O que Al-Qaeda e Estado Islâmico têm a ver com o golpe em Burkina Faso

A tomada do poder por militares, causada pela insegurança no país, lembra o que aconteceu no Mali, nação vizinha ameaçada pelo extremismo islâmico.

26 jan 2022 - 09h49
Parte dos moradores da capital, Ouagadougou, apoiou o golpe em Burkina Faso
Parte dos moradores da capital, Ouagadougou, apoiou o golpe em Burkina Faso
Foto: AFP / BBC News Brasil

A tomada do poder em Burkina Faso por militares é preocupante, mas não inesperada.

A derrubada do presidente Roch Kaboré é o quarto golpe de Estado na África Ocidental nos últimos 17 meses.

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Nesse período, o vizinho Mali enfrentou duas intervenções militares, alimentadas por preocupações sobre a incapacidade do governo de lidar com uma crescente violência de militantes islamistas.

A ameaça islamista é realmente grave?

Como no Mali, a derrubada do chefe de governo foi provocada por um crescente descontentamento entre as forças de segurança sobre a alegada incapacidade de Roch Kaboré de apoiá-las contra militantes ligados tanto à Al-Qaeda como ao grupo conhecido como Estado Islâmico.

No domingo, dia 23 de janeiro, motins foram relatados em vários campos militares, na capital de Burkina Faso, Ouagadougou, e nas cidades de Kaya e Ouahigouya, no norte. Os levantes ocorreram após meses de protestos contra o governo pedindo a renúncia do presidente.

Ataques de militantes, iniciados em 2015, já mataram mais de 2 mil pessoas no país e forçaram 1,5 milhão de pessoas a deixar suas casas, segundo estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas). Escolas têm sido fechadas em grandes áreas de Burkina Faso devido à falta de segurança.

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A confiança da população na condução da crise de segurança pelo presidente despencou depois de um ataque na vila de Solhan, no norte do país, em junho de 2021. Mais de cem pessoas foram mortas na ação, que teria sido realizada por militantes extremistas vindos do Mali.

O ataque em Solhan levou aos protestos da oposição na capital, forçando Kaboré a remanejar cargos em seu governo e indicar a si mesmo como ministro da Defesa.

A ação contra o presidente de Burkina Faso deixou vários veículos com marcas de tiros
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Entretanto, um outro ataque também no norte, contra a base militar de Inata, em novembro de 2021, fez aumentar a insatisfação com o governo.

Mais de 50 integrantes das forças de segurança foram mortos na ação. Também surgiram relatos de que a base enviara uma mensagem pedindo ajuda, solicitando alimentos e equipamento adicional, duas semanas antes do ataque. Os suprimentos solicitados nunca chegaram.

O presidente então desfez seu gabinete e nomeou novos primeiro-ministro e ministro da Defesa, antes de iniciar negociações de reconciliação nacional com a oposição.

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Como a violência extremista se espalhou?

Apesar da volatilidade política e de segurança na África Ocidental, Burkina Faso desfrutava de uma frágil estabilidade, até que um levante popular em 2014 derrubou o presidente Blaise Compaoré, que governava havia 27 anos.

Uma tentativa de golpe em 2015 deixou as Forças Armadas profundamente divididas. Kaboré foi eleito pela primeira vez naquele ano, com a promessa de reunificar do país.

No entanto, militantes vindo do vizinho Mali - onde uma insurgência separatista em 2012 foi usada por jihadistas para avançarem no país - realizaram um ataque na capital de Burkina Faso, enquanto Kaboré se preparava para assumir o governo.

Grupos armados aproveitaram-se da fraca situação de segurança nas expostas fronteiras do país para realizar mais ataques e aumentar sua presença. Jihadistas também alimentaram tensões sectárias entre as comunidades cristã e muçulmana de Burkina Faso.

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Os militantes aproveitaram a fraca presença do Estado e a falta de apoio humanitário, que deixaram comunidades vulneráveis tanto a ataques como a recrutamento para grupos extremistas.

A participação política da população também tem sido enfraquecida pela presença de militantes islamistas no país. Em 2020, eleitores que haviam deixado suas casas em partes do norte e do leste do país não puderam participar do pleito presidencial, em que Kaboré foi reeleito, com 58% dos votos.

A pressão dos militantes sobre as comunidades levou a um aumento ainda maior da insatisfação pública com o presidente durante seu segundo mandato no cargo.

Quais os paralelos com o Mali?

Há temores de que um certo padrão esteja surgindo na região. O processo interno que levou ao golpe militar em Burkina Faso exibe semelhanças com o que aconteceu no Mali antes de seu próprio recente levante militar, em agosto de 2020.

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Uma série de ataques mortais contra alvos militares e civis foi seguida de grandes manifestações, causadas por uma crescente falta de confiança no governo e no então presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita.

Em Burkina Faso, o principal líder da oposição, Eddie Komboigo, tentou se aproveitar do descontentamento público com a segurança para alimentar a fúria popular. Mas, apesar de no Mali a população ter apoiado amplamente o golpe militar, em Burkina Faso os cidadãos podem temer ainda mais instabilidade com o Exército no poder.

Existe um sentimento antiFrança?

Tanto Mali como Burkina Faso foram colônias francesas, e a França continuou mantendo laços econômicos e na área de segurança com os dois países até bem depois de suas independências.

Como no Mali, as forças de segurança de Burkina Faso dependem do apoio da França, que enviou 5.100 soldados para a região no que foi chamado de Operação Barkhane. A operação foi iniciada com o envio de tropas por Paris, a pedido do Mali, para impedir que jihadistas chegassem à capital do país, Bamako, em 2013.

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Apoiada pela população local inicialmente, a operação francesa na região foi aos poucos perdendo suporte popular, com a deterioração da situação de segurança.

Em dezembro, em Burkina Faso, moradores da cidade de Kaya bloquearam um comboio militar francês que levava suprimentos ao Exército local e acusaram as forças da Operação Barkhane de atuar juntamente com jihadistas.

A França acabou sendo forçada a se regirar da região do Sahel, que engloba os dois países, numa disputa diplomática com o Mali que levou à saída de quase metade do contingente francês.

O vácuo de segurança pode ser explorado por jihadistas, enquanto a persistente instabilidade pode enfraquecer a cooperação em defesa no que é chamada de força G5 Sahel e inclui tropas de Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Niger.

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O Mali tem conversado com a Rússia para preencher a lacuna na área de segurança, mas os parceiros do Sahel, incluindo Burkina Faso, se opõem claramente a essa movimentação controversa.

A região deve se preocupar?

O golpe em Burkina Faso sugere que aqueles que defendem a derrubada de governo por meio da força não estão preocupados com a reação do grupo regional da África Ocidental, o Ecowas (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental). Sanções impostas recentemente contra Mali e Guiné, onde houve um golpe de Estado em setembro, não conseguiram conter as ações dos militares.

O presidente do vizinho Níger, Mohamed Bazoum, começou o ano de 2021 de forma turbulenta, com uma tentativa de golpe em meio a um quadro de ataques fatais contra civis e o Exército.

Bazoum tem sido um duro crítico da situação política no Mali e seu potencial impacto no moral das forças de defesa da região. Ele tem tentado conter qualquer tipo de descontentamento militar com visitas a tropas do país em regiões voláteis, o que parece ter funcionado até agora.

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A instabilidade no Mali e em Burkina Faso também tem gerado preocupações com a segurança na Costa do Marfim, vizinha dos dois país ao sul. Desde junho de 2020, foram registrados ataques de jihadistas no país, contra forças de segurança.

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