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O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story peca em ritmo, mas é salvo por boas performances (Crítica da segunda temporada)

Darren Criss, Édgar Ramirez e Penélope Cruz estrelam o novo (e imperfeito) capítulo da antologia de Ryan Murphy.

23 mar 2018 - 00h08
(atualizado às 09h23)
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Nota: 3,0 / 5,0

Foto: AdoroCinema / AdoroCinema

Para falar de The Assassination of Gianni Versace, são necessários dois passos. Primeiramente, não é justo fazer comparações com a obra-prima que foi The People vs O.J. Simpson. Como isso acaba sendo inevitável, a segunda temporada de American Crime Story já começa numa incrível desvantagem, afinal as expectativas estavam bem altas, antes mesmo de seu lançamento.

Segundo, o espectador terá que abrir mão do título. Sim, é o nome do estilista aclamado que está ali. Mas a antologia produzida por Ryan Murphy apenas usa sua tragédia como pontapé inicial para estudar a polêmica figura do assassino Andrew Cunanan (interpretado por Darren Criss). Isso pode decepcionar os desavisados, mas se você conseguir se distanciar desse problema inicial, é capaz de encontrar uma interessante história.

Após um primeiro episódio luxuoso retratando o assassinato do designer vivido por Édgar Ramirez, o projeto toma uma decisão ousada ao contar a jornada de Cunanan de trás para frente - apresentando os outros quatro crimes cometidos pelo serial killer, passando por seu vício em drogas e relacionamentos com homens mais velhos, até chegar em sua infância. Só no último episódio, retoma ao ano de 1997 e conta o final dessa tragédia. Tudo isso tomando liberdades criativas, pois certos detalhes sobre essa bizarra jornada ainda são difíceis de serem desvendados, até hoje.

Usando como base o livro Vulgar Favors, de Maureen Orth, a trama aplica a teoria que Andrew era obcecado pela figura de Gianni para construir um paralelo entre os dois 'protagonistas. Por vezes, tal comparação ajuda a aprofundar as diferenças entre eles, explicando como surgiram dois estilos de vidas tão opostos (e com algumas semelhanças bizarras). Já outros usos desse artíficio só parecem ser uma desculpa para justificar as escalações de astros para interpretar a família Versace (e o uso do título também, de quebra). Como tal ideia nem sempre funciona, a história do designer fica ofuscada pelas breves pinceladas nas vidas das outras vítimas de Cunanan, que acabam trazendo momentos mais intrigantes. Se, teoricamente, o ritmo traz uma maneira criativa de contar a história, a prática apresenta outro resultado.

Desde o início, é simples compreender o estilo mentiroso, ambicioso e egôcentrico de Andrew Cunanan, numa vibe bem O Talentoso Ripley. O problema surge na dificuldade para entender as motivações por trás de suas ações tão violentas. A proposta de American Crime Story é usar tal história para retratar os preconceitos sofridos por homossexuais na década de 1990, mas a mensagem política perde força nos primeiros episódios, pois o espectador fica distraído tentando descobrir o que há por trás da mente doentia daquele personagem. Ele era realmente obcecado por Versace? Tinha inveja de gays bem sucedidos? Queria fazer algum tipo de posicionamento político em certos detalhes de seus crimes? Ou era apenas uma pessoa perturbada que passou por uma infãncia abusiva e não conseguia se expressar numa sociedade homofóbica? Talvez seja tudo isso ao mesmo tempo. E talvez nem seja a intenção de Ryan Murphy responder essas perguntas. O desejo pode ser apenas começar um debate.

A falta de uma ordem cronológica também culmina em outro grande problema: os assassinatos perdem qualquer tipo de impacto dramático. Logo, se tornam cenas apenas de puro choque, pois o espectador ainda não conhece tais vítimas (Essencialmente, mal conhece o criminoso também, se pararmos para pensar). Só depois, com o andar dos episódios, quem assiste começa a conhecer, se importar e entender as ações de cada personagem. Dentre nomes e anos jogados, demora um tempo para o público conseguir conectar todas as peças de tal quebra-cabeça. Provavelmente, essa seja uma daquelas obras cuja experiência melhora ao rever pela segunda vez.

O terceiro tópico que O Assassinato de Gianni Versace desejou levantar, mas acabou falhando na execução final, era mostrar como a homofobia e a incompetência policial também tem culpa nos crimes de Cunanan. Com nomes menos conhecidos (como Dascha Polanco, Will Chase e Jay Ferguson), esse arco dramático acabou sendo desperdiçado, aparecendo apenas brevemente em alguns episódios. O que é uma pena, pois daí poderia surgir uma outra crítica muito interessante, ressoando num momento político tão instável, onde o preconceito não desapareceu, infelizmente.

Tal questão só volta no último capítulo, 'Alone', que ganhou o mesmo estilo requintado do piloto (afinal, são sequências diretas, ao contrário do restante da temporada) para, finalmente, conectar todas as pontas soltas apresentadas até aqui. Três personagens precisaram falar sobre a incompetência e a ignorância da polícia ao lidar com os crimes contra gays, de uma forma nada sutil e bem corrida, ao invés de desenvolver tal crítica ao longo dos episódios. Mas, apesar do ritmo prejudicar bastante, não dá para negar que trata-se de uma história intrigante.

Se a edição de American Crime Story prejudica a experiência, o mesmo não pode ser dito de suas performances. Darren Criss tem a melhor atuação de sua carreira e se distancia de Glee (como não ficar meio traumatizado ao tentar ouvir "Teenage Dream' hoje em dia?). Monstruosamente parecido com a figura real, Ramirez consegue trazer toda a confiança e genialidade de Versace, enquanto é impossível não ouvir Penélope Cruz e não lembrar imediatamente da irmã do artista, Donatella. É até uma pena que a moça apareça pouco, pois você deseja ver mais da dinâmica entre os irmãos. Já Ricky Martin surge como um convidado de luxo no papel de Antonio D'Amico, mas não atrapalha o rumo da carruagem e até surpreende um pouco na reta final.

Curiosamente, são os personagens coadjuvantes quem realmente despertam emoções no espectador. Assumindo o papel da primeira vítima de Cunanan, Finn Wittrock é responsável por um dos melhores episódios da temporada, ao retratar o sofrimento de Jeff Trail diante da homofobia na marinha, num cenário movido pelo "Don't Ask, Don't Tell" - antiga política que proibia homossexuais no exército norte-americano. Cody Fern é uma grata surpresa ao trazer vulnerabilidade para a segunda vítima e ex-namorado de Cunanan, David Madson. Outro que poderia ganhar mais tempo de tela, Max Greenfield está irreconhecível como um dos poucos amigos de Andrew, Ronnie.

E a FX seria burra de não tentar conseguir indicações para Judith Light e Jon Jon Briones como convidados em série dramática na próxima temporada de premiações, já que ambos estrelam algumas das melhores cenas da atração. Visualmente, American Crime Story é tão bela quanto os vestidos criados por Versace, o que também pode render umas estatuetas pra emissora. A equipe de figurino e design de produção conseguiu resgatar o estilo dos anos 1990 (e recriar o universo luxuoso do estilista), enquanto longas sequências sem diálogo destacam um belo trabalho de fotografia.

No fim das contas, estamos diante de uma história que merece ser contada. E não se trata apenas de Gianni Versace. Também é importante conhecer as histórias de Jeff Trail, David Madson e Lee Miglin (Mike Farrell) para questionar como a sociedade trata a homofobia e até quando vamos permitir que o preconceito cause tanta dor alheia. A execução do show não é perfeita, mas o importante é ir além do sensacionalismo da tragédia. A partir desta reflexão, o essencial aqui é aprender a criar empatia pelo ser humano - algo que parece estar em falta na nossa sociedade.

AdoroCinema
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