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'As Filhas do Fogo', de Albertina Carri, vai além do erotismo para representar o desejo feminino

Road movie argentino, 'As Filhas do Fogo' foi a sensação do Festival de Cinema Independente de Buenos Aires

20 mar 2019 - 04h41
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Sensação no Bafici, o Festival de Cinema Independente de Buenos Aires, As Filhas do Fogo também foi considerado o mais ousado filme argentino - ever, ou seja, de todos os tempos. Pode parecer exagerado, mas, para o espectador brasileiro que se encanta com as histórias da classe média do país vizinho, com seus dramas sobre questões familiares e de afeto, o longa de Albertina Carri - sem Ricardo Darín, o que já é revelador - pode provocar um choque.

Um road movie porno-lésbico-feminista? É por aí. Três mulheres caem na estrada num carro roubado. Quem pensou em Thelma & Louise, o filme cultuado de Ridley Scott com Susan Sarandon e Geena Davis, pode ir desistindo. As três agregam outras mulheres na história dessa louca jornada pelo interior da Argentina. Uma das mulheres é cineasta e sonha realizar um filme pornô. E de cara ela explica que o problema desse tipo de cinema não é a representação dos corpos, mas como os corpos, para a câmera, viram paisagem. Ou seja, são destituídos de uma interioridade. Muitos anos atrás, François Truffaut também disse que gostaria de fazer um filme pornográfico, mas acrescentou que seria a negação de tudo o que lhe interessava no cinema. No cinema pornô hétero a câmera não muda os ângulos. Interessam somente aqueles detalhes.

Desde os seus curtas, títulos como Barbie También Puede Estar Triste, de 2001, Albertina tem se interessado pela pornografia, mas sempre pelo viés da sexualidade feminina. Seu cinema é militante, lésbico. Suas mulheres encontram homens pelo caminho. A maioria - alguns? - são exemplos perfeitos de machismo, lesbofobia e repressão policial. Albertina provoca. Sexo a dois, a três, a quatro. Mulheres entre elas, cenas explícitas. Como se representa o desejo feminino? Tais são as questões abordadas em As Filhas do Fogo. É curioso, mas em 1978 o cineasta brasileiro Walter Hugo fez um filme com o mesmo título. Em plena ditadura militar, mas num momento em que se configurava uma abertura, Khouri fazia com que o mundo dos vivos e dos mortos dialogasse em torno da homossexualidade feminina. Duas mulheres, um ambiente gótico, uma casa tão diferente que, em Gramado, no Rio Grande do Sul, onde ele filmou, virou referência. A casa - real, não um cenário de cinema - havia sido feito de madeira, só com encaixes, sem pregos. A casa era personagem, como a estrada, aqui.

No cinema pornô, salvo se o sexo for bizarro, exige-se um certo padrão de mulher. Loira, preferencialmente cheia de curvas, seios fartos. Albertina foge a esses estereótipos. Filma mulheres mais maduras que não são necessariamente belas, nem 'gostosas' (para o olhar machista). Mulheres - na falta de uma definição melhor - normais, no sentido de comuns. Seus desejos também não são nada extraordinários. Carícia, prazer. O toque, o orgasmo, o afeto. As Filhas do Fogo não se destina a todos os gostos. Talvez incomode. A única coisa garantida é que não deixa ninguém indiferente.

Estadão
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