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Black Mirror: Crítica da quarta temporada

Avaliamos cada episódio isoladamente e chegamos e uma nota final.

30 dez 2017 - 07h25
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"Isso é muito Black Mirror". A frase viralizou, afinal, a antologia criada por Charlie Brooker se popularizou por explorar o mal-estar na sociedade contemporânea situado em um futuro não muito distante a partir da intensificação do uso da tecnologia. Tipo assim:

Foto: AdoroCinema / AdoroCinema

Brincadeira à parte, na última sexta-feira, 29 de dezembro, os seis episódios da nova temporada, a quarta, entraram para o catálogo da Netflix, produtora da série hoje em dia. Já assistiu? A gente sim. E, dividindo os capítulos entre a redação, trazemos as críticas individuais (e uma média final). Concorda? Não? De qual gostou mais? Confira. E opine.

MÉDIA FINAL: 4,166 ¯ \ _ (ツ) _ / ¯

1. U.S.S. Callister

Por: Vitória Pratini

Com: Jesse Plemons, Cristin Milioti, Jimmi Simpson

Direção: Toby Haynes

"U.S.S. Callister" se propõe a ser uma paródia de Jornada nas Estrelas original — com cores vivas, uma tripulação diversificada e um Jesse Plemons a la Capitão Kirk, determinado, adorado e sedutor. Mas, como sempre, o enredo revela mais do esperávamos e surpreende.

O suposto mundo ideal dentro de uma nave estelar, na verdade, é um jogo de um recluso nerd que passa as noite recriando sua série de TV favorita de ficção científica com cópias de seus colegas de trabalho — odiados por ele (e vice-versa!) Como contraponto, o "mundo real" é cinzento, comum e repleto de pessoas com dualidades.

O próprio protagonista, Robert Daly (Plemons), conquista a piedade do público nos primeiros momentos do episódio, quando é rejeitado e diminuído por colegas de trabalho. Porém, ao assumir o papel de um líder tirano e irredutível dentro do "jogo", a situação muda de figura. Entre a tripulação, é preciso destacar as ótimas atuações de Cristin Milioti (How I Met Your Mother, Fargo) como Nanette Cole e Jimmi Simpson (House of Cards, Westworld) como Walton. Fique de olho, também, nas participações especiais de Kirsten Dunst e Aaron Paul.

Mais uma vez, a série traz a tecnologia futurista — não muito longe da atualidade, afinal, jogos online são uma tendência — para abordar assuntos como vício, abuso de poder e utopia. São as zonas cinzentas da vida, bem retratadas no roteiro de William Bridges e Charlie Brooker. Uma trama que cabe bem sob o comando de Toby Haynes (Doctor Who, Sherlock).

Bebendo da fonte de Gene Roddenberry, o capítulo trabalha assuntos profundos com leveza, humor e reviravoltas, sem deixar de lado as referências à Star Trek e sem perder seu jeitinho Black Mirror de ser. É um prato cheio para os fãs das duas séries!

Nota: 4,5

2. Arkangel

Por: Katiúscia Vianna

Com: Rosemarie DeWitt, Brenna Harding, Owen Teague

Direção: Jodie Foster

Seguindo a vibe de episódios anteriores como "Toda a Sua História" (S01E03) e "Queda Livre" (S03E01), "Arkangel" apresenta mais uma metáfora sobre como a tecnologia pode afetar drasticamente os relacionamentos dos seres humanos. Neste caso, é a busca desenfreada por controle que ganha foco. A história acompanha uma mãe solteira (Rosemarie DeWitt), que decide instalar um chip em sua filha, após quase perdê-la durante uma visita ao parquinho. (Uma ideia que não foge muito da realidade atual, considerando o uso de GPS em telefones por aí. Medo).

Só que a situação fica mais bizarra quando a protagonista descobre outras funções de tal aparelho, capaz de bloquear a visão de algo "inapropriado" ou até mesmo transmitir tudo que a pequena está vendo, em tempo real.

Por um lado, o roteiro de Charlie Brooker é cuidadoso em desenvolver o lado psicológico das duas personagens principais - por exemplo, a obsessão de Sarah por coisas bizarras, já que ficou tanto tempo sem conseguir vê-las, é um toque bem bacana, presente até na direção de arte. Só que a história acaba pecando na previsibilidade e contém alguns furos estranhos (como aquela tecnologia ainda funciona após passar quase 10 anos acumulando poeira numa caixa?).

Então, "Arkangel" surge como um episódio somente 'ok'. Não que seja algo ruim. Mas Black Mirror ficou conhecido por explorar relações humanas em situações criativas e aterrorizantes. E o potencial de tais limites não é totalmente explorado aqui.

Talvez o diferencial seja justamente a direção competente de Jodie Foster - nome mais famoso da temporada. Seu trabalho consegue manter a atenção do espectador ao construir uma narrativa envolvente, misturando suspense e emoção, sem alongar determinados arcos de forma desnecessária. Já DeWitt entrega uma boa atuação, enquanto a canção "I'm a Mother" da banda The Pretenders é uma cereja em cima do bolo.

Nota: 3,5

3. Crocodilo

Por: Bruno Carmelo

Com:  Andrea Riseborough, Kiran Sonia Sawar, Andrew Gower

Direção: John Hillcoat

Um crime numa estrada. "Crocodile" parte dos moldes de um suspense clássico. Se este fosse um drama realista, policiais buscariam pistas e encontrariam culpados. Como se trata de Black Mirror, a investigação passa por um recurso muito mais perverso: uma máquina capaz de invadir as memórias das pessoas. Na ausência de provas, uma agulha no cérebro pode facilmente resgatar as imagens necessárias para determinar os culpados.

Durante mais da metade do episódio, o roteiro articula duas histórias paralelas e independentes: o crime cometido por uma arquiteta famosa (Andrea Riseborough) e a investigação da funcionária de uma seguradora (Kiran Sonia Sawar) a respeito de um pequeno incidente sem gravidade, envolvendo outros personagens. Quando as histórias finalmente se encontram, o suspense atinge um clímax eficaz graças à montagem impecável e ao bom uso de trilha sonora.

As atuações e a direção também se destacam. Riseborough está assustadora no papel de uma mulher pragmática e calculista, enquanto Sawar possui a função importantíssima de retratar a tecnologia de modo "imparcial", sem o julgamento negativo tão comumente atribuído às evoluções tecnológicas. "Crocodile" se passa no momento em que o recurso da captação de memórias foi assimilado pela sociedade, sem que o roteiro precise reforçar a sua estranheza em relação às tecnologias reais do século XXI.

O diretor John Hillcoat, conhecido por filmes violentos como Os Infratores e Triple 9, dirige a trama como se tivesse em mãos uma história de terror. Os espaços são cuidadosamente explorados através de uma fotografia glacial. A lenta movimentação de câmeras dentro de uma cozinha ou de uma cabana basta para criar expectativas e despertar o senso de imaginação do espectador. Embora a trama seja bastante agressiva por si própria, o diretor consegue sugerir rumos ainda mais sombrios para as protagonistas, apelando para o jogo de insinuações com o espectador.

Apesar de tantas qualidades, o resultado é prejudicado pela sensação de déjà vu. O episódio é semelhante demais a capítulos anteriores da série: o mecanismo da memória utilizada como prova remete a "The Entire History of You" (Temporada 1, Episódio 3), embora neste caso, as imagens não possam ser controladas nem manipuladas. A gradação narrativa reproduz a dinâmica de "Shut Up and Dance" (Temporada 3, Episódio 3), enquanto a protagonista encontra parentescos na evolução da investigadora de "Hated in the Nation" (Temporada 3, Episódio 6).

Com "Crocodile", Black Mirror fornece um episódio de altíssima qualidade técnica e narrativa, mas acende a luz vermelha quanto à necessidade de se renovar, expandindo seus temas e formatos.

Nota: 4,0

4. Hang the DJ

Por: Renato Hermsdorff

Com: Georgina Campbell, Joe Cole, Gina Bramhill

Direção: Tim Van Patten

Pan! Sabe aquele barulho de pane do Windows? É esse o som que você vai ouvir na reta final de "Hang the DJ", dirigido por Tim Van Patten (vencedor do Emmy por Boardwalk Empire e The Pacific). Bem, não exatamente...

Isso ("Hang the DJ") não é muito Black Mirror. A ideia do futuro distópico, apoiada no uso exacerbado da tecnologia está lá. Mas de uma forma positiva, até - e mais próxima do seu cotidiano do que possa parecer à primeira vista. O fio condutor, aqui, são os aplicativos de relacionamento amoroso do tipo Tinder, um "match" que une Amy (Georgina Campbell) e Frank (Joe Cole).

Nesse universo, cada pessoa carrega um "gadget" cujo sistema se encarrega de encontrar um par para cada um, sucessivamente, até chegar na sua "alma gêmea". Se "divertindo" com os errados, o aparelhinho vai coletando informações sobre você e o seu comportamento e, assim, definir o próximo date. Com um detalhe: é possível saber a data de validade de cada relacionamento.

"Ah, Bial, mas se eu quiser muito, eu posso continuar com o crush mesmo depois de acabar o tempo preestabelecido pelo sistema?" A resposta é: não! (Isso, sim, é muito Black Mirror). E é aí que a premissa abre um leque de discussões a respeito do livre arbítrio e de como a tecnologia controla a nossa forma de se relacionar com o outro (você mudaria o seu comportamento se soubesse que o seu namoro vai terminar daqui a três meses?) Em última análise, é uma pertinente crítica ao modelo do "algoritmo". Fato que ganha ainda mais camadas, considerando que que você está na Netflix.

Personagens apresentados (a sintonia do casal de protagonistas é cativante), argumento na mesa, conflito estabelecido, quando você, já satisfeito, especula sobre aonde essa história vai parar, é aí que o roteiro te joga para outro lugar. Essa mudança enfraquece a trama apresentada até então, mas o faz a partir do reconhecimento da valorização da vontade própria, tão cara num momento em que somos guiados de forma abstrata pelos números.

Em outras palavras, significa dizer que, mesmo validando a tecnologia (o que vai de encontro ao cerne de Black Mirror), o episódio tira o espectador da zona de conforto. "Será que a vida poderia ser sã novamente?", pergunta Morrissey - outro ícone inglês - na letra de "Panic", que contém o verso "hang the DJ". Depois de percorrer as "ruas" do episódio, é esse o som que vai ficar na sua cabeça. Afinal, por que não poderia?

Nota: 4,5

5. Metalhead

Por: Laysa Zanetti

Com: Maxine Peake, Jake Davies, Clint Dyer

Direção: David Slade

O episódio em preto e branco e quase completamente silencioso tem outras particularidades marcantes além destas. Não é tipicamente um 'conto cyberpunk' daqueles a que Black Mirror se acostumou, mas entrega uma trama tensa e pautada na ação. A falta de diálogos já o destaca dentro da temporada (e da série) sem a necessidade de qualquer outro elemento, mas o ritmo da história adiciona uma urgência ainda mais perturbadora que o habitual.

É um dos episódios mais abertamente humanistas de uma temporada que se divide entre o tom niilista típico da série e um olhar menos apocalíptico do futuro. Não que este não seja incômodo — pelo contrário, a dualidade que estabelece entre vilão e 'mocinha' deixa o seu recado, embora nada inédito.

Além disso, o ar anacrônico da direção de David Slade e a própria locação aberta contrastam com o uso urgente de computação gráfica, tudo isso culminando em um resultado ainda mais sombrio e propositadamente deslocado no tempo.

Nota: 4,0

6. Black Museum

Por: Laysa Zanetti

Com: Douglas Hodge, Letitia Wright, Daniel Lapaine

Direção: Colm McCarthy

Solitário, 'Black Museum' parece ser nada mais que uma colagem de potenciais grandes momentos de Black Mirror. Afinal de contas, é isso o que ele realmente é em uma primeira interpretação, já que a história passeia por um museu (de grandes novidades) dedicado aos crimes mais sádicos possibilitados pela tecnologia. É como se ele fosse sua própria pequena antologia, e todo o clima do episódio deve mais a Os Contos da Cripta que a Black Mirror em si.

Mas através das comparações e referências a episódios passados (de 'The Waldo Moment' a 'San Junipero', há vários ali), ele acumula várias sensações do mal-estar e vai acrescentando mais pavor a cada mini-conto, culminando no clímax mais satisfatório da temporada. Mérito da estrutura, que possibilita ao roteiro de Charlie Brooker desmembrar vários conceitos que, individualmente, não seriam o suficiente para um episódio. O lado negativo é que ele acaba não indo até o fim em cada uma delas. Spoiler!!! A segunda, sobre o casal Jack e Carrie e a consciência transplantada, soa particularmente interessante, sobretudo levando em conta o final do episódio, quando descobrimos que Nish (Letitia Wright) carrega a consciência da própria mãe, sem aparentes problemas, sendo este o exato motivo por que buscou vingança e obteve êxito. Fim do spoiler!

'Black Museum' acaba sendo o episódio ideal para o encerramento da temporada não apenas porque remete tanto a episódios anteriores, mas porque faz isso através da justaposição que sempre foi o tema principal de Black Mirror, entre os perigos da tecnologia e os perigos que a raça humana representa por si só. É velho e novo todo de uma vez.

Nota: 4,5

AdoroCinema
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