PUBLICIDADE

Aguilar exibe suas telas sobre o destino humano

Pintor reúne 69 obras na mostra 'Destinos, o Homem Inventa o Homem', em cartaz na Galeria do Sesi

28 out 2020 - 05h10
Compartilhar
Exibir comentários

O pintor José Roberto Aguilar, prestes a completar 80 anos em abril de 2021, é automaticamente associado aos anos 1960 por sua postura inconformista, que o levou a desafiar o reino do estabelecido. Quando, na época, a ordem do dia era seguir o rigor dos concretos, ele se insurgiu e replicou os gestos expansivos dos expressionistas abstratos americanos e nórdicos, a ponto de ser reconhecido por equívoco como um discípulo do grupo Cobra quando participou da sétima edição da Bienal de São Paulo, em 1963, com apenas 22 anos. Veio o reino da arte conceitual, nos anos 1970, e ele continuou a pintar, contestando o surto racionalista e antipictórico da década. Nos anos 1980, antes do advento da transvanguarda italiana e dos "novos selvagens' alemães, sua pintura já antecipara a libertária narrativa desses movimentos. Aguilar, que expõe na Galeria do Sesi suas novas telas, na mostra Destinos, o Homem Inventa o Homem, continua rebelde - e pintando peças gigantescas, que cabem com algum esforço nas paredes da Galeria do Sesi.

A maior delas ele pintou há duas semanas, quando a exposição, programada para março e interrompida por causa da pandemia do covid 19, foi reaberta. O título é sugestivo: Onda (Wave). Faz alusão tanto ao vírus, que vem em ondas, como à empatia que aflorou na humanidade com a tragédia pandêmica. Trata-se de uma obra de vocação horizontal, pintada sobre o piso da galeria do Sesi - ela foi cedida pelo artista para exposição permanente. A realização da pintura está registrada em vídeo, exibido ao lado da obra. Não há como não lembrar de Jackson Pollock (1912-1956), referência do expressionismo abstrato, conhecido por popularizar uma técnica inventada por Max Ernst, a do dripping (gotejamento), com que Aguilar também pinta suas grandes telas.

Pollock, porém, nunca foi seu guia. Sua pintura, diz, é narrativa - e, nesse aspecto, talvez fosse mais justo associá-la à arte de outro norte-americano, Cy Twombly (1928-2011), até mesmo porque os dois são fascinados pelo pensamento grego. Aguilar presta na mostra um tributo aos grandes filósofos da Antiguidade (Platão, Sócrates, Pitágoras), adotando-os como modelos de sua tela A Invenção do Homem Ocidental. Justificando o título da mostra, tudo nela leva o nome de invenção - da dança, do socialismo, da desigualdade social, das etnias. Ele se propõe a sintetizar a longa trajetória da humanidade em 69 telas - 35 das quais são dedicadas ao destino, evocando a complexidade semiótica de textos clássicos como I Ching. "Não faço nada sem consultá-lo", admite, referindo-se ao antigo livro chinês das mutações, um oráculo. "Ele me salvou da morte por duas vezes", conta.

Com assumido respeito pela religiosidade, Aguilar, que queria ser terapeuta, foi por uma época seguidor de Rajneesh (1931-1990), o polêmico místico e guru indiano também conhecido como Osho, mas não fala muito a esse respeito. Foi uma experiência que muitos outros jovens na época tiveram, assim como praticar o amor livre ou formar uma banda - e ele criou uma, a Performática, que teve em sua formação original o citarista Alberto Marsicano (1952-2013) e o hoje popular Arnaldo Antunes (ex-Titãs). Aguilar não sabe tocar, mas agitava um bocado com suas performances musicais - uma delas memorável, na Pinacoteca, em 1980, quando tocou piano com luvas de boxe. Foi parceiro de Jorge Mautner e, entre os frequentadores de seu ateliê na Bela Vista, estava o escritor e cineasta José Agrippino de Paula (1937-2007), autor de uma obra seminal do movimento tropicalista brasileiro e da contracultura, PanAmérica (1967). Aguilar tinha pronta a capa do livro, mas ele acabou sendo assinada pelo pintor Antonio Dias.

O estilo caótico de Agrippino, que, em PanAmérica, cruza os caminhos de Che Guevara e Marilyn Monroe numa filmagem da Bíblia, aparece refletido nas telas "narrativas" de Aguilar - por exemplo, em A Invenção do Homem Moderno, que coloca na mesma tela as figuras de Picasso e Einstein (o primeiro criou a histórica pintura Les Demoiselles d'Avignon em 1907, mesmo ano em que Einstein desenvolveu sua teoria da relatividade geral e a primeira teoria quântica de cálculos específicos. "Sempre quis ser escritor, essa é a minha grande frustração".

A exposição tem duas seções distintas. Na primeira, o espectador acompanha âncoras da história do Ocidente. Na segunda parte, com 35 telas, Aguilar propõe um jogo de arquétipos, em que cada tela é identificada com um "destino". Por obra do acaso, Aguilar parou em frente à pintura de número 8. Justamente a que define a beleza.

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade