ENVIADAS ESPECIAIS A BELÉM - Um dos principais itens na agenda da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), a adaptação (políticas para diminuir o impacto das catástrofes e outros danos do aquecimento global) enfrenta um impasse na conferência.
Nas salas de negociação, os países discutem parâmetros para medir a adaptação à crise do clima, que compõem a Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês).
Reuniões tensas tiveram divergências quanto aos indicadores e ao prazo para definir a meta global ainda nesta COP. As discordâncias põem no centro do tabuleiro países árabes, africanos e latino-americanos, e têm como pano de fundo o embate recorrente sobre financiamento que opõe países pobres e desenvolvidos.
Neste ano, o bloco das nações ricas tem o desfalque dos Estados Unidos, fora da cúpula por ordem do presidente Donald Trump, um negacionista climático. A União Europeia, tradicional liderança em negociações climáticas, também veio para Belém mais preocupada com as guerras comerciais e pela ofensiva bélica da Rússia sobre a Ucrânia.
"O aumento da mobilização de recursos para adaptação é demanda contínua dos países em desenvolvimento. Os desenvolvidos resistem à criação de compromissos robustos nesse sentido e tentam evitar a inserção de linguagem clara sobre financiamento nos textos de decisão", diz Gaia Hasse, consultora em política internacional climática da LACLIMA.
O impasse nas negociações sobre adaptação já acende o alerta na presidência da COP-30, que vai escalar o vice-ministro do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, Jochen Flasbarth, para atuar como líder e facilitador das negociações sobre adaptação climática. Flasbarth é ator da confiança da presidência e visto como negociador hábil.
A adaptação é um tema-chave para o Brasil e está na lista de prioridades da presidência da COP-30. Em entrevista ao Estadão, o líder da conferência em Belém, André Corrêa do Lago, afirmou que gostaria que a cúpula no Brasil ficasse conhecida como a "COP da adaptação".
O GGA é um compromisso assumido pelos países em 2015 no Acordo de Paris para melhorar a capacidade de adaptação do mundo e tentar reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas. O tema ganhou protagonismo pelos inúmeros eventos extremos que têm ocorrido ao redor do mundo. A perspectiva dos ambientalistas é de que a meta impulsione ações para adaptação nas cidades e o financiamento climático.
Contrárias ao adiamento da meta, organizações civis, como o Instituto Talanoa, entregaram aos negociadores do bloco africano uma carta em uma tentativa de pressioná-los. "A mensagem de Belém deve reafirmar que a adaptação é urgente — as vidas latino-americanas não podem esperar mais dois anos", diz o documento, que reforça a adaptação como prioridade política na COP-30 que deve se materializar em "resultados concretos".
Países africanos
O Grupo Africano de Negociadores - justamente quem propôs o GGA em 2013 - tem defendido estender o trabalho técnico por mais dois anos e postergar a decisão final para 2027, o que preocupa parte dos países e observadores que veem nesse movimento risco de enfraquecimento da ambição e de atraso na definição de metas concretas de adaptação. A expectativa é de que as discussões em torno do tema se estendam até sábado.
Os africanos têm se mostrado descontentes com os indicadores apresentados, argumentam que alguns não estão claros e precisam de maior refinamento.
Conforme negociadores ouvidos pelo Estadão, os países africanos temem que os indicadores estabelecidos sejam de alguma forma vinculados ao financiamento para adaptação às mudanças climáticas. Devido a isso, temem que a definição de parâmetros possa servir como uma "armadilha" para apontar o dedo para esses países e negar transferência de recursos.
América Latina
Para países latino-americanos, no entanto, é determinante que a definição da nova meta seja feita em Belém e não em prazo de dois anos. Há uma percepção dos países da região de que seria importante a entrega de um pacote robusto para a adaptação climática pela COP que ocorre no continente.
Um dos motivos para essa posição é que a região sofre constantemente com eventos extremos. É o caso do Brasil, que nos últimos anos, enfrentou chuvas no Rio Grande do Sul, secas na Amazônia e, mais recentemente, o tornado no Paraná.
Países árabes
Outro grupo que oferece obstáculos à negociação são os países árabes. Segundo fontes que acompanham a negociação, nas últimas conferências os árabes têm utilizado o debate sobre adaptação como uma espécie de "moeda de troca" para barganhar em outros tópicos de interesse dessas nações, como em pautas relacionadas à mitigação, que envolve a redução de emissões, e a transição energética.
Grandes produtores de petróleo, os árabes travam recorrentemente as negociações que têm algum tipo de impacto no uso de combustíveis fósseis, principal vilão do aquecimento global.
Historicamente, também costumam se opor a menções que envolvam questões de gênero, mas, segundo observadores, até o momento tem se mostrado mais flexíveis que os países africanos em relação à conclusão dos indicadores neste ano.
Dinheiro para a adaptação
Países em desenvolvimento têm procurado incluir menção ao financiamento no texto sobre a Meta Global de Adaptação, por não querer dissociar o debate sobre os indicadores do problema de como as ações de adaptação serão custeadas pelos países. Nesse aspecto, os blocos de países africanos e latino-americanos têm concordado, fazendo coro à demanda de triplicar o financiamento para adaptação até 2030.
Nações desenvolvidas se opõem, argumentando que a discussão sobre o financiamento para adaptação deve ser colocada em outra esfera.
O regime de clima da ONU estabelece que nações ricas, com maior responsabilidade sobre o aquecimento global, devem financiar medidas para que os países pobres consigam atravessar a crise climática.
O tema já havia emperrado a negociação em Bonn, na Alemanha, durante as reuniões preparatórias para a COP em junho. Na ocasião, os países desenvolvidos acabaram aceitando discutir os chamados "meios de implementação", que envolvem o aporte de recursos.