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As feministas que perdoem, mas o filme 'Alita' tem força

Discussão sobre a armadura 'pin-up' da heroína de 'Anjo de Combate' impede ressaltar o que o longa de Robert Rodriguez tem de bom

23 fev 2019 - 03h10
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Feministas dos EUA deflagraram uma guerra contra a adaptação do mangá de Yukito Kishiro, Alita - Anjo de Combate, por James Cameron. Recapitulando - Cameron acalentou o projeto durante anos, tendo escrito o roteiro com sua colaboradora em Avatar, Laeta Kalogridis. Com a agenda lotada, transferiu o encargo para Robert Rodriguez, que manteve quase tudo do projeto original, inclusive o pomo de discórdia. Alita é, no começo, o núcleo vital - cabeça/coração - de uma garota que o dr. Ido/Christoph Waltz encontra no lixão. Será preciso acrescentar que a trama futurista retrata um universo distópico?

A Terra destruída num ataque alienígena, as cidades superpopuladas. Ido providencia um corpo para o ser incompleto que encontrou. Transforma-a numa ciborgue. Esse corpo foi originalmente concebido para sua filha, e o próprio nome era o dela. Alita enturma-se com um grupo de garotos de rua e, de menina desmemoriada, que nada sabe de sua identidade, vê aflorarem habilidades físicas de guerreira. Daqui a pouco, está lutando, enfrentando todo tipo de robôs e humanos que cruza seu caminho.

Com o corpo destroçado, Alita é recriada com tecnologia alienígena, superior. Tem algo de Transformers nisso - sua existência tem a ver com conflito tipo Autobots vs. Decepticons que agitou a galáxia e atingiu a Terra. E que pode - vai - recomeçar. Existem olhos atentos vigiando o universo, e o planeta. A terceira vida de Alita é a que tem provocado críticas iradas das feministas. Por que cargas d'água, o novo corpo, na verdade uma armadura, precisa reproduzir um modelo tipo pin-up, com cintura fina, curvas, seios. Por que essa mulher do futuro, do século 26, continua reproduzindo um modelo engendrado por homens para ser seu objeto de desejo?

A discussão, em tempos de #MeToo, não deixa de fazer sentido, mas será uma pena se impedir que sejam destacadas as qualidades que o filme possui, e que chegam a ser inesperadas, considerando-se quem o assina. Robert Rodriguez, o amigo tex-mex de Quentin Tarantino, costuma ser encarado com a versão mais trash do camarada com quem compartilha visões de mundo, e cinema.

Tarantino, de Jackie Brown ao western - Os Oito Odiados -, é mais atento às novas fabulações. Rodriguez volta e meia exacerba o machismo para melhor subvertê-lo - as femmes fatales de Sin City, que adaptou de Frank Miller. Rodriguez adora um gibi.

Após a desistência de Cameron, Alita nasceu condenado ao fracasso. Ninguém, na indústria, botava fé que o filme pudesse sustentar-se. Os números, na estreia norte-americana, foram animadores, mas ainda falta muito para que Alita cubra seus custos - de US$ 200 a US$ 250 milhões.

Para cobrir o investimento (e o reinvestimento) teria de faturar pelo menos o dobro para justificar uma sequência, mas termina em aberto, pronto para o 2 que ainda não se sabe se virá. Parte dessa fortuna foi empregada na criação digital, via motion capture, como no Gollum - de O Senhor dos Anéis -, de Alita. A partir da captura dos movimentos de Rosa Salazar, Alita ganhou a telona à medida das heroínas de mangás, especialmente os olhos imensos, arredondados - e oblíquos.

O amor a move, primeiro como uma possibilidade e depois como projeto de vingança, mas a questão é - uma ciborgue e um humano, o garoto das ruas Hugo/Keean Johnson, podem amar-se? A dupla é boa e luta bem, e o filme conta com um trio de vencedores do Oscar de coadjuvante.

Chris Waltz nunca dá seu melhor como bonzinho. Mahershala Ali, como vilão por procuração - olha o spoiler -, não vale os personagens de Moonlight - Sob a Luz do Luar, nem Green Book - O Guia.

A melhor do trio é Jennifer Connelly. Descarnada, magra e etérea, ela começa vilã, mas se redime vestida de branco. O que falta de densidade psicológica à personagem, a atriz compensa com carisma. Jennifer só precisa encontrar seu Luchino Visconti, ou Pier Paolo Pasolini, para emular o mito de Silvana Mangano.

Estadão
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