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A prática do jiu-jitsu que afasta os jovens das ruas

O projeto social Fênix de jiu-jitsu ensina técnicas de luta, disciplina e respeito a crianças e adolescente de 3 a 17 anos, de Salvador

20 mai 2022 - 05h00
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Praticantes de jiu-jitsu de Salvador encontraram no esporte uma forma de afastar crianças e adolescentes das ruas, pois muitos desses jovens acabam se envolvendo na criminalidade ou terminam mortos de forma trágica. De acordo com a Unicef Brasil, de 2016 a 2019, houve um aumento de 52% da taxa de homicídios de adolescentes na cidade.

Esses dados refletem muito como a violência cada vez mais impacta de forma cruel a capital baiana, principalmente nas comunidades periféricas, as quais negros e pobres são a grande maioria da população.

Entretanto, para tentar diminuir esses números estarrecedores, moradores estão criando iniciativas com o intuito de oferecer uma vida melhor para esses jovens, como é o caso do Projeto Social Fênix de jiu-jitsu.

“Sinto-me grata por meu filho fazer parte desse projeto. Ele entrou desde quando foi inaugurado e se mantém até hoje. No projeto, ele aprendeu não apenas a desenvolver o esporte, mas também a respeitar e enxergar a todos os envolvidos como família, porque é isso que eles são”, conta alegremente Tuira Massaranduba, mãe de Cauã Nunes, que participa do Fênix de jiu-jitsu há seis anos.

Ela diz que é uma satisfação ver o filho fazer parte deste projeto, já que hoje ele é mais dedicado nas atividades escolares, é pontual e responsável em grande parte do que faz. “Graças à dedicação e ao auxílio da sensei e de todos os envolvidos”, completa. 

O jovem, que tem 13 anos de idade, entrou no projeto aos sete anos e conta que já fez vários amigos no grupo. Ele ressalta que a sensei Deise Santos (uma das fundadoras do projeto) é muito legal, pois sempre ajuda e incentiva a todos.

“A sensei é muito legal. Ela sempre nos ajuda quando temos dúvidas e nos incentiva a darmos o nosso melhor, além disso, ela acredita que somos capazes de lutar muitos campeonatos. Já lutamos em muitos e vencemos a maioria”, fala com gratidão. De acordo com Cauã, o lema do projeto é: higiene, disciplina, respeito e pontualidade.

Alunos do Projeto Fênix de Jiu-jitsu
Alunos do Projeto Fênix de Jiu-jitsu
Foto: Deise Santos

Projeto Social Fênix de Jiu-Jitsu

“O projeto foi um sonho desde que eu era faixa azul, porque eu queria dividir com outros o que aprendi. Quando cheguei na faixa marrom esse sonho se tornou mais forte, pois o jiu-jitsu mudou a minha vida e a minha história”, afirma a faixa preta Deise Sacramento dos Santos, de 35 anos, uma das fundadoras do projeto. Ela completa: “seria muito egoísmo não dividir essa ferramenta transformadora.”

A lutadora explica que o objetivo da iniciativa é proporcionar às crianças das comunidades da Liberdade e da Lapinha uma vivência não só de técnicas esportivas e de defesa pessoal, mas também da filosofia da arte marcial, gerando assim pessoas melhores para a sociedade.

Formada em Educação Física, atuando como personal trainer e faixa preta de jiu-Jitsu, Deise Santos diz que quando as crianças são desafiadas dentro do esporte, elas avançam e mantêm foco no resultado.

“A partir do momento em que elas se sentem desafiadas a progredirem no esporte, são recompensadas por isso. As crianças, assim como os adultos, mantêm o foco no resultado proposto”, garante.

Deise diz que oferece jiu-jitsu gratuito para as crianças porque é uma forma de contribuir para com a sociedade, formando cidadãos de bem.

“O jiu-jitsu não é apenas uma defesa pessoal, é uma filosofia de vida. Um reencontro, uma descoberta. O jiu-jitsu foi e é um divisor de águas em minha existência. Logo, penso que essa oportunidade deve ser oferecida àqueles que serão o futuro da humanidade”, afirma.

Deise Santos, faixa preta de Jiu-Jitsu e uma das fundadoras do projeto
Deise Santos, faixa preta de Jiu-Jitsu e uma das fundadoras do projeto
Foto: Mariana Pinheiro

A atleta faz questão de ressaltar que o esporte ajuda as crianças. “O esporte nas comunidades reduz o índice de vulnerabilidade social. É mais eficaz que a criança esteja treinando do que esteja na rua. Esporte é vida! Esporte é educação e estilo de vida”, assegura.

Deise diz que um dos desafios é trazer mais crianças para somar, além da falta de apoio para manter o projeto.

“Muitas vezes tiramos do nosso bolso para investir nas crianças. Os pais também apoiam muito nesse quesito, pois sempre trazem ideias para que possamos viabilizar algo para a garotada”, fala.

A atleta diz que o sonho do projeto é poder formar campeões na vida e no esporte, e manda uma mensagem para as crianças que querem ter uma vida digna.

“Corram atrás de seus sonhos, dos seus objetivos, e busquem pessoas capacitadas para instruir e também se espelhar. Acreditem na força que têm, pois na vida irão encontrar obstáculos, mas cabe a cada um lutar para sair vitorioso”, destaca.

Somente crianças e adolescentes carentes, de 3 até 17 anos, podem participar do projeto, que funciona de segunda e quarta-feira, das 18 às 19h. Para uma criança fazer parte da iniciativa, as famílias passam por uma entrevista e depois é analisada a situação de cada uma delas.

Atualmente, o projeto atende por volta de 10 crianças, porém, já passaram por ele mais de 100 jovens desde a sua criação.

Com isso, salienta Deise Santos, a iniciativa está alcançando o que almejou – a transformação social - pois muitas crianças e adolescentes estão até hoje com o grupo. “Elas foram impactadas pelo esporte e mudaram a sua forma de pensar, agir e a conduta mediante às questões sociais”, conta a lutadora.

Criado há seis anos, o Projeto Social Fênix de jiu-Jitsu nasceu no bairro da Liberdade. Os primeiros treinamentos aconteceram em uma cobertura da laje de uma amiga de Deise, Paula Adriana Goodgloves.

“Na verdade, eu, mestre Deise, Roseni Oliveira e Lucas Paim, que somos amigos e treinávamos juntos, tínhamos um sonho de fazer um projeto social atrelado ao jiu-jitsu, porém não tínhamos espaço. Aí, tivemos a ideia de começar a treinar na cobertura do meu apartamento”, conta Paula Adriana Goodgloves, que atualmente está afastada do projeto por causa de problemas de saúde.

Juntos, os envolvidos compraram tatames e deram início aos treinos com a sensei Deise Santos. A partir disso, o projeto começou a atender as crianças carentes do bairro da Lapinha e da Liberdade, em um espaço junto com a igreja da Lapinha, em um prédio anexo.

Deise explica que ela e os amigos escolheram o nome Fênix porque significa renascer das cinzas, e assim queriam fazer com as crianças: resgatá-las das ruas para ganharem uma nova oportunidade de vida.

“Fênix foi um nome escolhido por todos, pois assim como a fênix renasce das cinzas, assim queríamos que nosso projeto fosse naquela comunidade - resgatasse crianças em estado de vulnerabilidade e desse uma oportunidade de crescer na vida através do jiu-jítsu”, esclarece a lutadora.

Outra moradora que contribui na organização do projeto é Roseni Bastos de Oliveira. Ela diz que o Projeto Fênix de jiu-jitsu é de grande importância para a comunidade, pois “conseguimos afastar as nossas crianças das ruas. E com certeza irão crescer homens e mulheres de caráter, disciplina e pessoas de bom coração.”

Instrutores

Daniel Silva de Souza, 24 anos, auxiliar de departamento de procuradoria, morador da Avenida Joana Angelica, centro da capital baiana, diz que conheceu o Projeto Fênix através de uma professora de banca chamada Paula. “Foi assim que vi um pouco de mim em cada uma das crianças que participava”.

O instrutor Daniel Souza vê o projeto como uma 'missão de vida'
O instrutor Daniel Souza vê o projeto como uma 'missão de vida'
Foto: Deise Santos

Daniel é instrutor do projeto e conta que é uma pessoa de gratidão, superação e amor. Ele foi criado em uma instituição de lares adotivos, Aldeias Infantis S.O.S, e adotado aos 15 anos por uma família de classe média. “Sou uma pessoa que busca trazer orgulho às pessoas que acreditaram e acreditam em mim”, enfatiza.

Ele faz questão de destacar que o projeto é muito importante na vida dele: “vejo o projeto como missão de vida, como algo que nasci para fazer. Retribuir a vida e as pessoas que acreditaram em mim, com sua fé, carinho, amor e educação, repassando os valores às gerações futuras”, fala com gratidão.

O instrutor de jiu-jitsu conta que antes do projeto era um jovem adolescente sem muitas responsabilidades, ou pelo menos não as compreendia direito.

“A minha prioridade era sempre a diversão, mas tudo mudou quando a mestre Deise me convidou a ajudar nas aulas, auxiliando os mais novos a entenderem os conceitos dos golpes e movimentos que nem eu mesmo sabia. Porém, foi um ponto importante para mudar minha forma de enxergar o jiu-jitsu e seus princípios”, revela.

Ele diz que o projeto faz grande diferença na vida das crianças.

“A importância é a diferença que fazemos na vida dessas crianças. Não ensinamos apenas os golpes e as histórias do jiu-jitsu. Ensinamos a entenderem como a arte pode fazer a diferença em suas vidas. Trazemos valores que cada vez mais estão difíceis de serem empregados, como disciplina, respeito, compaixão, união e honestidade”, destaca.

O instrutor explica que o jiu-jitsu é um estilo de vida, ensina a encontrar equilíbrio entre corpo, mente e espírito.

Para Daniel Souza, o Jiu-jitsu é um estilo de vida
Para Daniel Souza, o Jiu-jitsu é um estilo de vida
Foto: Deise Santos

“O jiu-jitsu é um estilo de vida, ensina o Bushido - Caminho do Guerreiro ou Samurai. Trata-se de um código de honra que empregamos para encontrar um equilíbrio entre corpo, mente e espírito”, afirma.

O outro instrutor, Marcos Paulo Bastos de Oliveira Santos, de 24 anos, atendente de telemarketing, morador do bairro do Barbalho, explica que entrou no projeto por meio de um convite.

“Desde sempre fui da igreja católica, a qual minha família está inserida, então sempre fazia parte da associação Padre Pinto - o espaço que começamos. Também já participei de cursos de flauta e violão. Umas das pessoas que estavam à frente desses projetos convidou a mim e a minha mãe, Roseni Oliveira, para levar os instrumentos. Como já tinha contato com o pessoal do jiu-jitsu, conversamos com nossa sensei Deise e foi daí que começamos”, explica.

Ele diz que o projeto trouxe muitas coisas benéficas para ele e para as crianças. “O que sempre falo é de ter orgulho das crianças que vimos crescer e que hoje são exemplos para outras. Aqui não é só ensinar a arte marcial, mas também é oferecer a filosofia desse esporte”, pontua.

De acordo com Marcos Paulo, que está no grupo desde a fundação, a maior importância do projeto é tirar as crianças das ruas, dar um suporte para os pais nessa formação de caráter e “passar os valores da filosofia da arte, e por consequência, proporcionar lazer para as crianças e seus pais”.

O instrutor diz que o jiu-jitsu ensina muito sobre o autoconhecimento, tanto corporal quanto psicológico. “Quando vemos o jiu-jitsu, percebemos que na luta nem sempre estamos em posições confortáveis e que, a maioria das vezes, precisamos de calma para sairmos dessas situações, como na vida. Esse esporte traz também o senso de respeito com o próximo e com os mais graduados”, conta.

Ele ressalta que projetos como esse ajudam a trazer responsabilidade social e ajuda a formar pessoas, as quais conseguem resolver os conflitos sem fugir deles.

Além de Deise, que é professora e também gerencia a academia, são fundadores do projeto: Roseni Oliveira, secretária; Paula Adriana, produtora de textos para mídias sociais; Marcos Bastos, instrutor; Lucas Paim e Olanyan Goodgloves.

O projeto ainda conta com Naidalva Sacramento dos Santos, que faz parte da organização, e Daniel Silva de Souza, instrutor.

ANF
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