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Bienal convida países que estão fora do circuito internacional

Sábado, 23 de março de 2002, 13h49



A 25ª edição da Bienal de São Paulo traz obras de países que estão fora do grande circuito internacional e expõe as dificuldades de quem se propõe a fazer arte em Porto Rico, Equador, Quênia, Palestina, Camarões...

Quem passar diante da sala do artista plástico equatoriano Manuel Cholango, no segundo andar da 25ª Bienal de Artes Plásticas de São Paulo - que abre amanhã (23) para convidados e no domingo para o público em geral -, vai achar que ele não veio nem tampouco mandou sua obra. É uma sala vazia. Mas é preciso entrar para perceber que sua arte está lá. "Não há mesmo nada que se ver; quero enfocar outros sentidos", diz Cholango. O artista, um índio da tribo quíchua que vive em Berlim, montou uma instalação que utiliza tubos de ventilação. "Quando o espectador entra, fica sensível a ventos em várias partes do corpo", explica. "É uma obra que remete à cosmogonia indígena equatoriana, baseada nos ventos."

A obra, na realidade, é uma improvisação de última hora, o que aborrece o artista. Cholango tinha planos ambiciosos quando recebeu o convite da curadoria da Bienal. Queria transmitir os valores de seu povo com uma instalação mais complexa que simbolizasse a passagem da vida para a morte, do "mundo visível para o invisível". A sala teria uma ponte feita com pêlos de cavalo. Debaixo dela, monitores mostrariam imagens de um rio de fogo em movimento. "Mas eu não consegui ajuda do governo do Equador para obter e transportar os materiais para São Paulo", afirma. Cholango é o artista escolhido pela Bienal para representar seu país na exposição internacional, mas vive às turras com o governo porque tem uma obra essencialmente política, de protesto contra a opressão dos povos andinos - é membro da Confederação das Nações Indígenas do Equador (Conaie). "Eu vim para o Brasil com o dinheiro do meu bolso", diz Cholango, que está hospedado em um hotel simples no bairro de Pinheiros.

A decisão da curadoria de contrapor a Bienal paulistana ao predomínio do eixo Estados Unidos-Europa no grande circuito das artes plásticas trouxe à cidade obras e artistas de países como Taiwan, Congo, Indonésia, Guatemala, Palestina, Equador, Porto Rico, Camarões - nações que, muitas vezes, por preconceito ou falta de recursos e divulgação, têm sua arte classificada como "exótica" em vez de contemporânea. As dificuldades dos artistas desses países acabam também vindo à tona: falta de apoio - como no caso de Cholango - e ainda, em alguns casos, total despreparo para lidar com um mercado cada vez mais profissional. Ana Magalhães, editora-assistente dos catálogos da 25ª Bienal, enfrentou dificuldades em coletar o material necessário para a publicação. "Artistas que não estão nesse circuito superprofissional mandaram fotos amassadas, imagens de obras em baixa resolução e legendas faltando informações", diz. "Pedimos os textos em inglês e português, mas teve um que me mandou em chinês."

Apesar das dificuldades, a curadoria considera o grande número de países convidados (70, no total) uma prova da força da Bienal de São Paulo. "O que começou como um diálogo entre a Europa e a América evoluiu nos últimos anos para um projeto global", diz Alfons Hug, curador desta edição. "Por isso, nos empenhamos em convidar países que até agora estiveram fora do ‘mainstream’", afirma. "A África se faz representar até com uma seção de vídeo, desacreditando o preconceito segundo o qual esse continente deve ser relegado à categoria ‘low tech’."

A diversidade de países convidados acaba conferindo um caráter político a algumas participações. Na 25ª Bienal, a Palestina é reconhecida como nação. A chegada de seu representante, o artista plástico Sleiman Mansour, é uma história de guerra. Há cerca de duas semanas, 150 tanques israelenses invadiram a cidade de Ramallah, na Cisjordânia, e bombardearam pontos vitais da infra-estrutura da Autoridade Palestina comandada por Yasser Arafat. As passagens e autorizações para Mansour trazer o material para a Bienal ficaram presas no Ministério da Cultura, que foi cercado pelas tropas de Israel. O artista conseguiu novas passagens e veio para São Paulo mesmo sem a obra. "Minha idéia era trazer o próprio solo da Palestina para compor meu trabalho, mas não consegui por causa dos bloqueios israelenses", explica Mansour. Com materiais conseguidos em São Paulo, ele vai montar um jardim de argila com rachaduras que simbolizam a ocupação do solo palestino. "Em nossas terras são criadas colônias israelenses com belos jardins e casas com telhados vermelhos, tipicamente européias, que são impostas e nada têm a ver com a nossa terra", explica. Para Mansour, sua presença em São Paulo é uma vitória de seu povo. "O convite é um reconhecimento da necessidade de se criar um estado palestino", diz. "As bienais ao redor do mundo não estão abertas à arte do nosso país."

A faceta econômica também atrai os artistas que têm dificuldades em divulgar seus trabalhos. O convite para a Bienal de São Paulo pode representar a abertura de mercado para quem está fora do grande circuito. O evento é reconhecido como um dos três mais importantes do mundo nas artes plásticas, ao lado da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel (Alemanha). Curadores e colecionadores do mundo todo comparecem à exposição. "Quando fui convidado, pensei: tenho de jogar alto, apresentar um projeto que, para mim, seja o melhor, e não simplesmente mais um", diz o porto-riquenho Charles Juhasz-Alvarado. "A obra que produzimos no país fica circunscrita a uma área geográfica muito pequena", reclama. Apesar de ter passaporte dos Estados Unidos, ele não consegue entrar no mercado americano. "Somos cidadãos de segunda categoria para os Estados Unidos; eles não levam Porto Rico muito a sério", protesta. Ao contrário de Cholango, Alvarado recebeu ajuda oficial. "Tive o máximo de apoio que poderia obter do governo, mas os recursos estatais são limitados para esse tipo de atividade", diz. "Eles se encarregaram do transporte da obra, do seguro e da minha passagem; porém, busquei os recursos para a construção da instalação no setor privado e também paguei do próprio bolso", explica. O artista vai expor uma representação do aeroporto de Porto Rico. "Durante séculos recebemos influência dos espanhóis e dos holandeses, e hoje estamos ligados aos norte-americanos", afirma. "Vou identificar a alfândega como um lugar de conflito, nossa história tem a ver com esse conflito", diz. A sala de Alvarado conta com uma grande foto do aeroporto de San Juan e miniaturas de aviões no teto. "Fiz também uma porta de segurança e uma zona franca", explica.

Para o camaronês Pascale Marthine Tayou, os artistas do Terceiro Mundo não devem encarar a presença em grandes exposições internacionais como medida de sucesso. "Não temos tantas oportunidades como se fôssemos franceses ou americanos, mas não precisamos expor nossas obras nesses países para mostrar que estamos vivos", diz. "Aproveito para fazer um convite: que os apreciadores da arte visitem Camarões e toda a África para ver que temos algo a dizer", brinca. O camaronês preparou uma instalação a partir de casinhas de cachorro e de brinquedo feitas de madeira. Tayou criou uma "cidade" inspirada em um passeio que fez pelas avenidas marginais de São Paulo, onde alguns marceneiros fabricam e vendem esses objetos. "Resolvi trazer a arte que é feita lá fora aqui para dentro da Bienal."

A 25ª edição da Bienal tem como tema "Iconografias Metropolitanas" e apresenta cinco segmentos: "11 Metrópoles", "Representações Nacionais, Núcleo Brasileiro", "Salas Especiais" e "Net-Art". O orçamento sonhado pelo presidente da Fundação Bienal, o arquiteto Carlos Bratke, é de R$ 18 milhões. Até agora estariam "garantidos" R$ 15 milhões, mas uma parte desse dinheiro, embora prometido, ainda não entrou no caixa da exposição. Os principais patrocinadores da exposição são os governos federal, estadual e municipal e empresas como Banco Itaú, Votorantim, Unisys e Icatu Hartford. A escolha do tema partiu da tese do curador Alfons Hug de que as cidades são laboratórios que "transformam o espírito da época em arte". Hug afirma que a questão central da exposição diz respeito à maneira como as "correntes de energia urbana" influenciam a obra dos artistas contemporâneos. Para o gerente de eventos internacionais da Bienal, Pieter Tjabbes, uma das respostas está no orçamento do segmento "11 Metrópoles", que reúne a produção artística mundial tendo como ponto de partida 11 grandes cidades do planeta: Berlim, Caracas, Istambul, Joannesburgo, Londres, Moscou, Nova York, Pequim, São Paulo, Sydney e Tóquio. "Artistas de cidades ricas como Nova York e Londres têm instalações caras, mas Istambul, por exemplo, é muito barata", diz Tjabbes. "Os artistas do Terceiro Mundo não têm como sonhar alto porque não há equipamento nem orçamento", afirma. "Nem que peçamos para eles fazerem o que quiserem vão continuar trabalhando com fotos, quadros pequenos e instalações modestas, de acordo com sua realidade."

Gazeta Mercantil

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