Quais são os dois países que disputam a sede da próxima COP e como o Brasil vai ajudar no impasse

Meses atrás, governo turco propôs ao australiano que compartilhassem a organização da próxima conferência climática da ONU, mas negociação segue aberta

10 nov 2025 - 18h42
(atualizado em 11/11/2025 às 08h25)

ENVIADO ESPECIAL A BELÉM - O governo brasileiro passou a mediar, a partir desta segunda-feira, 10, uma disputa que se arrasta há mais de um ano, entre Austrália e Turquia, para escolha do país-sede da Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2026 (COP-31). Os dois países chegaram a discutir a divisão de papéis, mas não houve acordo até o início da conferência em Belém.

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O embaixador Mauricio Lyrio, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, foi escalado para intermediar o impasse, segundo fontes diplomáticas vinculadas à presidência da COP-30. Lyrio foi embaixador do Brasil na Austrália.

Austrália e Turquia são vizinhos na zona azul da COP-30, com pavilhões de destaque em frente ao do Brasil, mas disputam sediar a COP-31
Austrália e Turquia são vizinhos na zona azul da COP-30, com pavilhões de destaque em frente ao do Brasil, mas disputam sediar a COP-31
Foto: Felipe Frazão/Estadão / Estadão

Até agora, a presidência era exercida pelo Azerbaijão, da COP-29, que também acompanhou e tentou facilitar um entendimento nos últimos meses - em vão. Não houve avanços.

Austrália e Turquia são vizinhos na zona azul da COP-30, com pavilhões em lugar de destaque - em frente ao do Brasil. Se a Austrália teve fila por servir café - uma tradição em COPs -, a Turquia também formou fila por distribuir caligrafia e chá.

Há novas conversas marcadas entre Turquia e Austrália nesta terça-feira, dia 11, e quarta-feira, dia 12, mas diplomatas europeus, brasileiros e azeris, a par das tratativas, dizem considerar improvável uma solução nos próximos dias.

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Os países seguem em negociação e teriam como prazo até o fim da COP-30 para chegar a um consenso. Não há uma data estabelecida, mas os demais governos pressionam nos bastidores por uma decisão. O governo brasileiro quer uma solução até 21 de novembro, data prevista para o fim da conferência no Pará.

Para além da divisão da cúpula climática, diplomatas apontam que há alguns constrangimentos de ordem geopolítica e bloqueios tanto à Austrália quanto à Turquia por parte de terceiros países.

Um embaixador do Azerbaijão disse que, aparentemente, "há mais sensibilidade geopolítica do que pareceia" e que não se trata mais apenas de uma competição".

Nem o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, nem o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, compareceram à cúpula de líderes da COP-30. Um encontro entre eles chegou a ser especulado como forma de resolver a disputa.

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A presidência e a sede das COPs é rotativa e varia entre regiões do mundo que se revezam a cada ano. Os países candidatos devem se organizar e chegar a um consenso interno dentro dos grupos regionais da UNFCCC. Esse grupo vai levar a nação escolhida para a ONU referendar.

Existem cinco grupos: Estados Africanos, Estados da Ásia-Pacífico, Estados do Leste Europeu, Estados Latino-Americanos e Caribenhos e Europa Ocidental e Outros Estados - a próxima presidência cabe exatamente ao último agrupamento.

Em 2025, o Brasil só sedia a COP-30 por ter conseguido apoio dentro dos países latino-americanos e caribenhos.

Austrália e Turquia devem buscar apoio dentro do Grupo da Europa Ocidental e Outros (conhecido pela sigla WEOG). Camberra argumentou ter mais apoios e contar, inclusive, com o suporte oficial dos Estados insulares do Pacífico, com os quais planeja organizar a COP-31.

A Turquia, no entanto, alega que já abriu mão uma vez em prol de Glasgow, na Escócia, e bateu o pé, o que é admitido pelos australianos.

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Por outro lado, as últimas COPs foram realizadas no Egito, nos Emirados Árabes Unidos e, por fim, no Azerbaijão, regiões próximas da Turquia.

Meses atrás, o ministro das Mudanças Climáticas e Energia da Austrália, Chris Bowen, disse que o objetivo da candidatura australiana era "colocar o Pacífico no centro das atenções no cenário mundial" e estender a mão aos países insulares da região.

Não existe um mecanismo de imposição, como uma votação, e um país reconhece a determinação do outro em receber e presidir a COP-31. Austrália e Turquia seguem em busca de uma solução diplomática.

Segundo relato feito ao Estadão, ao menos desde setembro a Turquia propôs e tentou convencer a Austrália a aceitar a divisão da COP-31. Alguns formatos foram propostos. Em um dos cenários, Ancara organizaria a pré-COP e a Cúpula de Líderes, enquanto a Camberra ficaria com a conferência em si. O governo australiano não aceitou.

Mas a questão vai além. Envolve as datas de organização dos eventos, as funções e papéis desenvolvidos por cada governo, no caso de uma COP-31 compartilhada. Na prática, nenhum dos dois quer uma divisão.

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Diversos países avaliam como negativa a ideia de divisão entre sedes dos eventos da COP-31. Muito embora não seja algo inédito. Em 2019, depois que o governo Jair Bolsonaro recusou sediar a COP-25, o Chile assumiu e dividiu a organização com a Espanha - por causa de convulsões sociais em Santiago, o encontro foi realizado em Madri.

Em 2017, a COP-23 foi realizada em Bonn, na Alemanha, mas presidida pelas Ilhas Fiji.

Em 2021, na COP-26 de Glasgow foi hospedada pelo Reino Unido, em parceria com a Itália, que ficou com a pré-COP.

Em 2022, a COP-27 foi promovida pelo Egito, em Sharm El Sheikh, com reuniões prévias na República Democrática do Congo.

O temor de uma autoridade diplomática turca é que, sem acordo, ambos países fiquem sem a COP-31. Ou que a disputa seja resolvida por voto, o que não tem precedentes.

Autoridades australianas chegaram a argumentar que, dos 28 países do grupo, o país teria declaração de apoio de 23 e nenhum contra abertamente, exceto a própria Turquia. Mas o processo de escolha é opaco. Cabe ao grupo chegar a um entendimento, sem prazos, nem processo de votação. Mas não houve ainda o "acordo de cavalheiros" esperado.

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O governo australiano teme que a indecisão, a um ano da COP-31, prejudique a orgnaização e planejamento logístico, para a conferência que gotariam realizar em Adelaide. Integrantes do setor privado e do governo brasileiro tratam a candidatura australiana como a mais forte e já discutem parcerias, mas o martelo não foi batido.

Uma autoridade da presidência brasileira disse que, sem acordo, o Brasil poderia ter de se envolver mais na organização da próxima COP-31, e que, sem sede, o encontro seria hospedado pela Alemanha.

Sem solução por um dos países, nas palavras de um embaixador brasileiro, haveria um "pesadelo".

A sede do UNFCCC, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, fica em Bonn, mas a COP-31 poderia ser realizada em uma cidade com maior estrutura, e não lá.

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