Secas, enchentes, queimadas e ondas de calor — fenômenos que se tornaram cada vez mais frequentes no Brasil — estão impactando diretamente a saúde física e mental das crianças.
Segundo o Children's Climate Risk Index, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o País possui um risco médio-alto, com mais de 40 milhões de crianças e adolescentes expostos a dois ou mais riscos. "Mais de 8,6 milhões de meninas e meninos brasileiros estão expostos ao risco de falta de água; e mais de 7,3 milhões estão expostos aos riscos decorrentes de enchentes de rios", reporta o órgão no documento Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil, de 2022.
Para orientar famílias sobre como reconhecer e prevenir os riscos climáticos, o Médicos pelo Clima (movimento brasileiro que busca mobilizar a classe médica no combate às mudanças climáticas), em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), lançou recentemente uma cartilha voltada a mães, pais e cuidadores. A relação entre emergência climática e saúde, tema central dessa iniciativa, também estará em debate no Summit Saúde e Bem-Estar - Os desafios de viver mais, promovido pelo Estadão no dia 21 de outubro.
Produzida por profissionais com atuação regional e ampla experiência em pediatria e saúde pública, a cartilha apresenta capítulos que conectam eventos climáticos frequentes em cada região do País a impactos concretos na infância: inundações no Sul; chuvas intensas e altas temperaturas no Sudeste; ondas de calor no Centro-Oeste; secas prolongadas no Nordeste; e queimadas na Amazônia, na Região Norte.
As ondas de calor, por exemplo, podem provocar desidratação, com sintomas como boca seca, choro sem lágrimas, ausência de urina ou urina muito escura, irritabilidade e sonolência. Em crianças menores, o quadro pode deixar a moleira afundada e elevar a temperatura do corpo, ensina a cartilha. Veja mais aqui.
Crianças são mais vulneráveis
Por conta do rápido crescimento e desenvolvimento, as necessidades basais na infância condicionam maior necessidade de oxigênio e nutrientes.
"As crianças consomem mais alimentos, bebem mais líquidos e respiram mais ar por quilo de peso corporal do que os adultos. Nos primeiros 10 anos de vida, inalam, ingerem e absorvem através da pele mais substâncias tóxicas por quilo de peso do que um adulto. Tudo isso somado à menor capacidade de neutralizar, desintoxicar e eliminar contaminantes externos provoca efeitos adversos que serão mais intensos e persistentes", explica Marilyn Urrutia Pereira, do Grupo de Trabalho Saúde Planetária e Saúde Única da SBP.
O pediatra Renato Kfouri, embaixador do Movimento Médicos pelo Clima que colaborou na revisão da cartilha, destaca que, no caso das doenças respiratórias, há uma alteração na sazonalidade dos vírus, que passam a ter atividade, frequência e distribuição diferentes ao longo do ano por conta do clima.
"Doenças alérgicas, como rinite, bronquite, asma e sinusite, também são agravadas, especialmente com queimadas, chuvas fora de época e aumento da poluição. Isso afeta com mais intensidade as crianças que já apresentam um perfil alérgico", diz.
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) aponta que a poluição do ar está associada a boa parte dos casos de pneumonia e de asma em crianças, agravando a mortalidade e a morbidade infantil em contextos vulneráveis.
Além disso, por motivos sociais, muitas crianças vivem em contextos com infraestrutura precária, saneamento insuficiente e moradias suscetíveis a enchentes ou calor extremo.
"Há ainda outras questões importantes", ressalta Kfouri, mencionando a desidratação; o calor extremo; a expansão de doenças transmitidas por vetores, como dengue, chikungunya e zika; e os riscos associados a enchentes, como leptospirose, hepatite A, diarreias, verminoses e acidentes com animais peçonhentos, como aranhas e cobras.
O impacto dos eventos extremos também inclui efeitos psicossociais: desastres ambientais, deslocamentos e a perda de rotina escolar têm provocado aumento de sintomas de ansiedade, regressões comportamentais em crianças pequenas e dificuldade de concentração em sala de aula.
Como proteger as crianças
Entre as recomendações para o cotidiano das famílias estão medidas como manter as crianças hidratadas e abrigadas em locais ventilados durante ondas de calor; evitar exposição à fumaça de queimadas (fechar janelas, reduzir atividades ao ar livre); identificar sinais de desidratação ou insolação e buscar atendimento rápido.
Em relação às estratégias para lidar com os efeitos psicossociais, os especialistas recomendam tentar manter rotinas estáveis mesmo em abrigos ou após desastres (alimentação, sono, brincadeiras); explicar o que ocorreu em linguagem adequada à idade e procurar apoio em postos de saúde, escolas ou grupos comunitários.
Outro ponto é a participação em debates que possam influenciar as políticas públicas. Nesse sentido, o Movimento Médicos pelo Clima vai entregar uma carta de recomendações à presidência da COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), que será realizada em novembro, no Pará, pedindo que a saúde seja tratada como eixo central nas negociações climáticas.
"As políticas públicas voltadas ao clima precisam incorporar a saúde — e, da mesma forma, a área da saúde deve considerar os impactos do clima em suas ações. Já não é possível discutir doenças ou estratégias de cuidado sem reconhecer como as mudanças climáticas afetam a saúde física e mental da população. É necessário um olhar integrado nas discussões públicas e nas decisões de gestão", afirma Kfouri.
O "Summit Saúde e Bem-Estar - Os desafios de viver mais? será realizado no dia 21 de outubro, das 9h às 18h, no Tivoli Mofarrej, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.