PUBLICIDADE

Quebrada e som: O povo negro explicado através da percussão

Colocando o tambor no centro da roda, João Nascimento faz uma análise social do Brasil no documentário Tambores da Diáspora

14 abr 2022 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
João Nascimento
João Nascimento
Foto: Reprodução/Facebook

A identidade de um povo é formada por diversos aspectos culturais, com muitas vezes a música ocupando um lugar central entre eles. Além disso, um único instrumento pode representar toda a complexidade de um grupo específico. Em seu filme Tambores da Diáspora (2022), o diretor João Nascimento mostra que na cultura afro-brasileira os diferentes instrumentos percussivos são utilizados seja para professar fé, tocados em festas ou como elemento agregador.

O documentário de 75 minutos mostra como a ancestralidade e a tecnologia dos tambores fazem parte do ambiente sócio-cultural do Brasil contemporâneo. Entrevistando percussionistas como Silvanny Sivuca, Beth Beli, Dinho Nascimento, Simone Soul, Dinho Gonçalves, Pedro Bandera, Marcos Suzano e Paulo Dias, além do próprio diretor que se lança em frentes às câmeras, apresentando também seu lado multiartístico, a produção tenta traçar um viés político e cultural do papel dos instrumentos percussivos como porta-vozes da diáspora africana.

“O tambor traz uma identidade vinculada aos povos negros, carrega toda uma simbologia e ao mesmo tempo, dependendo do lugar onde ele está inserido, existe todo um preonceito em torno dele. As pessoas às vezes costumam vincular o instrumento apenas à religião. Muitas vezes quem toca é logo tachado como macumbeiro, que não é um termo ofensivo, mas que foi pejorativado”, comenta João Nascimento em entrevista à Ponte.

Dinho Gonçalves
Dinho Gonçalves
Foto: Divulgação

As perspectivas sobre o instrumento vão se acumulando ao longo do filme. Dinho Gonçalves, percussionista e baterista que trabalhou com nomes como Gal Costa, Elba Ramalho e Hermeto Paschoal, analisa no documentário o tambor como uma herança de urgência: "milênios atrás se usava o tambor como comunicação. Eu cheguei a ver esse tipo de coisa na África. O tambor implica em ordem. O bumbo da bateria da bateria de um roqueiro é um tambor primitivo que também implica em ordem. É como se ele dissesse 'vamos dançar'. Não é uma indução, é praticamente uma coação".

Já Silvanny Sivuca, percussionista e baterista da banda de Emicida, coloca o instrumento numa perspectiva de futuro e alento, afirmando que  "usar o tambor como ferramenta pra gente transformar é muito importante. Eu acho que é a única coisa, diante dessa loucura toda que a gente tá vivendo no planeta, que cura é o tambor”.

Sivuca
Sivuca
Foto: Divulgação

Nascido no Morro do Querosene, na zona oeste da cidade de São Paulo, e filho de um mestre capoeira, João, que também dirigiu o filme Danças Negras (2021) e a websérie Escola do Samba (2021), afirma que fazer o documentário foi uma forma de contar um pouco da sua própria história e refletir sobre o modo de vida social, político, artístico e cultural trazidos pelos negros que vieram da África no período colonial.

“Eu cresci aos pés dos tambores, nas rodas de capoeira, nos sons dos batuques, nos toques de atabaque para os ibejis nas festas de Caruru que acontecem há 38 anos no quintal de minha casa. Tambores da Diáspora nasceu da curiosidade de compreender e aprofundar o conhecimento sobre esse vasto universo percussivo”.

O documentário começou a ser captado em 2012, quando Nascimento gravava o disco Afro2 Laboratório de Ritmos Afro-brasileiros junto com o percussionista Pixú Flores - algumas entrevistas são dessa época, de artistas que colaboraram no álbum, mas foi em 2020, ao retomar esse material, que o diretor resolveu investigar o assunto a fundo em um longa-metragem.

Beth Belli
Beth Belli
Foto: Divulgação

Cinema negro

Uma das propostas do filme de Nascimento é investigar a forma que o tambor é visto dentro da sociedade, tentando levar o espectador a perceber a erudição do instrumento. O documentário promove a importância do pensamento percussivo atrelado às diversas produções artísticas popularizadas, à sua relação com a dança, com o corpo e com a tecnologia.

“Em uma sociedade arraigada de valores racistas e escravocratas, que na disputa do imaginário cultural brasileiro centraliza e valoriza unicamente as culturas europeias, a imagem do tambor e seus tocadores tende a estar associada a valores carregados de preconceitos, estereótipos e desqualificações técnicas e intelectuais”, explica o diretor.

Em um momento que o cinema nacional passa a ter mais protagonistas negros em filmes que conseguiram um bom desempenho de bilheteria, como Marighella (2021) e Doutor Gama (2021), João Nascimento, mesmo produzindo documentários, entende que é a vez de histórias do povo preto serem contadas por realizadores de audvisual negros.

“A gente entende que precisamos registrar a nossa história a partir do nosso ponto de vista. Para que no futuro pessoas negras vejam aquilo que hoje está sendo produzido por nós, com o nosso olhar. Durante anos fomos objeto da curiosidade de pessoas brancas que tentavam nos retratar em seus trabalhos, mas nunca conseguiram ter o nosso ângulo da história”, resume Nascimento.

Ponte
Compartilhar
Publicidade
Publicidade