F1: A lógica torta da Ferrari com Leclerc em Silverstone

Em uma chance de ouro para ganhar terreno em relação à Red Bull, a Ferrari acaba deixando Leclerc ao relento, embora tenha vencido.

4 jul 2022 - 14h53
(atualizado às 15h02)
Leclerc e Binotto; mais uma vez, a Ferrari pisca no momento decisivo
Leclerc e Binotto; mais uma vez, a Ferrari pisca no momento decisivo
Foto: Ferrari / Divulgação

Antes de começar, esta não é uma coluna para “passar pano” para a Ferrari. Mas é uma forma de tentar entender a lógica que foi usada pela equipe para tratar a corrida de Charles Leclerc em Silverstone. Usando um paralelo com o futebol, os italianos perderam um gol com ninguém a frente.

Se Cristo foi negado na cruz três vezes, a Ferrari negou Leclerc duas em Silverstone. Vamos entender.

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Após a relargada por conta do acidente de Zhou, ficou claro que a Ferrari tinha possibilidades de se bater com a Red Bull e que Leclerc estava em um ritmo melhor do que Sainz, mesmo com o bico prejudicado pelo toque com Perez. Mas com todos usando o mesmo jogo de pneus (Verstappen aproveitou a bandeira vermelha para calçar médios, que já havia largado antes de macios), um ponto fraco da Ferrari voltou a aparecer: a gestão de pneus.

Tão logo o pneu da Red Bull entrou na fase ótima de funcionamento, Verstappen acelerou o passo e jantou Sainz. Se não tivesse sido a peça da AlphaTauri estragado o fundo do carro, poderíamos ter visto mais um passeio do holandês. Mas na volta 12, uma janela de oportunidade se abria: A Red Bull #1 afundava como pedra na classificação. Sainz na frente e Leclerc em segundo. Perez vinha escalando o pelotão, mas ainda atrás. Para o campeonato de pilotos e construtores, uma chance de ouro.

Mesmo com o bico quebrado, Leclerc vinha em um ritmo melhor do que seu companheiro. E não foram poucos os pedidos para que a ordem de troca viesse. Pacientemente, a Ferrari pedia para que o monegasco aguardasse. Afinal, uma troca poderia ser feita quando da parada nos boxes, que estava próxima. E uma ameaça vinha se configurando, que até agora na temporada não incomodava: a Mercedes de Hamilton.

Em uma forma não vista até aqui, o inglês ia se aproximando das Ferrari pouco a pouco. Então de maneira a se proteger, os italianos orientaram seus pilotos a manter as posições e usar de jogo de vácuo e despejo de energia do DRS para se segurar à frente. Mas a Mercedes tinha um ótimo ritmo com os pneus médios. Na sexta, os engenheiros do time viam que não conseguiriam andar bem nos treinos. Porém na corrida, poderiam andar junto de Red Bull e Ferrari. O tempo mais fresco e a dificuldade de esquentar os pneus acabaram jogando a favor neste momento.

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Tanto que Sainz entrou nos boxes na volta 21 e colocou o jogo de duros para ir até o final. Leclerc fez o mesmo 4 voltas depois e optou por não trocar o bico defeituoso.  E a troca foi feita. Neste momento, Hamilton assumia a liderança e impunha um ritmo muito satisfatório. Mas não de modo a conseguir ultrapassar as Ferrari quando fizesse sua parada. Para pensar em voltar na frente, teria que conseguir abrir pelo menos 21 segundos. O máximo que conseguiu foi 19. E estava na casa de 18 segundos quando fez sua parada na volta 34. Voltaria colado em Leclerc e com pneus mais novos (9 voltas de diferença).

Mas a Mercedes titubeou e Hamilton voltou em terceiro, mas mais distante. O respiro viria. Só que Ocon parou sua Alpine na antiga reta dos boxes na volta 38 e chegou a vez da Ferrari negar a Leclerc pela segunda vez.

Faltavam cerca 13 voltas para terminar a corrida. Os pneus duros estavam rendendo bem. Entrar ou não para trocar? Os pneus macios poderiam ser uma boa escolha. Embora tenham mostrado na sexta que a sua duração era muito baixa, o domingo estava mais fresco, o que permitiria lidar com o estado e fazer durar até o final. Pneus médios? Só se fosse usado.

Leclerc perguntou à equipe se entrariam para trocar pneus. Os boxes estavam abertos. E veio a voz do pit: fique na pista. Mas logo a seguir, Sainz e Hamilton vieram e colocaram macios. Perez, que vinha das profundezas do pelotão, também se aproveitou.

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Qual a lógica da Ferrari para manter Leclerc na pista? Embora aquele Carro de Segurança não ficasse muito tempo na pista, faltariam poucas voltas. O pneu macio teria um bom desempenho por algumas voltas, mas logo perderia ritmo (o famoso “penhasco”, quando o pneu entra na fase crítica de andamento). Então, mesmo com um pneu de 14 voltas, a diferença entre não seria grande os compostos e Leclerc conseguiria se segurar. Chamar Sainz seria uma forma de se segurar diante de Hamilton e Perez e ganhar a prova.

Tem lógica, correto? Com os dados disponíveis em mãos, aparenta ser algo viável. Mas com a perspectiva de tirar uma bela diferença nos campeonatos de pilotos e construtores, fazer este movimento acabou sendo equivocado e Leclerc acabou sendo escalado por quem estava atrás dele. E quase foi superado por Alonso. A quarta colocação foi um verdadeiro banho de água fria.

Ok, poderão dizer que Sainz vencendo tem seus pontos positivos. Afinal, é uma pressão se tira dos ombros quando se vence pela primeira vez e uma grande injeção de animo para um piloto que vinha sendo questionado. Só que faltou visão a Ferrari neste momento. Faltam muitas corridas para o fim? Sim! Mas detalhes fazem a diferença e os italianos vão deixando passar.

Fazendo uma análise fria, só em erros de estratégia, a Ferrari deixou de marcar 26 pontos com Leclerc. Nem se conta os problemas de confiabilidade. Mas nisso, já deixaria o monegasco pelo menos na vice-liderança. A Ferrari tem um ótimo carro nas mãos, cresceu muito em termos técnicos e organizacionais nos últimos anos, mas está pecando nos detalhes para fazer a diferença. A Red Bull está calejada pelas brigas dos últimos anos e tem sido extremamente mortal. Contra um touro deste, não se pode piscar os olhos.

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Foto: Ferrari / Divulgação
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