Autor dos atentados de Paris propõe diálogo com vítimas e relança debate sobre justiça restaurativa

Salah Abdeslam, único sobrevivente dos comandos terroristas que mataram 130 pessoas em Paris em 13 de novembro de 2015, manifestou interesse em participar de um processo da chamada justiça restaurativa. A proposta, feita por sua advogada e já apoiada por algumas vítimas, reacende o debate sobre esse modelo jurídico ainda pouco conhecido na França, que busca reconstruir vínculos entre autores e vítimas de crimes graves.

11 nov 2025 - 10h45
(atualizado em 13/11/2025 às 06h48)

A poucos dias das cerimônias que marcam os dez anos dos atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris e Saint-Denis, Salah Abdeslam, único membro vivo dos comandos jihadistas que mataram 130 pessoas naquela noite, sinalizou interesse em participar de um processo de justiça restaurativa. A proposta foi revelada nesta terça-feira (11) por sua advogada, Olivia Ronen, em entrevista à rádio Franceinfo.

Salah Abdeslam chega ao tribunal para audiência em 25 de julho de 2023.
Salah Abdeslam chega ao tribunal para audiência em 25 de julho de 2023.
Foto: AFP - BENOIT DOPPAGNE / RFI

Segundo Ronen, Abdeslam deseja "abrir uma porta às partes civis", oferecendo a possibilidade de diálogo sobre sua detenção e o julgamento que o condenou à prisão perpétua sem possibilidade de redução de pena. "É uma pessoa que tenta estudar, que pediu desculpas às vítimas durante o processo e que gostaria de conversar, se elas quiserem", afirmou a advogada.

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A iniciativa não partiu apenas do réu. Algumas vítimas também expressaram interesse em participar de encontros restaurativos. Arthur Dénouveaux, sobrevivente do ataque ao Bataclan e presidente da associação Life for Paris, declarou que "várias vítimas estão abertas à ideia", citando experiências semelhantes na Espanha e na Itália, onde encontros entre autores e vítimas ocorreram dentro de prisões.

Justiça restaurativa: o que é e como funciona

A justiça restaurativa é um modelo jurídico que busca reconstruir vínculos entre vítimas e autores de crimes, por meio de diálogo voluntário e mediado. Ela não substitui a punição judicial, mas oferece um espaço para reconhecimento, escuta e, em alguns casos, reparação simbólica.

Na França, esse modelo começou a ser aplicado em 2014, com encontros entre vítimas e autores de crimes semelhantes, mas não necessariamente da mesma ocorrência. A mediação restaurativa — que reúne vítima e autor do mesmo caso — é mais rara e exige autorização judicial. O processo é voluntário, confidencial e supervisionado por profissionais especializados.

Contexto jurídico e caso Abdeslam

Salah Abdeslam está preso na penitenciária de Vendin-le-Vieil, no norte da França. Na semana passada, foi interrogado duas vezes pela polícia antiterrorista por suspeita de posse ilegal de um pen drive com conteúdo ligado à propaganda de grupos como Estado Islâmico e Al-Qaeda. O dispositivo teria sido entregue por sua ex-companheira, Maëva B., que está presa e também é investigada por envolvimento em um plano de atentado frustrado.

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A Procuradoria Nacional Antiterrorista solicitou a abertura de um processo formal contra Abdeslam, mas até o momento ele não foi indiciado. A diretora da inteligência interna francesa, Céline Berthon, afirmou que o detento continua radicalizado, mas não está diretamente envolvido no plano de ataque em investigação.

Ele desistiu de acionar o colete de explosivos

Salah Abdeslam, cidadão franco‐belga nascido em Bruxelas, integrante do grupo que perpetrou os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris, foi desde o início apontado como peça chave da logística do ataque. As autoridades apontaram que ele conduziu os três suicidas até o Stade de France, nos arredores de Paris, e que utilizou veículos alugados e apartamentos em seu nome para apoiar os comandos que viriam a matar 130 pessoas. 

Embora Abdeslam fosse inicialmente destinado a realizar uma explosão suicida, ele alegou ter desistido no último momento. Em seu depoimento no julgamento, disse que vestiu o colete de explosivos, entrou num café onde as pessoas riam e dançavam, "e foi aí que soube que não o faria". A perícia técnica confirmou também que o cinturão que lhe foi atribuído apresentava defeitos.

Em 29 de junho de 2022, o tribunal de Paris o condenou à prisão perpétua incompressível — a pena máxima em França — por homicídios, associação de terroristas e participação em organização terrorista, sendo considerado o único sobrevivente da célula que executou os atentados. 

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Trauma perpétuo?

A França realiza nesta semana uma série de homenagens às vítimas dos atentados de 13 de novembro de 2015, que deixaram 130 mortos e mais de 350 feridos. As cerimônias incluem visitas aos locais dos ataques, como o Stade de France, o restaurante Le Petit Cambodge e a casa de shows Bataclan, além da inauguração de um memorial na praça Saint-Gervais, com presença do presidente Emmanuel Macron.

Para muitos sobreviventes, o trauma permanece. Três vítimas se suicidaram nos últimos anos, em decorrência de sequelas psicológicas. A proposta de justiça restaurativa surge como uma tentativa de reconstrução simbólica, ainda que controversa, diante da dor coletiva.

Com AFP e agências

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