A poucos dias das cerimônias que marcam os dez anos dos atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris e Saint-Denis, Salah Abdeslam, único membro vivo dos comandos jihadistas que mataram 130 pessoas naquela noite, sinalizou interesse em participar de um processo de justiça restaurativa. A proposta foi revelada nesta terça-feira (11) por sua advogada, Olivia Ronen, em entrevista à rádio Franceinfo.
Segundo Ronen, Abdeslam deseja "abrir uma porta às partes civis", oferecendo a possibilidade de diálogo sobre sua detenção e o julgamento que o condenou à prisão perpétua sem possibilidade de redução de pena. "É uma pessoa que tenta estudar, que pediu desculpas às vítimas durante o processo e que gostaria de conversar, se elas quiserem", afirmou a advogada.
A iniciativa não partiu apenas do réu. Algumas vítimas também expressaram interesse em participar de encontros restaurativos. Arthur Dénouveaux, sobrevivente do ataque ao Bataclan e presidente da associação Life for Paris, declarou que "várias vítimas estão abertas à ideia", citando experiências semelhantes na Espanha e na Itália, onde encontros entre autores e vítimas ocorreram dentro de prisões.
Justiça restaurativa: o que é e como funciona
A justiça restaurativa é um modelo jurídico que busca reconstruir vínculos entre vítimas e autores de crimes, por meio de diálogo voluntário e mediado. Ela não substitui a punição judicial, mas oferece um espaço para reconhecimento, escuta e, em alguns casos, reparação simbólica.
Na França, esse modelo começou a ser aplicado em 2014, com encontros entre vítimas e autores de crimes semelhantes, mas não necessariamente da mesma ocorrência. A mediação restaurativa — que reúne vítima e autor do mesmo caso — é mais rara e exige autorização judicial. O processo é voluntário, confidencial e supervisionado por profissionais especializados.
Contexto jurídico e caso Abdeslam
Salah Abdeslam está preso na penitenciária de Vendin-le-Vieil, no norte da França. Na semana passada, foi interrogado duas vezes pela polícia antiterrorista por suspeita de posse ilegal de um pen drive com conteúdo ligado à propaganda de grupos como Estado Islâmico e Al-Qaeda. O dispositivo teria sido entregue por sua ex-companheira, Maëva B., que está presa e também é investigada por envolvimento em um plano de atentado frustrado.
A Procuradoria Nacional Antiterrorista solicitou a abertura de um processo formal contra Abdeslam, mas até o momento ele não foi indiciado. A diretora da inteligência interna francesa, Céline Berthon, afirmou que o detento continua radicalizado, mas não está diretamente envolvido no plano de ataque em investigação.
Ele desistiu de acionar o colete de explosivos
Salah Abdeslam, cidadão franco‐belga nascido em Bruxelas, integrante do grupo que perpetrou os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris, foi desde o início apontado como peça chave da logística do ataque. As autoridades apontaram que ele conduziu os três suicidas até o Stade de France, nos arredores de Paris, e que utilizou veículos alugados e apartamentos em seu nome para apoiar os comandos que viriam a matar 130 pessoas.
Embora Abdeslam fosse inicialmente destinado a realizar uma explosão suicida, ele alegou ter desistido no último momento. Em seu depoimento no julgamento, disse que vestiu o colete de explosivos, entrou num café onde as pessoas riam e dançavam, "e foi aí que soube que não o faria". A perícia técnica confirmou também que o cinturão que lhe foi atribuído apresentava defeitos.
Em 29 de junho de 2022, o tribunal de Paris o condenou à prisão perpétua incompressível — a pena máxima em França — por homicídios, associação de terroristas e participação em organização terrorista, sendo considerado o único sobrevivente da célula que executou os atentados.
Trauma perpétuo?
A França realiza nesta semana uma série de homenagens às vítimas dos atentados de 13 de novembro de 2015, que deixaram 130 mortos e mais de 350 feridos. As cerimônias incluem visitas aos locais dos ataques, como o Stade de France, o restaurante Le Petit Cambodge e a casa de shows Bataclan, além da inauguração de um memorial na praça Saint-Gervais, com presença do presidente Emmanuel Macron.
Para muitos sobreviventes, o trauma permanece. Três vítimas se suicidaram nos últimos anos, em decorrência de sequelas psicológicas. A proposta de justiça restaurativa surge como uma tentativa de reconstrução simbólica, ainda que controversa, diante da dor coletiva.
Com AFP e agências