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'Meu pai não me reconheceu após anos usando creme para clarear pele'

Hoje com 29 anos, Grazia começou a usar pomadas fortes e não recomendadas para fins estéticos aos 18 anos. Médicos e autoridades alertam para riscos desse uso.

5 jul 2021 - 08h33
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Grazia usou pomadas fortes, com o objetivo de clarear a pele, por mais de 10 anos
Grazia usou pomadas fortes, com o objetivo de clarear a pele, por mais de 10 anos
Foto: Grazia / BBC News Brasil

Moradora da cidade de Bradford, na Inglaterra, Grazia, uma mulher negra, usou clareadores de pele por tantos anos que seu pai não a reconheceu mais.

Hoje com 29 anos, ela contou à BBC que começou a usar um corticosteroide muito potente aos 18 anos — e só interrompeu o uso no ano passado.

Por morar no exterior há muitos anos, ela sempre passou longos períodos sem ver a família.

"Meu pai uma vez disse que não me reconheceu porque não nos víamos havia dois anos", relata Grazia.

"Quando ele me viu, ficou chocado, porque eu estava com a cor muito clara."

"Ele ficou decepcionado, triste e me implorou para parar [de usar os cremes]."

As pomadas usadas pela mulher servem na verdade como tratamento curto para certas doenças de pele, como o eczema. Por serem muito potentes, elas devem ser usadas por no máximo uma semana, segundo recomendação de autoridades de saúde britânicas.

Um efeito colateral destes cremes é que eles podem clarear a pele, então algumas pessoas os aplicam com fins estéticos — uso não recomendado por autoridades e dermatologistas, segundo quem este uso a longo prazo e sem acompanhamento pode causar uma série de problemas na pele, como enfraquecimento da pele, maior vulnerabilidade a machucados e hematomas, mudanças na pigmentação, estrias e problemas de visão (com risco aumentado de catarata e glaucoma).

'Hoje, me chateia ter usado (os cremes) por tanto tempo. Acho que começar a gostar de si mesma é um processo', diz Grazia
'Hoje, me chateia ter usado (os cremes) por tanto tempo. Acho que começar a gostar de si mesma é um processo', diz Grazia
Foto: BBC News Brasil

Entretanto, de acordo com Heather Nelson, representante da organização Black Health Iniciative (Iniciativa pela Saúde das Pessoas Negras) em Leeds, a escala de uso destes cremes na Inglaterra é "enorme".

"Não conseguimos quantificar isso porque as pessoas não dizem ou admitem prontamente que usam esses cremes clareadores. Por que elas usam?", indaga Heather.

"Porque elas estão tentando alcançar o ideal de beleza eurocêntrico. Se elas querem progedir em certas carreiras, acreditam que precisam ter uma determinada aparência."

A reportagem encontrou produtos que deveriam ser vendidos mediante prescrição médica expostos indevidamente em balcões de algumas lojas no condado de Yorkshire. Jornalistas disfarçados conseguiram comprar os cremes com facilidade em seis dos sete salões de beleza visitados — no estabelecimento em que isso não foi possível, o produto não estava disponível no estoque.

'Começar a gostar de si mesma é um processo'

Grazia diz que, comparada a hoje, sua pele tinha uma "cor totalmente diferente" até os 18 anos.

"Antes, eu achava que era feia."

"Hoje, me chateia ter usado (os cremes) por tanto tempo. Acho que começar a gostar de si mesma é um processo."

O dermatologista Walayat Hussain começou a atender Grazia para avaliar os efeitos de seu longo uso de corticosteroides.

Quando viu uma foto dela aos 18 anos, com seu tom de pele natural, o médico olhou duas vezes para a imagem e perguntou: "Essa é realmente uma foto sua?"

Hussain diz ser "muito, muito preocupante" que estes cremes estejam disponíveis com tanta facilidade.

"Não deveria ser possível simplesmente comprá-los no balcão, pois (estes medicamentos) podem ter consequências graves para os pacientes."

Os cremes que clareiam a pele estão no "degrau mais alto na escada dos esteroides", acrescenta o médico, quando comparados com os cremes para eczema com hidrocortisona, relativamente fracos, vendidos sem necessidade de receita médica.

"Então imagine usar isso sem qualquer conhecimento do que você está fazendo com sua pele. É realmente preocupante."

Outro caso: 'Queria mudar minha cor porque via minhas amigas claras'

Binti Asumani passou a usar cremes para clarear pele após se mudar para o Reino Unido
Binti Asumani passou a usar cremes para clarear pele após se mudar para o Reino Unido
Foto: Binti Asumani / BBC News Brasil

Binti Asumani mudou-se da Tanzânia para o Reino Unido em 2013 com seu marido e filho. Dois anos depois, ela começou a usar cremes que clareiam a pele.

"Queria mudar minha cor porque via minhas amigas claras e pensava: 'Por que não posso ficar mais bonita?'"

Binti começou a procurar esses produtos e seus amigos a direcionaram a um mercado local, onde ela conseguiu comprar um creme forte.

Depois de usar os cremes por dois anos, começou a sentir efeitos colaterais desagradáveis.

"Comecei a ficar com manchas no rosto e meus olhos sempre lacrimejavam e ardiam quando abria o pote do creme", conta.

Depois de ir ao médico, Binti foi orientada a parar de usar o creme imediatamente.

Parar não foi fácil, e ela diz que sentiu danos a sua autoimagem.

"Para interromper (o processo de clareamento), não leva tempo. Voltei à minha cor natural em cerca de dois meses."

"Me senti mal, fiquei dentro de casa por dois meses porque estava mais escura do que antes."

Binti diz que adoraria que a valorização da beleza negra se fortalecesse antes que sua filha tenha desejo de fazer o mesmo que ela, clarear a pele.

"Qual é o sentido de se machucar em troco da estética?", questiona. "Espero que minha filha entenda os efeitos colaterais que tive com o uso desses produtos químicos."

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