Você se lembra de algo que nunca aconteceu? Entenda como surgem as memórias falsas

Pesquisas mostram que o cérebro humano pode criar lembranças distorcidas, capazes de alterar percepções e influenciar decisões

6 nov 2025 - 16h00

Você já jurou que deixou a chave do carro na bancada e, minutos depois, encontrou no fundo da bolsa? A lembrança parecia nítida, mas não era verdadeira. Esse é o terreno das memórias falsas: recordações que soam reais, porém nasceram de distorções, lacunas preenchidas pelo cérebro ou de informações que se misturaram pelo caminho.

As falsas memórias são recordações que parecem reais, mas foram criadas pelo cérebro; entenda como elas surgem e suas consequências
As falsas memórias são recordações que parecem reais, mas foram criadas pelo cérebro; entenda como elas surgem e suas consequências
Foto: Reprodução: Canva/laflor / Bons Fluidos

O que são memórias falsas

São lembranças distorcidas ou fabricadas de um acontecimento. Às vezes surgem do zero (você "lembra" algo que não ocorreu); em outras, partem de um fato real que foi editado: você pegou as chaves, mas as deixou do outro lado da bancada e, ao recordar, "vê" colocando-as no bolso.

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Por que o cérebro cria falsas memórias?

1. Percepção incompleta

A gente não capta todos os detalhes de uma cena. O cérebro, então, preenche as lacunas para dar sentido ao que ficou faltando e pode inventar peças do quebra-cabeça.

2. Interferência durante o evento

Um celular que vibra, uma conversa paralela… estímulos concorrentes bagunçam a gravação do que aconteceu.

3. Informação nova (ambígua ou errada)

Comentários de terceiros depois do fato ("o carro era de cor vibrante") podem colorir a lembrança - e ela vira "o carro vermelho", mesmo que fosse amarelo.

4. Erro de atribuição

Misturamos contextos parecidos: contar um episódio do Natal de dois anos atrás como se fosse do último.

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5. Emoções intensas

Situações muito marcantes geram memórias vívidas, mas os detalhes ficam suspeitos. Ao repetir a história, tendemos a reforçar imprecisões.

6. Teoria do traço difuso

Guardamos uma parte específica (detalhes) e outra global (o sentido geral). Quando prevalece o traço global, cresce o risco de interpretações virarem "fatos".

Como lembranças imprecisas afetam decisões

Memória e decisão caminham juntas. O que guardamos do passado orienta escolhas futuras. E, se a lembrança veio torta, o julgamento sai enviesado. Esse efeito aparece do cotidiano ao consumo (publicidade que evoca recordações) e ao campo social. Vale ressaltar, também, a diferença entre uma memória falsa e uma simples confusão. A diferença é a convicção. Na falsa memória, a pessoa tem certeza do que lembra, mesmo estando errado. Na confusão, há dúvida ("não sei se foi assim…").

O que ajuda a se proteger

  • Anote o que importa (datas, decisões, passos de processos). Registros reduzem lacunas;
  • Cheque fontes diferentes antes de decidir, não se apoie só na primeira lembrança;
  • Reconte com cuidado: ao compartilhar um episódio, separe fatos de interpretações;
  • Pergunte de forma neutra ao ouvir relatos; evite perguntas que sugerem respostas;
  • Pausas e atenção plena: reduzir distrações na hora de "gravar" experiências melhora a fidelidade da memória;
  • Higiene informacional: desconfie de "certezas" que chegaram por terceiros depois do evento.

A memória humana é poderosa, mas falha. Ela organiza a vida, mas também reconstrói histórias. Saber disso não é motivo para desconfiança crônica de si mesmo; é convite para cultivar reflexão crítica, checagem de dados e cuidado no modo como lembramos, contamos e decidimos. Assim, damos menos espaço ao erro e mais à clareza.

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