Por que o sorotipo 3 da dengue preocupa os especialistas?

Linhagem foi encontrada em diferentes estados e tem crescido no País após anos de predominância dos tipos 1 e 2 do vírus

23 jan 2025 - 18h10

Nos últimos meses, o Brasil enfrenta um aumento expressivo de casos de dengue relacionados ao sorotipo 3 (DENV-3), especialmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Amapá e Paraná. Também começam a surgir registros no Rio de Janeiro.

Vírus da dengue é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti
Vírus da dengue é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti
Foto: Divulgação/Governo de SP / Estadão

Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, do total de casos de dengue cujas amostras foram analisadas para avaliação do sorotipo em dezembro de 2024, 22,93% foram positivas para o tipo 3, contra 0,39% das amostras verificadas meses antes, em janeiro.

Esse crescimento da DENV-3 após anos de predominância dos sorotipos 1 e 2 no território nacional preocupa especialistas e autoridades de saúde. Eles alertam que muitas pessoas nunca foram expostas ao tipo 3 e não têm imunidade — ao contrair dengue, o organismo desenvolve anticorpos específicos contra o sorotipo do vírus responsável pela infecção (DENV1, DENV-2, DENV-3 ou DENV-4), mas não para os outros, daí a doença poder ser contraída até quatro vezes.

"Na medida em que você tem vários sorotipos co-circulando na população, aumenta a probabilidade desses eventos de reinfecção por sorotipos distintos", explica Gonzalo Bentancor, pesquisador do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Outro problema é que as infecções secundárias tendem a provocar quadros mais graves.

"Sabe-se que a infecção pelo sorotipo 3 da dengue, quando ocorre após uma infecção anterior pelo sorotipo 1, tende a causar sintomas mais graves. E uma parte significativa da população sem imunidade para a dengue 3 foi recentemente infectada pela 1", afirma o virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).

Por que o sorotipo 3 está em alta?

O sorotipo 3 que circula hoje no Brasil é de uma linhagem diferente daquela dos anos 2000, praticamente extinta. Segundo especialistas, é provável que ela tenha vindo da região do Caribe, que, por sua vez, importou o sorotipo do continente asiático. "O vírus foi importado. Ele estava saindo do Brasil e nós o trouxemos de volta", diz Nogueira.

É provável que alguém na região tenha contraído a doença, vindo para o Brasil e aqui tenha sido picado por um Aedes aegypti. "Assim a coisa toda começa. E isso explica como ele reapareceu", resume o infectologista. A variante foi detectada pela primeira vez em Roraima, em 2023, e desde então tem se espalhado para outros estados.

Como uma nova variante costuma tomar o espaço das anteriores, os especialistas não descartam que a DENV-3 se torne predominante em algum momento.

"É um fenômeno de alternância", diz Fernando Spilki, virologista da Universidade Feevale e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus e Saúde Única. "A imunidade que se forma em um ano pode alterar a disseminação dos vírus que vão aparecer no ano seguinte", acrescenta.

Podemos ter uma epidemia em 2025?

Segundo Nogueira, a chegada de uma nova linhagem costuma favorecer epidemias. Por outro lado, não é comum a ocorrência de grandes epidemias de dengue em anos seguidos — em 2024, o Brasil teve o maior número de casos e mortes pela doença de sua história. Foram 6,6 milhões de casos prováveis e 6.103 óbitos.

Ele estima que uma alta mais agressiva de casos possa acontecer a partir de março ou apenas nos próximos anos. "Por exemplo, cidades como São Paulo e Belo Horizonte, que registraram números muito altos no ano passado, talvez não tenham uma epidemia tão grande agora. Mas isso não significa que não poderá acontecer em 2026 ou 2027?, afirma.

Julio Croda, infectologista da Fiocruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), diz que é uma "preocupação real" que possa acontecer uma epidemia de dengue parecida com a de 2024 devido à introdução do novo sorotipo. "É natural, depois de tantos anos de baixa circulação desse sorotipo no Brasil, que ele venha se tornar predominante novamente nesta sazonalidade ou na próxima."

Para Spilki, a dimensão que a doença será melhor entendida a partir dos próximos meses, quando historicamente ocorre o pico de casos.

Já Rivaldo Cunha, secretário adjunto da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, antevê um cenário de maior controle. "Na minha opinião pessoal, não teremos nada parecido com as proporções do ano passado", diz.

Segundo ele, tal perspectiva se deve à retomada do trabalho dos agentes de controle de endemias, suspenso durante a pandemia e que ainda estava se restabelecendo até 2023, e o maior engajamento da população para eliminar os focos de Aedes Aegypti após o último surto.

Quais os sintomas?

Os sintomas causados pelo sorotipo 3 da dengue são semelhantes aos dos demais e os casos não são mais graves do que os já conhecidos. "Não é possível diferenciar os sorotipos pelos sintomas, sendo necessário realizar testes moleculares ou sorológicos", destaca Bentancor.

Croda lembra, porém, que o DENV-3 pode causar quadros de maior gravidade em pessoas que já foram infectadas por outros sorotipos do vírus. "Em um cenário onde uma grande parcela da população foi exposta a outro sorotipo, como ocorreu no ano passado, há um risco maior de desenvolvimento de casos graves", destaca.

Essa preocupação também está presente entre as autoridades, como indicou o secretário de Saúde de São Paulo, Eleuses Paiva, em evento realizado nesta quinta-feira, 23.

Cuidado deve ser de todos

Os especialistas ressaltam que o controle da dengue depende do esforço coletivo, envolvendo toda a sociedade. "Não adianta esperar que o Estado, seja em nível municipal, estadual ou federal, cuide do que ocorre dentro de nossas casas. A dengue é uma doença que contraímos em casa, no trabalho ou em áreas muito próximas", diz Nogueira.

Entre as ações recomendadas pelo Ministério da Saúde, estão:

  • uso de telas nas janelas e repelentes em áreas de reconhecida transmissão;
  • remoção de recipientes nos domicílios que possam se transformar em criadouros de mosquitos;
  • vedação dos reservatórios e caixas d'água;
  • desobstrução de calhas, lajes e ralos;
  • participação na fiscalização das ações de prevenção e controle da dengue executadas pelo SUS.

Vacinas

Outra importante medida de prevenção é a vacinação. A vacina contra dengue está disponível nos postos de saúde para crianças e adolescentes 10 a 14 anos, moradores dos municípios pré-selecionados. O imunizante, fabricado pela farmacêutica japonesa Takeda, demonstrou ser eficaz contra os diferentes sorotipos do vírus, reduzindo o agravamento e os riscos de hospitalização pela doença.

A vacina também está disponível na rede particular, que aplica as doses em pessoas de 4 a 60 anos. Os valores por dose giram em torno de R$ 400 em laboratórios e farmácias consultados pela reportagem e são necessárias duas doses para completar o esquema vacinal.

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Vírus da dengue é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti
Foto: Divulgação/Governo de SP / Estadão
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