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Os sinais escondidos que podem revelar se uma foto é 'fake'

Uma observação simples de detalhes ajuda a evitar ser enganado mesmo por imagens bastante convicentes.

26 jul 2017 - 14h48
(atualizado às 15h47)
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Observe a foto acima. À primeira vista, trata-se apenas de uma simples imagem de duas pessoas do lado de fora de um prédio, certo? Uma delas parece estar entregando algo para a outra. Agora, observe com mais cuidado: nem tudo nessa foto é o que parece.

As pistas não são tão claras para observadores comuns, mas Hany Farid enxerga muitas indicações de que a imagem foi alterada - em especial um dos reflexos nas vidraças.

Um dos homens que você vê foi artificialmente colocado na foto.

Pesquisas mostram que muitos de nós sofremos para diferenciar fotos reais de armações (ou fakes). Farid, no entanto, é perito em análise digital e de imagens. É capaz de examiná-la e encontrar sinais quase imperceptíveis que indiquem manipulação.

Luz nos olhos

Um dos truques que ele aprendeu com o passar dos anos foi checar os pontos de luz nos olhos de pessoas. "Se há duas pessoas perto uma da outra em uma foto, geralmente conseguimos ver o reflexo da fonte de luz (o sol ou o flash) nos olhos delas", explica.

"A posição, o tamanho e a cor desse reflexo nos dão informações sobre a fonte de luz. Se elas não são consistentes, a foto pode ter sido manipulada."

Outro detalhe que pode revelar uma farsa é a cor das orelhas das pessoas. "Se o sol estiver atrás de mim, minhas orelhas parecerão mais vermelhas vistas da frente, porque você consegue ver o sangue. Mas, se a luz vem da frente, você não verá vermelho nas orelhas."

Farid é diretor do departamento de Ciência da Computação do Dartmouth College, uma das mais prestigiadas universidades americanas. Ele estuda há décadas a arte da manipulação de imagens.

Um dos pontos mais importantes para averiguar a veracidade de imagens é a sombra de objetos e pessoas. Se desenharmos uma linha entre a ponta da sombra e a parte do objeto que está fazendo a sombra, podemos estender a linha para revelar de onde a luz de uma imagem está vindo.

Ao mapearmos diversos pontos em uma sombra, as linhas que saem deles até o objeto devem cruzar-se. Em uma foto que sofreu alterações, as sombras de alguns objetos na imagem podem não combinar com as fontes de luz no resto da foto, como explica Farid.

Este método torna possível identificar imagens que tiveram pessoas ou objetos adicionados após terem sido tiradas.

Da mesma forma, o reflexo de objetos e de pessoas também "entrega" eventuais falsificações. Se traçarmos linhas entre os objetos e sua imagem projetada, elas precisam convergir em um único ponto atrás da superfície refletora. Caso contrário, algo foi alterado.

Política

No mundo de hoje, imagens falsas têm implicações em todos os aspectos de nossa vida. Da política à medicina.

"Não há uma eleição em que não nos vejamos imagens falsas de um jeito ou de outro", explica Farid. "Fotos são adulteradas para que um candidato pareça melhor. Ou recebem multidões artificiais, como um público mais diverso, para que o candidato não pareça racista. Também podem-se usar composições para que adversários apareçam de forma negativa."

Um exemplo foi quando, na campanha presidencial americana de 2004, surgiu uma imagem do candidato do Partido Democrata, John Kerry, ao lado da atriz Jane Fonda durante uma manifestação pacifista nos anos 1970 (isso reforçaria as credenciais antiguerra de Kerry, que criticava o rival republicano, George W. Bush, por seu papel na Segunda Guerra do Golfo).

Descobriu-se mais tarde que a imagem tinha sido composta por duas fotos diferentes.

Em 2012, por exemplo, a BBC Future publicou um guia para identificar imagens fake da destruição provocada pelo furacão Sandy nos Estados Unidos. Fotos como as que mostravam nuvens de tempestade ameaçadoras acima da Estátua da Liberdade, por exemplo.

O uso de imagens falsas precede até a internet. Um famoso retrato do presidente americano Abraham Lincoln, assassinado em 1865, é considerado uma composição por diversos especialistas, com a cabeça do presidente sendo adicionada ao corpo de outra pessoa.

Mas a difusão de câmeras digitais e programas de edição de imagens tornou a prática mais problemática do que nunca.

Mesmo governos têm culpa no cartório. O Irã, por exemplo, divulgou em 2008 imagens que mostravam um lançamento de mísseis totalmente bem-sucedido - mas um dos lançadores falhara.

"Quando fotos de lugares como Coreia do Norte, Iraque e Síria são usadas para ajudar autoridades a tomar decisões importantes, sua autenticidade precisa ser verificada sempre que possível", adverte Farid.

Tecnologia

A Darpa, agência do Departamento de Defesa dos EUA que desenvolve tecnologia militar, trabalha em uma ferramenta capaz de automaticamente detectar a manipulação de imagens e vídeos. Farid faz parte de uma das equipes do projeto, ao lado de Kevin Coner, seu sócio na empresa de consultoria Fourandsix.

Juntos, eles criaram o program Izitru, que analisa arquivos de computador para saber a procedência de uma imagem - se ela veio direto da câmera, por exemplo.

"O desafio é que a tecnologia ainda não está num ponto em que conseguimos usar uma imagem aleatória e obter uma resposta inequívoca", explica Coner, que passou 16 anos de sua vida profissional na Adobe, a empresa que criou Photoshop - o mais popular programa de edição de imagens do mundo.

Sozinhos, humanos são muito ruins para identificar imagens falsas. Um estudo recente da Universidade de Stanford, nos EUA, demonstrou que estudantes do ensino médio à universidade têm dificuldades para analisar se o material que leem online é confiável.

Em um experimento, estudantes viram uma foto flores deformadas que teriam brotado na região da usina nuclear de Fukushima, no Japão, palco de um grave acidente em 2011.

Dos 170 alunos do ensino médio que viram a imagem, menos de 20% questionaram a procedência da foto (ela mostrava, na verdade, uma ocorrência natural e nada ligada à radiação).

Mas mesmo quando suspeitamos da origem de uma imagem, ainda é difícil enxergar inconsistências. Acadêmicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fizeram um experimento em que participantes examinaram uma série de fotos e tiveram que responder se elas tinham sido manipuladas.

Algumas não tinham sofrido qualquer alteração, mas um número superior à metade tinha passado por um processo de composição com outras imagens, ou continha áreas editadas. Em apenas 47% dos casos as fakes foram corretamente identificadas.

Victor Schetinger, que trabalhou no estudo, conta que colegas e amigos frequentemente fazem perguntas sobre a autenticidade de fotos. "Toda a minha pesquisa mostra que você não pode dizer apenas com um exame visual se uma foto é verdadeira ou não. Mesmo em fotos reais, processos como a saturação, um flash estranho e até poeira na lente podem criar um efeito que salte à vista", conta.

Suspeita

Farid explica que, na maioria dos casos, leigos confundem imagens reais com adulteradas - e vice-versa. "E estão sempre cheios de confiança. As pessoas são ao mesmo tempo ignorantes e superconfiantes, o que é a pior combinação."

A solução é pedir ajuda ao computador. A fotografia forense usa uma bateria de técnicas e algoritmos para identificar fakes, muitas delas checando se as imagens se enquadram nas leis da física. Se 100% de certeza é impossível, peritos podem ao menos fazer uma série de testes.

Tomemos como exemplo uma imagem que há décadas alimenta teorias da conspiração.

A foto acima é de Lee Harvey Oswald, o ex-fuzileiro naval que em 1963 assassinou o então presidente dos EUA, John Kennedy. De acordo com as autoridades americanas, a foto foi tirada no quintal da casa em que Oswald vivia e enviada para um amigo em abril de 1963, sete meses antes do crime.

Ela foi usada como prova nas investigações depois de especialistas identificaram marcas no fuzil que ele segura na imagem que eram parecidas às marcas na arma encontrada no prédio próximo ao local do assassinato do presidente, na cidade de Dallas.

Mas, desde então, dúvidas sobre a autenticidade da imagem ajudam a alimentar as teorias de que Oswald foi incriminado para disfarçar planos mais sinistros contra o presidente, ainda mais porque o suspeito negou que a foto fosse verdadeira e foi morto a tiros dois dias após a morte de Kennedy.

As dúvidas estariam ligadas às sombras na foto e à posição de Oswald na imagem - há até quem diga que sua mandíbula parece diferente na foto tirada logo após sua prisão.

Farid e seus colegas examinaram a foto em uma série de estudos publicados em 2009, 2010 e 2015. Em suas análises, construíram modelos 3D da cena e de Oswald, levando em conta sua altura e peso, além do peso do fuzil. Descobriram que a iluminação da imagem era consistente com uma única fonte de luz e que uma sombra em seu queixo fazia com que parecesse diferente da imagem divulgada pela polícia.

Também mostraram que a postura levemente inclinada do suspeito era condizente com a maneira como segurava a arma. Em suma: os pesquisadores não encontraram qualquer prova de manipulação.

"Trata-se de um bom exemplo de como nosso sistema visual falha em raciocinar corretamente. À primeira vista, alguns aspectos da foto realmente parecem estranhos", diz Farid.

Formatos

Outros métodos de autenticação de imagens não têm nada a ver com o conteúdo, mas, sim, com a maneira como o arquivo é codificado. Quando uma imagem vem de um celular ou de uma câmera digital, por exemplo, ela normalmente vêm no formato jpeg, que faz uma compressão dos dados da imagem para deixá-la mais leve e causa algumas perdas de detalhes.

Normalmente, o arquivo ainda contém dados sobre quando a imagem foi captada, que câmera foi usada e mesmo onde foi tirada.

"Não existe um único formato jpeg. Cada câmera comprime de maneira diferente. Um iPhone comprime mais que uma câmera fotográfica mais sofisticada. Mesmo uma máquina mais simples tem diferentes configurações de qualidade e de armazenamento de informações. Tudo isso acaba inscrito no arquivo", explica o especialista.

Policiais frequentemente acessam este tipo de informação para verificar se uma imagem foi alterada desde que foi baixada de uma câmera. "Podemos ver as informações de um arquivo para dizer se ele passou pelo Photoshop, porque haverá sinais", completa Farid.

Ele acrescenta que até é possível forjar essas informações, mas a missão é difícil: seria como, por exemplo, empacotar novamente um computador que você retirou de uma caixa.

"Por causa da maneira como produto vem empacotado, com isopor, etc., será muito difícil você conseguir com que tudo fique igual. Manipular arquivos é o equivalente digital disso. Quase sempre as pessoas cometem erros."

Ainda assim, Farid ressalta que peritos não podem garantir que os fakes sempre serão detectados. É um jogo de gato e rato entre falsificadores e peritos.

"A habilidade que eles têm de produzir um fake tem aumentado. Minha esperança é que, depois que aplico umas 20 técnicas forenses a uma imagem e todas trazem resultados consistentes, a foto seja mesmo real."

Mas o que os meros mortais podem fazer para detectar imagens falsas na internet? Ainda que não tenhamos à nossa disposição a expertise e o equipamento de Farid, há outras maneiras de analisar criticamente uma imagem.

Buscas em sites como o tineye.com ou o Google Images podem indicar se uma imagem já foi denunciada como fake. O snopes.com examina especificamente imagens que viralizam.

Farid sugere ainda verificar a fonte da imagem. Fotos publicadas em sites de notícias de boa reputação têm maior chance de serem reais do que material publicado em blogs menos conhecidos ou no Facebook. Mas mesmo veículos de imprensa tradicionais podem ser enganados por um bom fake.

O melhor caminho é sempre perguntar a si mesmo se uma foto é "boa demais para ser verdade".

"É necessário ter sempre uma boa dose de ceticismo com imagens digitais. Mas não deixe esse sentimento tomar conta, porque também é muito fácil pensar que uma foto real é falsa", diz o especialista.

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