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Médica transforma sítio em instituto para abrigar animais silvestres ameaçados no interior de SP

Raquel Machado deu pontapé na iniciativa há 15 anos e hoje expandiu projetos para o Pantanal e Pará; crianças participam de atividades de educação ambiental

27 jul 2022 - 22h05
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A viagem da capital paulista para Porto Feliz, no interior de São Paulo, teve, no princípio, uma motivação frugal. Há 15 anos, a médica Raquel Machado tinha em mente apenas ficar mais perto da natureza, algo que sentia falta desde a mudança para longe de Belo Horizonte - com suas montanhas na linha do horizonte.

No sítio comprado pela família, havia um papagaio preso, que foi deixado no local pelo antigo dono das terras. Preocupada com o animal, Raquel resolveu ir atrás do Ibama, na época, para dar uma destinação correta, e saudável, ao bicho. Ela queria que ele pudesse voltar para a natureza. "Nunca gostei de ver animal preso", afirma.

No contato com os órgãos ambientais, entretanto, o choque. "Passei a perceber como era um absurdo o que faziam com os animais", lembra Raquel que, quando percebeu, estava totalmente envolvida com a causa animal. Em 2010, parte do sítio passou a receber cada vez mais animais silvestres abandonados ou recapturados das mãos dos traficantes.

A médica não tem um registro de quantos animais passaram pelas mãos da equipe que ela coordena, mas, atualmente, existem 200 animais sendo cuidados. Muitos deles, com chances de voltar para o meio ambiente.

A vovó Elza, talvez, não tenha essa sorte, mas a vida dela melhorou muito desde que chegou a Porto Feliz. "É uma fêmea de macaco-prego que ficou 40 anos acorrentada. A partir de uma denúncia conseguimos salvá-la. Com os cuidados, hoje, é um animal que já reaprendeu usar a cauda. Além de também estar convivendo mais em grupo. É uma fofa", se derrete Raquel.

Outra história que a médica conta com tristeza, mas também com um certo orgulho porque hoje a ave está em condições bem melhores, é a do Dodó, um exemplar de arara vermelha. "Nem sabia que isso existia. Mas esse animal foi maltratado pelos traficantes que os cegaram com cigarro. É uma prática comum feita para que os animais fiquem menos agitados durante os deslocamentos", diz Raquel.

O envolvimento da médica com a causa ambiental, e dos animais maltratados, também extrapolou as fronteiras da propriedade em Porto Feliz. Hoje, existem outros centros de reabilitação sob os cuidados do Instituto Raquel Machado, criado oficialmente há dois anos, no Centro-Oeste brasileiro. Um deles perto da cidade de Bonito e outro em uma fazenda típica do Pantanal. "São áreas também que estamos promovendo a restauração florestal em parcerias com ONGs como a SOS Mata Atlântica", diz Raquel.

Na cidade de Porto Feliz, todo o trabalho de reabilitação animal feito com centenas de animais, desde aves até lobos-guarás e primatas, chamou a atenção da prefeitura, e tem ajudado inclusive na formação de crianças da região. Existe uma parceria em andamento entre o instituto e sete escolas públicas da cidade.

"Nós somos responsáveis pela formação em educação ambiental de 600 crianças do sétimo ano escolar da cidade. Essa é uma transformação importante que precisamos ter em mente. As pessoas precisam conhecer o problema, entendê-lo para, quem sabe, as coisas mudarem um dia. O meu grande sonho é que recintos como o nosso não precisem mais existir", afirma Raquel.

Segundo a médica, mesmo pessoas muito bem formadas, e de alta renda, dão pouca importância à vida animal e aos cuidados que os animais silvestres precisam. "Já ouvi muita coisa negativa no meu próprio consultório", afirma a médica. "Tenho recebido muitas propostas de escolas para ampliar as parcerias, mas, no momento, não temos braços para abraçar tudo", explica a médica, que também está começando um projeto de ecoturismo no sul do Pará, na floresta amazônica.

"Todos os recursos que entrarem serão revertidos para o meio ambiente local e para ajudar as comunidades tradicionais da região. Este é um outro caminho que pode ser muito promissor do ponto de vista da preservação ambiental", garante a empreendedora.

De volta a Porto Feliz, Raquel lembra de um outro hóspede ilustre, o Canelinha, que deverá ser solto no ano que vem. "É um lobo-guará hoje adolescente que chegou para nós ainda filhote. É importante também que as pessoas tenham a ideia que, de vez em quando, os animais, mesmo quando estiverem sozinhos, devem ficar no mato. O canelinha deveria estar próximo da mãe, que teria se afastado um pouco para buscar alimento quando um incêndio no canavial próximo separou os dois. O filhote, sozinho, acabou sendo retirado da mata por pessoas que estavam na região e nunca mais viu a mãe", diz Raquel.

"Infelizmente, hoje, estamos como nossa capacidade máxima. E existem muitos animais que precisam de ajuda."

Estadão
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