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Mostra SP: Perdido en La Mancha é "unmaking of" de filme

Quarta, 23 de outubro de 2002, 10h57

A história do cinema é repleta de relatos de produções que foram um desastre, mas nenhum deles foi registrado com franqueza, rapidez e senso doloroso de decepção comparáveis ao que se vê em Perdido en La Mancha, documentário feito por Keith Fulton e Louis Pepe sobre o desastre do filme The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam.

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Fulton e Pepe disseram recentemente que seu filme, destaque de quarta-feira na 26ª Mostra BR de Cinema em São Paulo, é o primeiro documentário sobre o "unmaking of" de um longa-metragem.

Depois de serem convidados por Gilliam em março de 1999 para acompanhar a produção, eles acabaram se vendo como parte de um trabalho que não chegou a existir, uma vez que o projeto acabou por desmoronar por completo em outubro de 2000.

A partir das cerca de 80 horas de imagens em vídeo que já tinham feito, eles compilaram um memorial de um filme que Gilliam ainda espera conseguir realizar algum dia.

Perdido en La Mancha não é a crônica costumeira de excessos hollywoodianos, astros e estrelas com egos inflados, produtores mal-intencionados e roteiros reescritos às pressas. O dinheiro estava lá, os astros eram disciplinados e cooperadores e o roteiro estava concluído.

Gilliam tentara por dez anos financiar o filme com dinheiro americano, mas, no final, o orçamento de 32 milhões de dólares veio da Europa.

Com uma equipe composta de britânicos, italianos e espanhóis, o único elemento ianque que chamava a atenção era a escolha de Johnny Depp para o papel de um publicitário contemporâneo que viaja no tempo e é confundido por Don Quixote com Sancho Panza.

Gilliam admite que a idéia foi uma obsessão sua durante anos. O projeto englobava seus temas e experiências pessoais favoritos: um mundo de fantasia e imagens barrocas e um sonhador maluco arremetendo contra moinhos de vento.

Imagens tiradas de um projeto interrompido de Orson Welles nos anos 1950 e que tratava do mesmo tema criam a idéia de uma suposta "maldição de Don Quixote". E, quando o orçamento é reduzido, algumas fendas e rachaduras começam a aparecer na obra de Gilliam.

Os atores - incluindo Depp, Jean Rochefort e Vanessa Paradis - estavam espalhados pelo planeta; o pessoal de produção ainda estava no Reino Unido; Gilliam roía as unhas em Madri e, quatro semanas antes do início das filmagens, alguns contratos-chaves ainda não tinham sido assinados.

Recordando o pesadelo pelo qual passou em 1988, Gilliam observa: "Há tantos ecos aqui de 'Munchausen' que até me assusto".

Uma semana antes do início das filmagens, Rochefort entra em pânico, achando que está com uma infecção na próstata. Durante alguns dias tensos, o filme tem os sets e os figurinos, mas não tem atores.

Perdido en La Mancha registra os seis dias durante os quais a produção foi oficialmente ativa, até que o mau tempo, a força aérea espanhola e, finalmente, o desconforto físico de Rochefort obrigam à interrupção das filmagens (vale notar que o diagnóstico médico do ator acabou revelando ser "hérnia dupla de disco").

"O mais doloroso foi ver a realidade derrotar Don Quixote", disse o co-roteirista de Gilliam, Tony Grisoni. Seis meses mais tarde, Gilliam ainda estava tentando ressuscitar o filme.

E o mais triste é que os poucos minutos que sobreviveram das filmagens em tela larga apontam para o que provavelmente teria sido um filme notável.

Assim, o documentário inteiro de Fulton e Pepe é permeado pela sensação trágica de que podemos estar testemunhando uma grande atuação que nunca será vista.

Reuters

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