PUBLICIDADE

CineOP 2018: Segundo dia da mostra mineira reexamina o cinema brasileiro que a história esqueceu

Palestras, debates e rodas de conversas, todas marcadas pelo tropicalismo, trouxeram à baila o tema da historiografia da sétima arte nacional.

16 jun 2018 - 11h04
Compartilhar
Exibir comentários

A História, apesar de seus aspectos científicos, também é uma espécie de "arte" subjetiva. Como toda e qualquer mídia narrativa, seja ela ficcional ou baseada em fatos, a História é também uma estória, uma trama construída - pelos vencedores, de acordo com o filósofo Friedrich Nietzsche - que elimina, seleciona, ressignifica e, principalmente, condena ou salva do esquecimento determinados acontecimentos de modo a seguir seu curso. E no caso do cinema, a banda não toca de outra forma.

Foto: Beto Staino / AdoroCinema

No segundo dia do CineOP 2018 - mostra de cinema mineira que tem como nortes a preservação da sétima arte e a perpetuação de sua história -, palestras, debates e mesas-redondas, lideradas por alguns dos maiores especialistas em cinema no país, se debruçaram sobre a proposta da revisão historiográfica de nosso audiovisual. Durante o pré-lançamento do livro "Nova História do Cinema Brasileiro" (ed. Sesc), organizado pelos pesquisadores Sheila Schvarzman e Fernão Pessoa Ramos, entrou em pauta questão das obras esquecidas ou preteridas, produções que ficaram de fora do cânone oficial da história fílmica brasileira.

Público do CineOP acompanha palestra sobre Tropicalismo.

De acordo com a organizadora da obra, a compilação de textos tem por objetivo principal gerar um novo ponto de partida para o estudo do cinema no Brasil, ocupando o vácuo deixado pela natural defasagem sofrida por "História do Cinema Brasileiro" (ed. ArtEditora), escrita por Ramos em 1986; assim, agora, o apanhado histórico parte de antes dos primórdios da sétima arte, expande seus horizontes para além das análises cíclicas e, principalmente, se aprofunda nos profissionais e artistas pertencentes a minorias étnicas e/ou de gênero, indivíduos subrepresentados nas histórias em geral - como aponta o crítico e documentarista Mark Cousins em entrevista ao site português À Pala de Walsh, a narrativa convencional do audiovisual é "racista e sexista", deslize que "Nova História do Cinema Brasileiro" busca corrigir.

O cinema documental - liderado no Brasil por Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, entre outros grandes cineastas -, tradicionalmente colocado em segundo plano por causa da hegemonia da corrente ficcional da sétima arte, também ganha espaço de destaque na narrativa de Schvarzman e Ramos; a vertente experimental e os novos autores da cinematografia nacional, incluindo a plural produção da escola de Pernambuco como Kleber Mendonça Filho e Cláudio Assis, também são pinçados para compor o fluxo histórico do livro. Por fim, igualmente importante é o período atual da renovada popularização do cinema no Brasil através das chamadas "globochanchadas", examinado sob o prisma da ascensão da classe C como grupos com poder econômico durante as administrações petistas de Lula e Dilma (2002-2016).

Aquarius, uma das obras máximas do Novo Cinema Brasileiro.

A sexta-feira ouropretana também foi dia de dar prosseguimento à rememoração do Tropicalismo, que é o tema central da edição 2018 da mostra. Apesar de obviamente não ter caído no esquecimento, o plural e multimidiático movimento artístico encabeçado por nomes diversos como Caetano Veloso, Hélio Oiticica e Glauber Rocha foi sacralizado dentro da trajetória artística brasileira - motivo que. por sua vez, é mais do que suficiente para que o CineOP tenha decidido "profanar" o Tropicalismo, relendo os impactos causados pelo questionador e ambivalente movimento artístico à luz de nossas atuais tensões e polarizações políticas.

Frente a frente, o que ambas as discussões propõem, a despeito de suas aparentes diferenças, é a mesma coisa: a ampliação e aprofundamento de nossa História, principalmente cinematográfica, mas também nacional, como forma de olhar para o amanhã. Tanto a ressignificação da Tropicália quanto a releitura de uma história que parecia estar cristalizada provam que a lembrança - e o resgate do que foi proposital ou ocasionalmente esquecido - não é uma criatura exclusiva do passado; a memória, ao lado de suas transformações, é um elemento vivo que aponta para o futuro. Em um dia de "rês", é preciso relembrar e limpar o esquecimento para seguir em frente: seja para não repetir os erros pregressos, seja para reconhecer, para além de perpetuar, a importância de todos aqueles que vieram antes de nós.

AdoroCinema
Compartilhar
Publicidade
Publicidade