Historiadora revela como a Tunísia virou base estratégica da flotilha humanitária para Gaza

Nos últimos meses, a Tunísia voltou a chamar atenção internacional ao se tornar ponto de partida da flotilha humanitária rumo a Gaza e da caravana terrestre organizada em julho. Para a historiadora tunisiana Sophie Bessis, esse envolvimento não é novidade. "Esse apoio tem uma longa história", afirmou à RFI, analisando como seu país equilibra seu compromisso com a Palestina e os desafios impostos pela geopolítica internacional.

15 set 2025 - 14h49

Nos últimos meses, a Tunísia voltou a chamar atenção internacional ao se tornar ponto de partida da flotilha humanitária rumo a Gaza e da caravana terrestre organizada em julho. Para a historiadora tunisiana Sophie Bessis, esse envolvimento não é novidade. "Esse apoio tem uma longa história", afirmou à RFI, analisando como seu país equilibra seu compromisso com a Palestina e os desafios impostos pela geopolítica internacional. 

Um barco integrante da flotilha mundial Sumud parte rumo a Gaza para levar ajuda humanitária, apesar do bloqueio israelense ao território palestino, no porto tunisiano de Bizerte, no sábado, 13 de setembro de 2025.
Um barco integrante da flotilha mundial Sumud parte rumo a Gaza para levar ajuda humanitária, apesar do bloqueio israelense ao território palestino, no porto tunisiano de Bizerte, no sábado, 13 de setembro de 2025.
Foto: AP - Anis Mili / RFI

Reconhecida por abrigar a sede da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) por mais de uma década, a Tunísia mantém um posicionamento constante em defesa da Palestina — inclusive sob o governo de Kais Saied, cuja posse em 2019 foi marcada pela presença da bandeira palestina. Mas a historiadora Sophie Bessis alerta: "Trata-se essencialmente de uma postura retórica. Politicamente, não há ações específicas."

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Os portos tunisianos de Sid Bous Saïd e Bizerte tornaram-se, recentemente, pontos estratégicos de concentração para a flotilha humanitária com destino a Gaza. Em julho passado, a Tunísia também foi o ponto de partida da grande caravana terrestre em apoio ao povo palestino. Para muitos, esse protagonismo pode parecer surpreendente, mas para Bessis, trata-se de uma continuidade histórica.

"Esse apoio à causa palestina tem uma longa história na Tunísia, que realmente começa a partir da Primeira Guerra Israelo-Árabe de 1948", explica a historiadora. Segundo Bessis, entre dois a três mil tunisianos tentaram se juntar à frente árabe naquela guerra, revelando que "a história desse apoio à Palestina não é de hoje".

Apoio à Palestina

A Tunísia foi também um dos primeiros países a reconhecer a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) como representante legítimo do povo palestino, em 1974. E em 1982, após o cerco de Beirute pelo exército israelense, acolheu a sede da OLP, que permaneceu no país até os Acordos de Oslo, em 1993.

Bessis destaca ainda que o presidente tunisiano Habid Bourguiba teve uma postura original já em 1965, ao visitar o Oriente Médio e defender negociações, mesmo mantendo uma posição favorável ao povo palestino. "A Tunísia realmente se envolveu na questão de diferentes maneiras, mas sempre em apoio à causa palestina", reforça.

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Esse envolvimento, no entanto, não foi isento de consequências. "Israel atacou a sede da OLP, que ficava na periferia sul de Túnis, bombardeou essa sede e também assassinou um líder palestino que residia na Tunísia", recorda a historiadora. Para ela, esses episódios mostram que "há, de fato, por parte da grande maioria dos tunisianos, uma sensibilidade particular à causa palestina".

Retórica oficial e limites diplomáticos

Desde que assumiu o poder em 2019, o presidente Kais Saied tem mantido uma retórica firme em defesa da Palestina. "A posse do presidente Kais Saied ocorreu também sob a sombra da bandeira palestina", observa Bessis. No entanto, ela aponta uma contradição. O presidente Kais Saied mantém um discurso firme em defesa da Palestina, mas, segundo Bessis, falta "ação concreta".

Parece que se trata essencialmente de uma postura e de uma posição retórica, pois, politicamente, não há ações específicas em favor da causa palestina, declarou Sophie Bessis à RFI.

Essa distância entre discurso e prática ficou evidente recentemente, quando dois drones atacaram a frota humanitária no porto de Sid Bous Saïd. "As autoridades tunisianas, num primeiro momento, antes de se calarem, negaram a existência desse ataque", relata Bessis. Para ela, o silêncio oficial reflete uma cautela diplomática. "Mesmo que o chefe de Estado denuncie constantemente as interferências estrangeiras, isso não impede as boas relações da Tunísia com os Estados Unidos, inclusive no plano militar."

A historiadora é clara ao afirmar que "as autoridades tunisianas não têm nenhuma vontade de provocar a ira dos Estados Unidos sobre este assunto". E acrescenta: "É difícil para um regime autoritário reconhecer que se pode ser vulnerável a esse tipo de ataque."

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Segundo ela, regimes com discurso soberanista, como o tunisiano, "se apresentam como invulneráveis às influências estrangeiras", mas, na prática, "a Tunísia é um país pequeno no plano regional e não tem nenhuma vontade de se indispor com a primeira potência mundial".

Bessis conclui lembrando que "o exército tunisiano tem laços estreitos com seus homólogos norte-americanos" e que "os Estados Unidos continuam hoje a treinar oficiais do exército tunisiano". A cooperação militar entre os dois países, segundo ela, "não parou".

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