinema, mas também no do crime organizado e no da política que, não raro, e não apenas na Itália, se dão as mãos.

A personagem principal é a doce Valeria (Micaela Ramazzotti), secretária em uma produtora de cinema. Dotada de imaginação fértil, Valeria, além do serviço burocrático, fornece ótimas histórias para um roteirista infértil, Alessandro Pes, vivido por Alessandro Gassmann.

Não é má ideia fazer também da mãe de Valeria uma personagem que escreve discursos para outro, um ministro da Cultura incapaz.

Mãe e filha vivem à sombra para que homens medíocres brilhem. Na verdade, o protagonismo é delas, e essa condição se afirma ao longo da história. Esse é um subtexto interessante para um filme que surge nesta época de afirmação feminina.

O Caravaggio entra em pauta quando um estranho, um policial aposentado (Renato Carpentieri) passa a Valeria o mote de uma história que ela não poderia imaginar - justamente o tal roubo e uma hipótese sobre o paradeiro do quadro.

No entanto, ao longo da escritura do roteiro e das primeiras filmagens muitas coisas - e algumas delas bastante perigosas - passam a acontecer. Também não é má ideia colocar o veterano cineasta polonês Jerzy Skolimowski no papel de Jerzy Kunze, diretor do filme dentro do filme, que se chamará Uma História Sem Nome.

O Caravaggio Roubado tem qualidades. A trama intrincada prende a atenção, pelo menos até decair em direção ao rocambolesco. A ideia da metalinguagem, do "filme dentro do filme", não peca pela originalidade, mas o exagero de autorreferência às vezes cansa, em especial quando torna a trama confusa demais. Sente-se, então, um toque de artificialismo, quando as reviravoltas parecem excessivas e fabricadas demais.

As ligações da Máfia com o poder, já exploradas em inúmeros filmes da península, são bastante conhecidas. A opção de Andò foi buscar um tom burlesco para descrever tais relações perigosas. De vez em quando corre o risco de descambar para o grotesco e o pastiche, mas a intenção parece ser mesmo tratar esse tema sério da estrutura corrupta do poder italiano com leveza e humor. Uma opção no fio da navalha e, de vez em quando, a trama derrapa.

No fundo, mais que a história de um crime, O Caravaggio Roubado é uma tentativa de homenagem ao cinema. Um tanto rebuscada demais, embora conserve o sabor meridional de um produto de origem italiana comprovada.

Estadão
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