O pedaço do RS que não reelege governador

Desde 1998, um total de 44 municípios mantiveram tradição gaúcha; neste ano, Eduardo Leite tenta um novo mandato

14 ago 2022 - 05h11
(atualizado em 15/8/2022 às 18h36)

O Rio Grande do Sul colocará à prova novamente neste ano uma marca curiosa que ostenta nas eleições: a de ser o único Estado que nunca reelegeu um governador. A tradição, porém, não é unânime entre os municípios. Levantamento do Estadão aponta que 44 cidades, de um total de 437, sempre optam pela troca de governo desde 1998, quando o segundo mandato se tornou permitido no País.

Uma das cidades da lista é Pelotas, onde nasceu o desafiante da vez, o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) - eleito em 2018, ele renunciou em março deste ano para tentar uma candidatura à Presidência, mas vai tentar a reeleição após ter a opção nacional frustrada. Leite espera ter um desempenho melhor do que o da colega de partido Yeda Crusius, em 2010. Com baixa votação em grandes colégios eleitorais, como Porto Alegre, e preferência em apenas 13 cidades, a então governadora viu a população gaúcha eleger Tarso Genro (PT) no primeiro turno, fato inédito até então.

Publicidade
Leite espera ter um desempenho melhor do que o da colega de partido Yeda Crusius, em 2010. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 5/1/2017

O levantamento do Estadão usou dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp/FGV) e comparou os resultados da votação para governador em cada município, de 1998 a 2018.

A maioria das comparações se deu com os resultados do segundo turno. As exceções foram 2006 e 2010. No primeiro caso, o então governador, Germano Rigotto (MDB), não conseguiu avançar para a segunda etapa, e a eleição seguinte foi decidida no primeiro turno. A reportagem também considerou Tarso Genro (PT) como o candidato governista em 2002 - o então prefeito de Porto Alegre derrotou o então governador, Olívio Dutra (PT), nas prévias do partido.

Pelo levantamento, 38 municípios gaúchos sempre negaram a continuidade do governo, seja ele qual fosse, desde 1998. Outras seis cidades têm emancipação mais recente e, por isso, os dados se referem apenas às cinco últimas eleições, mas mostraram a mesma tendência. O estudo revela ainda que a maioria das cidades que sempre votaram contra o governador tem menos de 50 mil habitantes. Mas há na lista três que, como Pelotas, possuem mais de 120 mil habitantes e estão entre os maiores municípios do Estado. São eles Viamão, Santa Maria e Uruguaiana (veja quadro).

São diversas as hipóteses para explicar o fato de os gaúchos nunca reelegerem governador. O professor de Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Carlos Alfredo Gadea disse que a própria formação política do Estado favorece a ideia de que a gestão deve ser limitada.

Publicidade

Ele citou como exemplo o Pacto de Pedras Altas, que reformou a Constituição gaúcha e proibiu a reeleição a partir de 1928. A mudança ocorreu como forma de pacificar um conflito armado entre republicanos e federalistas, deflagrado com a Revolução de 1923, quando a oposição contestou o resultado da eleição. "De alguma forma, dentro do DNA do eleitor gaúcho, há essa ideia de que o governante não deveria ser reeleito."

Rodrigo González, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entende que a excepcionalidade se deve ao cenário específico de cada eleição e à dificuldade do partido governista em reeditar alianças. Além de PT e PSDB, MDB e PP são forças expressivas no Estado, sobretudo no interior, onde o apoio dos prefeitos pode ser decisivo.

"Dificilmente um governador que tenha sido eleito com uma aliança ampla no segundo turno consegue que os mesmos partidos apoiem a sua reeleição", analisa González. Até mesmo ex-secretários que compuseram o governo podem se tornar opositores nas urnas, o que acaba fragilizando a candidatura.

Soma-se a isso o fato de que o Rio Grande do Sul está há anos em dificuldade financeira, que chegou ao ponto mais grave com o atraso do pagamento do funcionalismo na gestão de José Ivo Sartori. "Esse desequilíbrio fiscal faz com que o governador tenha muito pouco espaço para investimento."

Publicidade

González acredita que Eduardo Leite seria um candidato forte para quebrar a escrita este ano, à medida que os partidos de esquerda têm encontrado dificuldade para emplacar nomes e o tucano apresenta condições de se mostrar como uma alternativa moderada contra um candidato bolsonarista no segundo turno. Por outro lado, ao flertar com a possibilidade de uma chapa presidencial, Leite começa tarde a campanha.

Gadea também avalia que a movimentação frustrada de Leite nas prévias do PSDB pode custar votos, porque também parece existir no imaginário da população gaúcha uma certa rivalidade com o poder central, pois dificilmente os governos estadual e federal se alinham com políticos do mesmo partido. "Do ponto de vista simbólico, o passo que Leite quis dar foi um tiro no pé. Quase como uma traição, não foi nada bem visto", afirma.

TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se