Prédio desaba em Miami: o que pode ter provocado queda

Informações veiculadas pela imprensa local apontam que entre moradores havia artistas, familiares de políticos, médicos renomados e membros da comunidade judaica da Flórida.

25 jun 2021 - 07h28

"Esse tipo de coisa não acontece nos Estados Unidos", repetia Charles Burkett, prefeito de Surfside, cidade do condado de Miami Dade, poucas horas depois de um edifício residencial desabar parcialmente na madrugada de quinta-feira (24/06).

Segundo autoridades locais, pelo menos uma pessoa morreu, várias ficaram feridas e 99 estão desaparecidas.

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À medida que as equipes de resgate avançam com as buscas, autoridades e especialistas começaram a ponderar as possíveis causas do desastre em um condado onde os padrões de construção estão entre os mais rígidos dos EUA em razão de furacões.

Segundo o prefeito disse à imprensa local, a queda do prédio "era menos provável do que um raio".

Ainda não está claro no momento o que poderia estar por trás do desmoronamento, mas há hipóteses sob investigação, como eventuais problemas na fundação do prédio e movimentações no solo.

antes e depois do desabamento
antes e depois do desabamento
Foto: BBC News Brasil

"É muito cedo para estabelecer qual foi a causa do colapso. Não devemos nos apressar em concluir nada e deixar as autoridades finalizarem suas investigações", diz Atorod Azizinamini, professor de Engenharia Civil e diretor da Escola de Construção de Moss, Infraestrutura e Sustentabilidade da Universidade Internacional da Flórida (FIU, na sigla em inglês), em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias da BBC em espanhol.

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Segundo o especialista, pode levar meses ou até anos para se chegar a uma resposta conclusiva.

Veja abaixo o que se sabe até o momento.

O edifício

As Chaplain Towers formam um condomínio de 12 andares e 100 apartamentos à beira-mar ao norte de Miami Beach.

Segundo levantamento da BBC News Mundo em sites imobiliários da cidade, os apartamentos tinham valor de mercado entre US$ 600 mil a US$ 700 mil (de R$ 3 milhões a R$ 3,5 milhões). Mas havia um apartamento no último andar com três quartos e piso de mármore que estava à venda em maio por quase US$ 3 milhões (cerca de R$ 15 milhões).

Informações veiculadas pela mídia local apontam que entre os moradores havia artistas, familiares de políticos, médicos renomados e membros da comunidade judaica da Flórida.

As autoridades brasileiras não têm conhecimento de nenhum brasileiro entre as vítimas ou desaparecidos.

No Twitter, a apresentadora de TV Joana Treptow, da Band, afirmou que o pai dela morava há quase 20 anos no prédio e foi resgatado, junto com a esposa: "graças a Deus a minha família foi resgatada. o meu pai, a esposa dele e a cachorra estão bem. um milagre".

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Em busca das causas

A construção do edifício foi concluída em 1981, segundo dados oficiais da cidade.

Como a regulamentação em vigor estabelece que as construções desse tipo devem passar por fiscalização aos 40 anos para garantir sua habitabilidade, o prédio estava em obras para poder ser fiscalizado por especialistas e obter sua recertificação, segundo autoridades locais.

"O trabalho estava sendo feito no prédio para atender ao padrão de 40 anos. Isso é algo que foi implementado não apenas para o condado, mas para todos os municípios e temos um código de construção rígido desde o furacão Andrew para atualizações e melhorias", afirmou Sally Heyman, inspetora do condado de Miami-Dade.

Azizinamini, por sua vez, considera que esse período de tempo nem sempre é adequado para todas as construções.

"Sou da opinião de que determinados edifícios, localizados em determinados locais, precisam de ser fiscalizados de forma mais frequente, permitindo que sejam tomadas medidas oportunas, se necessárias."

Autoridades brasileiras não têm conhecimento de nenhum brasileiro entre as vítimas do desabamento
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um estudo publicado em 2020 por especialistas da Universidade Internacional da Flórida (FIU) apontou que na década de 1990 a área onde o prédio está localizado estava afundando a uma taxa de 2 milímetros por ano. A descoberta foi descrita à época como "alarmante".

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O estudo não foi realizado com o objetivo de determinar a resistência do edifício, mas como parte de um projeto para identificar quais partes de Miami podem ser mais afetadas pelo aumento do nível do mar e inundações costeiras, segundo reportagem do jornal Miami Herald.

"Foi um subproduto da análise dos dados. Vimos que esse prédio tinha algum tipo de movimento incomum", disse Shimon Wdowinski, professor do Departamento de Terras e Meio Ambiente da FIU, à imprensa local.

Em entrevista a diversos jornalistas na tarde de quinta-feira, as autoridades de Miami se recusaram a responder a uma pergunta sobre o suposto afundamento do edifício.

Um estudo de 2016 da Universidade de Miami e da Universidade de Pádua, na Itália, concluiu que partes da ilha de Miami Beach, ao norte da qual Surfside está localizada, estão afundando a uma taxa anual de 2 a 3 milímetros, aproximadamente a mesma espessura de uma moeda.

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Nos últimos 80 anos, estima o estudo, algumas residências podem ter afundado de 15 a 20 centímetros.

Não se sabe, porém, se esse tipo de fenômeno pode ter relação ou não com o desabamento parcial das Chaplain Towers.

Outras pistas

Segundo o prefeito de Surfside, o prédio estava passando por manutenção no telhado, mas não aponta a eventual relação entre essas obras e o desabamento.

Ele afirmou não conseguir imaginar nenhum motivo para a tragédia, mas aventou a possibilidade de uma cratera embaixo do edifício ou algum problema na fundação.

Um corretor de imóveis que vende propriedades no prédio disse ao jornal Miami Herald que o complexo Chaplain Towers estava "em boas condições" e que "os reparos estavam apenas começando" para a nova certificação.

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Segundo o jornal, a associação de moradores contratou recentemente um engenheiro para fazer as mudanças estruturais e no sistema elétrico necessárias para obter a nova licença, mas as obras ainda estavam por começar.

Peter Dyga, presidente e CEO da Associação de Construtores e Empreiteiros da Costa Leste da Flórida, disse à afiliada local da emissora CBS que provavelmente há uma conjunção de "múltiplos fatores" por trás do que aconteceu e que levará anos para determinar o que ocorrido.

Operação de resgate busca sobreviventes nos escombros de um edifício residencial de 12 andares que desabou parcialmente em Miami-Dade
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Provavelmente haverá várias coisas que contribuíram. Isso simplesmente não acontece sem a simultaneidade de várias coisas que se juntam para tornar isso uma tragédia. Sabe-se lá o que serão essas coisas", afirmou.

E acrescentou: "Como disse o prefeito, não sabemos se existe uma cratera ou movimentação no solo, por exemplo".

Arquitetos entrevistados pela emissora CNN disseram que estavam ocorrendo obras de construção na área que também podem ter afetado o solo.

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Como tradicionalmente acontece no fim da primavera e início do verão, fortes chuvas foram registradas na área de Miami-Dade e as autoridades alertaram que muitas áreas do solo estão saturadas de água.

A costa da Flórida, com terreno poroso e permeável, está entre as mais afetadas no país pelas mudanças climáticas. Ali, há áreas que são frequentemente inundadas pela elevação do mar.

Como descobrir o que aconteceu?

Segundo Azizinamini, da FIU, em situações como essa os engenheiros estruturais reúnem todas as informações disponíveis para, em seguida, fazer uma análise numérica detalhada e simular o desabamento do edifício em diferentes cenários.

"Uma vez que o resultado corresponda à observação visual, como o vídeo que mostra o desabamento do prédio, eles podem tirar conclusões sobre as causas da queda."

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A polícia de Miami Beach tuitou uma foto do prédio desabado
Foto: Miami Beach Police / BBC News Brasil

Esse tipo de investigação envolve, segundo o especialista, observar os cálculos do projeto, revisar o código de construção e apontamentos, tirar amostras do material usado (aço e concreto), inspecionar as fundações, observar as grandes peças da construção que falharam, entrevistar os moradores e coletar todas as outras informações disponíveis.

"É no fim dessa investigação, que pode levar meses, que se chega aos motivos do desmoronamento."

O especialista ressalta que, após serem determinadas as causas, o passo seguinte é analisar as políticas públicas e normais vigentes e discutir se mudanças devem ser feitas.

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