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Análise: 'Midway - Batalha em Alto Mar' é grande fantasia hétero digna do Mix Brasil

Filme vai além dos estereótipos de Michael Bay e Ben Affleck em 2001, com uma sequência de ação que esnoba até mesmo o 'Bastardos Inglórios'

20 nov 2019 - 07h11
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Alemão de nascimento, Roland Emmerich sempre quis compensar o que talvez, para ele, fosse uma falha, fazendo filmes mais patrióticos que os próprios norte-americanos. Basta lembrar de Independence Day e daquele 4 de Julho que virava a data da independência de toda a galáxia. Fascinado pelo cinema hollywoodiano de ação e grande espetáculo, Emmerich transformou-se num bem-sucedido diretor de blockbusters. Não deve ter sido fácil para um gay europeu dobrar a máquina do cinemão e impor-se aos executivos dos grandes estúdios. Bem ou mal, conseguiu dosar filmes grandes com outros menores e mais autorais - Anônimo, uma especulação sobre a 'real' identidade de Shakespeare; Stonewall - Onde o Orgulho Começou, uma evocação sobre o massacre no bar nova-iorquino que virou emblema da luta por direitos da comunidade LGBTQIA+.

Eis que agora Emmerich assina o filme mais sui generis de sua carreira. Um blockbuster inspirado na batalha que foi decisiva na guerra do Pacífico. Midway poderia estar no Mix Brasil. Começa com o ataque japonês a Pearl Harbor. Uma reconstituição realmente impressionante - bem mais que a do épico de mesmo nome de Michael Bay, que acabou com as chances de Ben Affleck se tornar um herói de ação, em 2001. Em sucessivas entrevistas, Emmerich deu três boas razões para que Midway não repetisse o fiasco de Bay: Evitou a história de amor idiota, o tom panfletário e patriótico. Por fim, tratou de maneira igual "japs" e "yanks", evitando polarizações maniqueístas.

Na verdade, o que ele, um cineasta assumidamente gay, fez foi criar uma imensa fantasia hétero centrada na figura do herói. Desde sua primeira cena, Dick Best é representado como o melhor e o mais audaz dos pilotos. Você já ouviu que a guerra termina sendo o cenário ideal para o heroísmo de figuras de comportamento antissocial. Não é o caso de 'Dick', falo em inglês. Ele é casado, pai responsável (e a filha tem uma boneca negra, o que não poderia ser mais correto). O personagem de Ed Skrein - foi ator em The Game of Thrones - é tudo. Pai, marido, guerreiro. Leva seus homens à vitória. É amigo, companheiro, leal até quase à morte.

Forma uma espécie de trio com os personagens de Patrick Wilson (Edwin Leyton) e Luke Evans (o tenente Wade McClusky). Todos brancos. Cinéfilos de carteirinha poderão reconhecer na construção do trio heroico elementos clássicos do cinema de ação de Raoul Walsh - O Intrépido General Custer, com Errol Flynn e Olivia De Havilland. Há até um cineasta em cena - 'Jack'/John Ford, que ganhou o Oscar de documentário justamente por Midway. Sob o bombardeio japonês, Ford não recua: "Keep shooting!", berra para o seu cinegrafista ("continuem filmando/disparando"). Não tem nem para Bastardos Inglórios. Quentin Tarantino é cínico e só Emmerich ainda acredita no heroísmo.

Estadão
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