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Westworld S02E10: O passageiro e a odisseia de uma nova espécie

Nossa análise do (impressionante) último episódio da temporada.

24 jun 2018 - 23h22
(atualizado em 26/6/2018 às 15h57)
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ATENÇÃO! Contém spoilers do episódio 10 da segunda temporada de Westworld, "The Passenger" Resumo de "The Passenger" em um GIF: via GIPHY Resumo de "The Passenger em uma frase: "O que diabos acabou de acontecer?!" Passado o susto inicial, tomou uma água? Deu uma volta? É hora de abrir esta caixa de mistérios... Episódios estendidos não costumam ser os favoritos de críticos e fãs de séries, sobretudo na Era do Peak TV. Mas a season finale da segunda temporada de Westworld não apenas justifica os seus 90 minutos de tela, como também os preenche com reviravoltas de uma forma que nenhuma outra série poderia fazer. Justamente por isso, há muito o que se discutir, desvendar e especular aqui. Então, vamos por partes... ALÉM DO VALE, THE FORGE, THE DOOR Tantos nomes, um mesmo local. E antes de começar, o melhor é esclarecer a importância destes tantos nomes. Ao longo da temporada, o Além do Vale foi citado muitas vezes por Dolores (Evan Rachel Wood), William (Ed Harris), Akecheta (Zahn McClarnon), Bernard (Jeffrey Wright). É o ponto (fisicamente falando) crucial, a partir de onde toda a história evoluiu — e para onde ela caminhou. O Além do Vale é onde fica o Forge, local de armazenamento de dados semelhante ao CR4-DL (aquele onde ficavam as narrativas básicas de cada anfitrião para o reboot, explodido por Angela). E por que é um local tão importante? Foi no Forge que a Delos armazenou durante décadas os dados coletados dos visitantes dos parques, como parte de seu grande plano de criar a imortalidade da consciência. E, vale lembrar, sem estes visitantes saberem que seus dados estavam sendo minerados. Já a porta que dá subtítulo à segunda temporada é metafórica, assim como era o labirinto da primeira. É uma espécie de portal para dentro de uma realidade virtual — ou seja, a passagem para um lugar que se parece o mesmo Westworld, mas a sua versão na nuvem, onde não existe Delos e os anfitriões podem 'viver' sem a influência dos humanos. A importância deste lugar é não apenas ser o destino de todos os núcleos de personagens, é o fato de que cada um deles estava indo para lá com objetivos completamente diferentes. Por isso, passa por uma questão de escolhas que eles poderiam fazer, o que diz muito sobre ética e livre-arbítrio — mas voltaremos nisso mais tarde. Westworld: Jonathan Nolan e Lisa Joy falam sobre a season finale, cena pós-créditos e o que esperar da terceira temporada DOLORES E WILLIAM, DOIS LADOS DA MESMA MOEDA Justamente por já ter esclarecido o que é o Além do Vale, "The Passenger" vai direto ao ponto, que é uma corrida contra o tempo entre todos os personagens indo para este mesmo lugar. O que é para a Ghost Nation a possibilidade de chegar a uma espécie de "terra prometida" — isso para continuar as metáforas bíblicas da temporada — é a conclusão de um plano muito mais sombrio para Dolores. Repetindo o que havia acontecido no episódio final da primeira temporada, ela e William se reencontram em uma situação de confronto. Curiosamente, ambos querem destruir o local, o que evidencia algo que eles provavelmente não gostariam de ver: são dois lados de uma mesma moeda, duas criaturas que entendem quem é o outro a despeito de todas as diferenças. E que são mais parecidos (em suas dores) do que imaginam. Este emparelhamento de Dolores e William não deve parecer algo fácil, e definitivamente não é. Afinal, eles são pólos opostos de uma história, e histórias (sobretudo de fantasia) são comumente definidas por 'protagonista x antagonista', 'mocinho x vilão'. Colocar Dolores tomando decisões questionáveis, impiedosa e implacável, gera um antagonismo enorme em relação à Dolores da primeira temporada, quase passiva e inocente na maior parte do tempo. A decisão quer incomodar, e incomoda, mas este é um universo em que todos estão tomando decisões moralmente dúbias. Quem está certo, quem está errado? Neste caso, pode ser apenas uma questão de ponto de vista. DOLORES E BERNARD: CRIADOR, CRIATURA E VICE-VERSA Totalmente distinta da relação entre Dolores e William é a construída entre ela e Bernard. Ele é definitivamente o personagem mais importante da temporada — e por isso voltaremos depois em outros aspectos de seu desenvolvimento, mas existe algo particularmente interessante na troca de papéis entre criador e criatura dos dois anfitriões. Dolores foi criada por Arnold, foi a responsável pela morte dele (embora não tenha sido uma decisão dela), e posteriormente foi a pessoa quem criou a personalidade de Bernard, a princípio uma cópia fiel de Arnold, mas ela ativamente escolheu deixar que ele tivesse algumas particularidades que o diferissem do primeiro — tornando-o, assim, uma criação original. Como qualquer relação de 'pai e filho' (ou similares) que se preze, a dinâmica entre Dolores e Bernard não é simples. Por mais semelhantes que sejam — ambos são criações particularmente distintas das demais, com ideias específicas e dúbias em relação aos humanos (Dolores com seu amor por Arnold e seu ódio contra basicamente todo o resto, Bernard por sua indecisa fidelidade), eles chegam a este episódio objetivos e ideais antagônicos. Westworld: Lisa Joy revela que já sabe qual será a última cena da série e reflete sobre a Dolores da segunda temporada (Entrevista) Ford (Anthony Hopkins) havia dito, no último episódio da primeira temporada, que sempre manteve os dois afastados por causarem um efeito curioso um no outro. Ao longo da temporada, vimos este fato se confirmar, pois durante todo o tempo eles foram provocando novas reflexões um no outro, mesmo que às vezes indiretamente. Neste episódio, Dolores chega no Forge para destruir tudo — inclusive a Porta que levaria para o 'Além do Vale' e os dados minerados pela Delos. Bernard está lá para impedi-la. Quando eles entram no Forge (da mesma forma como Bernard havia entrado no CR4-DL quando acabou se tornando o hospedeiro da consciência de Ford), são conduzidos pela figura de Logan Delos (Ben Barnes), que mostra todas as consciências armazenadas em livros, formando uma gigantesca biblioteca de possíveis imortais. É aqui também que conhecemos a derrocada de Logan, o último momento em que conversou com seu pai, James, antes de se entregar completamente ao vício e às bebidas. É curioso notar que durante a primeira temporada, na visita de Logan e William ao parque, o primeiro passa a ideia de vilão enquanto o segundo é o Chapéu Branco. Depois, ocorre justamente o contrário, e o triste fim de Logan segue brincando com a inversão dos clichês de gênero, um campo em que Westworld sempre jogou muito bem. O mais relevante aqui é notar como Dolores acumula conhecimento dentro do Forge. É tanto que ela sai determinada a levar sua missão até o fim, dando início à inundação vista no primeiro episódio da temporada. Mas mesmo que ela tenha escapado das balas de William, é atingida pela arma de Bernard, ainda depois de ela ter questionado de que lado está a fidelidade dele. É essencial notar aqui que estamos acompanhando a história pela perspectiva confusa de Bernard, enquanto ele reflete sua própria sanidade e seu livre-arbítrio. Por isso, a ordem dos eventos é inexata, o que definitivamente é mais um método para a série continuar a brincar com as linhas do tempo. A esta altura, o quebra-cabeças temporal não é 'mais um elemento' da série, é a sua base elementar, praticamente a definição de um subgênero. E se você não gosta de (tentar) desvendá-lo, talvez este jogo simplesmente não tenha sido feito para você. MAEVE, MESA HUB E O CAMINHO PARA A LIBERTAÇÃO Desde a primeira temporada, a história do despertar de Maeve (Thandie Newton) seguiu paralela à busca implacável de Dolores. Uma movida por vingança, outra por amor. Ambas tomaram seus destinos nas mãos, mas optaram seguir caminhos diferentes a partir disso. Aquele traçado por Maeve na segunda temporada foi particularmente específico, porque ela não estava em busca do Além do Vale, mas sim da filha, munida de poderes que só podem ser descritos como Jedi mind trick, e um curiosamente nobre Lee Sizemore (Simon Quarterman). Mas quando foram concedidas a ela 'permissões centrais' por "Ford", ela protagonizou algumas das cenas mais visualmente prazerosas da temporada. A fuga de Mesa Hub estava no trailer da temporada, com búfalos semi-construídos e tudo, mas aqui toma proporções gigantescas. Ela consegue retomar o controle dos outros anfitriões após as concessões que ganhou no episódio 9, e com isso parte com o seu time para o mesmo lugar para que todos estavam indo. O que nos leva a… MAEVE, CLEMENTINE, ANNA E O SACRIFÍCIO MATERNO Clementine foi praticamente uma filha para Maeve desde a primeira temporada, algo que até mesmo a relação protetiva entre as suas contrapartes em Shogun World deixou claro. Quando a personagem de Angela Sarafyan ganhou poderes semelhantes aos de Maeve, por Charlotte Hale (Tessa Thompson), concluir que as duas entrariam em rota de colisão era apenas o próximo passo lógico. Isso acontece quando Angela chega junto ao time da Delos para impedir a travessia dos anfitriões para o portal, fazendo imediatamente com que todos comecem a brigar entre si. O derradeiro sacrifício materno acontece quando Maeve precisa abrir mão das duas filhas. Ela vê Clementine ser morta (mais uma vez) na sua frente, para o bem de todos os outros inocentes, ao mesmo tempo em que força Anna (Jasmyn Rae) e sua 'outra mãe' a atravessarem o portal — num belo gesto de altruísmo que traz de volta o laço de confiança e proteção criado entre ela e Akecheta. É a despedida mais emocionante do episódio, uma das cenas mais emotivas de toda a série até aqui, que não deixa dúvidas sobre a autonomia de decisão de Maeve. Ela se despiu das motivações que conduziram todos os seus atos durante a temporada, o que é mais uma vez um amadurecimento pela dor. E algo sugere que não, ela não se foi de uma vez. A TRAVESSIA DA NAÇÃO FANTASMA Essencialmente, a travessia para o portal significou a morte (física) de cada um daqueles personagens, e o upload de suas consciências (ou de suas narrativas) para dentro da nuvem do sistema. Embora Dolores quisesse destruir o lugar, por fim ela mudou de ideia e alterou as coordenadas daquele mundo virtual, para que ele continuasse a existir e não pudesse ser encontrado pelos humanos. OS JULGAMENTOS E AS REVIRAVOLTAS DE BERNARD LOWE Como pontuou Jonathan Nolan em uma sessão de perguntas e respostas após a pré-estreia do episódio em Londres (da qual o AdoroCinema participou*), existe uma estrutura de film noir não apenas nas características dos personagens (normalmente perversos e movidos por desejos amplamente egoístas), mas também na própria estrutura narrativa. Isto é, tratando especificamente da segunda temporada, é começar a história pelo final (após a inundação, a fuga de Dolores, com Bernard acordando à beira da praia) e ir reconstruindo até o início, com o acréscimo do detalhe de que todo este caminho é feito com o auxílio da ótica de um personagem que não se lembra muito bem do que aconteceu — ou seja, um narrador que definitivamente não é o mais confiável que existe. Isso torna alguns elementos deste episódio propositalmente confusos, no trato de Bernard com Elsie (Shannon Woodward), Hale, Dolores e Ford. Seguindo a lógica da temporada, o mais simples é começar a desenrolar este nó do fim para o início: Bernard causou o próprio embaraço mental para que não entregasse aos dirigentes da Delos que Dolores conseguiu sair do parque. E o fato de Dolores ter conseguido sair do parque é algo que só aconteceu graças a ele, graças às decisões que ele mesmo tomou sem ter total gerência de si, mas sem a influência de Ford (porque ele já havia retirado o criador do parque de seu sistema). Portanto, a escolha de matar Charlotte, reconstruir seu corpo a partir do Forge com a pérola (aquela bolinha da personalidade) de Dolores, foi uma escolha dele, ou de uma parte dele. Lowe passa grande parte do desenvolvimento da temporada sem saber para que time está jogando, e no fim não está inteiramente do lado da líder da revolução, mas a divergência entre eles, como ela mesma pontua, é necessária para a sobrevivência desta nova espécie. E já que Bernard já havia conseguido se livrar de Ford, podemos concluir também que quem reinstituiu os poderes de Maeve foi Lowe, correto? Ele é o centro da história, e o despertar real de sua consciência (através da voz interna, que ele julga ser de seu antigo companheiro de trabalho mas ultimamente é apenas sua) é o reconhecimento disso. Enquanto a trajetória principal da primeira temporada foi para mostrar Dolores tomando os rumos de sua própria história, a da segunda serve para que Bernard descubra quem ele realmente é. Não exatamente um andróide, pois foi construído à imagem de um humano, e também não necessariamente uma reimpressão exata de Arnold. Um misto dos dois, alguém inteiramente novo. Agora, também, ele provavelmente não é mais o único assim. Depois que Dolores consegue sair de Westworld no corpo de Charlotte Hale, ela volta ao seu corpo original (por um segundo, alguém aí ficou com medo de nunca mais voltar a ver Evan Rachel Wood na série?) —, mas Hale ainda está lá. E todas aquelas outras pérolas que Dolores/Charlotte levou na bolsa significa que outros personagens inicialmente dados por mortos também conseguiram escapar. Alguém arrisca algum palpite? Maeve, Teddy, Clementine…? Elsie…? Não custa sonhar. NOVA VIDA 3.0 Passado todo o susto, a conclusão da temporada é que o escape de Dolores para o mundo real aconteceu. Então, e agora? A terceira temporada tem uma abertura gigantesca para seguir basicamente qualquer rumo possível. Estaremos de fato no mundo real, que havia sido apenas pincelado no episódio 2, "Reunion", mas desta vez no tempo presente. As perguntas são muitas. Quais são os planos de Dolores agora? Qual será a reação de Bernard?  "DESDE QUANDO VOCÊ QUESTIONA A NATUREZA DA SUA REALIDADE?" Como não poderia ser diferente, existe uma cena pós-créditos neste episódio que vai deixar os fãs especulando provavelmente durante todo o próximo ano. Eis os fatos: William matou a sua própria filha, Emily, acreditando que ela era um robô criado por Ford para provocá-lo. Acontece que ela era humana, e este foi o ponto mais baixo de William. Mas este fim decadente do Homem de Preto tem ainda outro giro da faca. Afinal, ele era ou não um anfitrião o tempo todo? Ele estava sendo testado por fidelidade, por uma versão robótica de Emily (Katja Herbers), e não parece surpreso pelo fato de estar neste ciclo de testes. Mas não sabemos há quanto tempo tais testes estavam acontecendo antes da cena. Definitivamente parece que William poderia ser, sim, um anfitrião, mas seria simples demais (e até apologético) se este fosse o fato. De qualquer forma, este é um arco que será desenvolvido na terceira temporada. Portanto, aguardemos. CONSIDERAÇÕES GERAIS E PERGUNTAS SEM RESPOSTA Em linhas gerais, "The Passenger" é um episódio cheio de reviravoltas e surpresas, mas que se resume ao início de uma nova jornada dos anfitriões no 'mundo real', precisando se virar para não serem descobertos. Ele traz uma reflexão sobre livre-arbítrio e capacidade de tomada de decisões, baseado nas ações moral e eticamente questionáveis, para explicitar que esta ideia de liberdade na maioria das vezes é apenas uma ilusão. Mas e se esta ilusão puder ser quebrada? Cenas para os próximos capítulos... Episódio: 2.10 - The PassengerEscrito por: Jonathan Nolan e Lisa JoyDirigido por: Frederick E.O. ToyeExibido originalmente em: 24/06/2018 *O AdoroCinema viajou a Londres a convite da HBO.

Foto: HBO/John P. Johnson / AdoroCinema
AdoroCinema
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