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Rio Heroes: Série nacional busca evocar a honra na porradaria (Primeiras impressões)

Estrelada por Murilo Rosa, série da Fox Premium dramatiza a história real de um torneio clandestino de vale tudo.

22 fev 2018 - 22h07
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No episódio piloto de Rio Heroes, série brasileira que estreia no dia 24 de fevereiro no canal Fox Premium, há uma cena em que um grupo de lutadores está destinado a praticar o que eles definem como o resgate da honra da luta livre, que começava a sofrer restrições de orgãos reguladores. Entre essas ações está invadir uma academia rival ou lutar no escuro até que só um atleta continue de pé. As cenas parecem brutas descritas assim, mas carregam certo humor e são baseadas em fatos reais.

Foto: AdoroCinema / AdoroCinema

"A gente não queria economizar na violência por estarmos em um canal adulto. Esse peso todo é intencional. E a gente não vai ter medo de ir bem fundo não", contou Camila Raffanti, uma das criadoras e roteiristas da série durante uma coletiva de imprensa realizada no Rio de Janeiro na noite da última quarta-feira (21). "É fascinante explorar esse limite da violência e o que isso desperta nas pessoas. Você está no meio de uma luta e vale tudo, mas como essa energia extrapola para fora do esporte?"

Vale tudo

Com Murilo Rosa no papel principal, Rio Heroes conta a história de Jorge Pereira, um atleta de jiu-jitsu que não se conformava com as crescentes limitações impostas por federações de luta livre que impediam a execução de determinados golpes e obrigavam a utilização de luvas. Para ele, sangrar durante o combate é "transbordar honra" e não há nada mais patético do que um confronto dividido por rounds e com sistema de pontos, algo que permitiria até um inconcebível empate.

Equipe e elenco de Rio Heroes durante o evento de lançamento da série no Rio de Janeiro.

Após passar por altos e baixos, incluindo um deslocamento de retina que o faz ficar praticamente cego de um olho, Jorge deixa o Brasil e vai trabalhar com bicos em Miami. É na Florida, trabalhando como segurança de uma boate, que ele conhece o empresário Scott (Charles Paraventi), que logo percebe estar diante de um sujeito casca grossa. 

Jorge retorna ao Brasil e ajuda a organizar um torneio de lutas clandestino chamado Rio Heroes. Sem regras, sem luvas e sem juízes, o torneio tenta resgatar os aspectos mais viscerais da luta de rua, vista com romantismo e idealização. Os confrontos, que só terminam quando um dos oponentes desiste ou "apaga", permitem golpes proibidos nos Estados Unidos. Realizados em um galpão em Osasco, os duelos eram transmitidos ao vivo para Las Vegas, onde se faziam altas apostas — proibidas no Brasil.

"Que história incrível que o Jorge deu de presente para todos nós que participamos desse projeto. Hoje eu ganhei o meu dia com o Jorge falando que gostou da série. Se ele gostou está bom, não é, gente?", comentou o diretor Pablo Uranga, que comandou as filmagens nos cinco episódios da primeira temporada. O verdadeiro Jorge Pereira esteve presente no lançamento da série e não escondeu a emoção: "Estou sem palavras e, realmente, estou até com um pouco de vontade de chorar."

Jorge Pereira e Camila Raffanti.

Na coletiva, Murilo Rosa foi um dos muitos membros da equipe que foi só elogios para o biografado que ele interpreta em Rio Heroes. "O Jorge é de uma geração casca grossíssima. Ele é de uma época que não existe mais. Ele é tipicamente um lutador de jiu jitsu que fez essa transição para o vale tudo e se tornou um campeão no vale tudo." Apesar de se tratar de uma série baseada em fatos reais, o ator contou que primeiro se construiu seu personagem com base no roteiro assinado por Fabio Danesi (o criador da atração), Camila Raffanti e Alexandre Soares Silva e só depois de três meses fez seu primeiro contato, via Skype, com Jorge.

Rosa, que recentemente foi visto nos cinemas como o Diabo em A Comédia Divina, já lutou taekwondo profissionalmente e chegou a competir no esporte. O ator afirmou que tal bagagem pessoal foi valorosa para seu papel em Rio Heroes. "Foi uma experiência que ficou no passado, mas foi uma delícia. A ideia era usar alguns chutes, em alguns momentos, dentro de uma competição em que isso era totalmente possível. Então acho que a contribuição do ator vem nesses momentos."

Murilo Rosa em Rio Heroes.

Por se tratar de uma série sobre um esporte de muito contato, as performances exigiram muito da parte física dos atores. "Eu tive uma crise de dor na lombar bem na semana que começaram as gravações", comentou Duda Nagle, que interpreta Rogerinho, inspirado em Rogério Garbin, um dos pupilos de Jorge Pereira. "Eu me emploguei na sessão de treinos, como é frequente no trabalho de um ator quando envolve essa parte física. Foram muitos desafios."

Priscila Fantin, que trabalhou com Rosa no filme Orquestra dos Meninos, também experimentou algo semelhante. "Eu estava empolgada demais. Eu me machuquei porque eu cheguei no set pensando 'Eu preciso treinar'. Eu fui bater no saco de pancadas sem luvas e rasguei a mão." A atriz interpreta a lutadora Claudinha Pitbull, que aparece no segundo episódio da primeira temporada. "Eu tenho poucas cenas e para mim a dificuldade foi fazer o arco da personagem e imprimir esse arco, essas nuances, do início ao fim da história dela."

Rio Heroes.

Ao falar sobre o conteúdo da trama, Camila Raffanti disse que sua proposta como roteirista não foi julgar as motivações do protagonista e disse ter evitado ser "panfletária" e "ideológica". "A gente está contando a história de um homem que tem uma paixão pelo que faz, é muito bom no que faz e enfrenta dificuldades para fazer o que faz do jeito que quer. Outra coisa que eu acho importante em relação à dramaturgia é que a dramaturgia questiona e propõe perguntas por meio das falhas dos personagens. A gente não está dizendo o que é certo ou o que é errado. A gente está propondo perguntas."

No final da coletiva foi confirmado que a série vai ganhar uma segunda temporada com mais cinco episódios. Os novos capítulos serão filmados em setembro deste ano.

O elenco de Rio Heroes conta ainda com Miguel Nader (Goya), Bruno Bellarmino (Jair Cabeçada), Giovanni Gallo (Max), Luiz Guilherme (Mestre Galdino), Rafael Losso (Eric), Ronny Kriwat (Pipo), Ingrid Gaigher (Tatiana) e Luisa Micheletti.

Primeiras impressões

O episódio piloto de Rio Heroes começa em uma boate na qual Jorge (Rosa) e Rogerinho (Nagle) conversam entre uma dose e outra de bebida. De cara, o protagonista estabelece seu desdém por lutas que inibem o contato direto, como o boxe, que é realizado com luvas e tem pausas para descanso, orientação e hidratação. Para ele, só o vale tudo, com sua multiplicidade de golpes e confronto contínuo até o nocaute ou desistência de um dos oponentes representa a verdade, a "antítese da mentira", como é dito pelo personagem.

Neste mesmo ambiente, Jorge incita Rogerinho, seu pupilo, a provocar uma briga gratuitamente com o segurança do local por conta de uma garrafa de vodka. A cena se passa na segunda metade dos anos 1990 e é inevitável não lembrar das arruaças causadas pelos chamados "pitboys" que ganharam os telejornais por se envolverem em brigas muitas vezes motivadas por questões fúteis. Apresentado como um momento descontraído, Rogerinho consegue "apagar" o segurança, mas logo a situação é contornada: Jorge paga pela garrafa de vodka, oferece-a como presente para o vigilante e diz que ele pode tomar aulas de artes marciais com ele.

A briga é moralmente questionável, mas a forma como o roteiro faz o protagonista provar que tem princípios é a base do que move o personagem na narrativa do primeiro episódio. Há sempre uma lição a aprender com a explosão com o combate, que, em sua visão, assume sua forma mais pura se resultar em "sangue, suor e amor à luta".

Chegam na antessala da comicidade algumas das frases de efeito ditas pelo protagonista em sua defesa de uma honra inerente aos confrontos violentos, mas ainda assim Murilo Rosa entrega uma atuação carismática no primeiro episódio de Rio Heroes. Outra atuação boa, mas breve, é a de Charles Paraventi.

Rio Heroes.

Para estabelecer os conflitos que acompanharão o personagem pelos próximos episódios, talvez a série corra demais em sua narrativa, especialmente na forma como é retratado o desentendimento de Jorge com Basilio (André Ramiro), figura que era respeitada pelo protagonista.

Com muitas cenas filmadas com a câmera na mão, a direção de Pablo Uranga é eficaz em imprimir um naturalismo para muitos dos trechos do episódio piloto. A fotografia também se destaca, especialmente nos ambientes com menos luz que antecipam o tom do torneio clandestino que está para ser explorado nos próximos episódios.

Os confrontos, entretanto, aparentam ser bem coreografados, mas, ao menos no piloto, são apresentados na tela com uma montagem muito fragmentada e por vezes os movimentos mal são vistos em sua totalidade. Por outro lado, o uso de uma trilha sonora intensa durante as cenas de luta pode cativar o espectador aberto para a proposta hiperestimulante.

É muito provável que a série agrade os fãs de MMA, luta livre, jiu jitsu e artes marciais afins por retratar um torneio tão lendário quanto o Rio Heroes. Além disso, mesmo quem não faz parte desse universo pode se interessar em maratonar a atração por conta do cliffhanger do primeiro episódio. A principal impressão deixada pelo piloto é mesmo a curiosidade de saber como a série vai abordar algumas de suas perguntas mais interessantes, que ainda não foram feitas.

AdoroCinema
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