Com uma escrita irônica, sutil e profundamente analítica, Machado de Assis retratou a sociedade e os conflitos humanos de maneira tão aguda que diversos conceitos da psicanálise, atribuídos a Sigmund Freud, já estavam presentes em sua obra sob outros nomes. Essa é a tese do pesquisador Adelmo Marcos Rossi, autor do livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo". Ele revela como o Bruxo do Cosme Velho criou uma "psicologia conceitual" décadas antes da psicanálise surgir oficialmente.
A partir da análise de romances, contos, crônicas, peças e poemas, Rossi demonstra como Machado estruturou um pensamento sobre o funcionamento da mente e das emoções humanas, antecipando noções do Freud.
Sete indícios dessa genialidade precoce
1. Narcisismo
Desde o conto "Três Tesouros Perdidos" (1858), confirmado na expressão "êmulo de Ovívio" (1859), Machado coloca o narcisismo no centro de suas análises de comportamento. Isso é algo que Freud só incorporaria à psicanálise décadas depois.
2. A "cura pela fala"
Machado já aplicava o princípio de que o sofrimento pode ser elaborado por meio da palavra, ao usar a máxima "Similia similibus curantur" — o mesmo se trata com o mesmo. Esse conceito Freud retomaria como base da psicanálise.
3. Reconhecimento do inconsciente
A expressão "uma sensação vale um raciocínio" indica que os desejos e impulsos ocultos escapam ao controle racional. Assim, antecipa a noção freudiana de que sentimentos inconscientes governam grande parte das ações humanas.
4. Uso de "chistes" e lapsos
Com a petalogia - um conceito machadiano similar ao chiste de Freud - Machado faz ironias e trocadilhos com os quais expõe conteúdos autocensurados, os "atos falhos" ou janelas para o inconsciente.
5. Amor de transferência
Amor de transferência em Freud é a amizade entre os amigos confidentes do mito grego Pílades e Orestes, que Machado importa para sua obra, criando vínculos afetivos que aparecem nas relações entre personagens.
6. Tensão entre desejo e repressão
Seus enredos frequentemente colocam o desejo em conflito com normas sociais e morais, como faria Freud ao discutir a repressão e a formação dos sintomas neuróticos.
7. A literatura como via para a alma
Machado intuía que a arte revelava a psique humana de forma mais completa que a ciência — ideia que o próprio Freud mais tarde reconheceria.
*Fonte: Maria Clara Menezes, da LC Agência de Comunicação