As 3 eleições da América Latina em 2022 e como elas podem mudar ou consolidar a política da região

Pleitos no Brasil, na Colômbia e, em menor grau, na Costa Rica devem influenciar os rumos da esquerda e da polarização

10 jan 2022 - 06h53
(atualizado às 07h44)
Preparativos para eleição presidencial na Colômbia, em maio; pleito, ao lado do brasileiro, será decisivo para ditar rumos da esquerda no continente
Preparativos para eleição presidencial na Colômbia, em maio; pleito, ao lado do brasileiro, será decisivo para ditar rumos da esquerda no continente
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Nos primeiros anos do século 21, a reeleição de presidentes em exercício na América Latina foi um fato corriqueiro, tanto entre líderes da esquerda quanto da direita.

Mas logo acabou o boom de matérias-primas (principais itens exportados pelo continente), surgiram problemas econômicos profundos, vieram à tona escândalos de corrupção e cresceu o mal-estar social (manifestado em diferentes ondas de protestos), tudo isso aprofundado pela pandemia de covid-19.

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Então, a tendência eleitoral latino-americana mudou: passou a ser votar contra o establishment e dar espaço à oposição.

Em 11 das 12 eleições presidenciais realizadas na América Latina desde 2019, o voto majoritário foi para mudar o partido que estava no poder.

A exceção foi a Nicarágua, mas suas eleições, realizadas em novembro, foram contestadas e consideradas ilegítimas por alguns países: o presidente Daniel Ortega se reelegeu pela quarta vez consecutiva, e todos os demais candidatos estavam presos.

"Há uma insatisfação geral com a classe política e quem acaba pagando a conta é o partido no poder", diz Paulo Velasco, professor de Política Internacional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

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Esse quadro de descontentamento pode se completar em 2022, com três eleições previstas na região, duas delas nos países mais populosos da América do Sul: Brasil e Colômbia.

Agenda e cenários

O primeiro dos pleitos está agendado para 6 de fevereiro na Costa Rica, com um possível segundo turno em 3 de abril entre os dois candidatos mais votados.

Entre os mais de 20 candidatos registrados, há nomes conhecidos por ali, como o ex-presidente centrista José María Figueres, a ex-vice-presidente conservadora Lineth Saborío e Fabricio Alvarado, um líder evangélico de direita que em 2018 perdeu para o atual mandatário, Carlos Alvarado.

Em outro sinal de descontentamento popular com os governos de turno, Welmer Ramos, o candidato do governista Partido Ação Cidadã, tem intenção de voto inferior à margem de erro em algumas pesquisas de opinião.

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Mas as duas eleições que vão concentrar as atenções na região neste ano são, por ordem cronológica, as de Colômbia e Brasil.

O primeiro turno do pleito colombiano está marcado para 29 de maio (mais de dois meses depois das eleições legislativas, em março) e o possível segundo turno será em 19 de junho.

Sob o pano de fundo dos enormes protestos de rua de 2021 e vários desafios econômicos, a maioria das pesquisas de opinião na Colômbia apontam a dianteira do esquerdista Gustavo Petro, um economista, ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá que em 2018 perdeu o segundo turno para o atual presidente, Iván Duque.

Depois de perder no segundo turno, em 2018, Gustavo Petro tentará ser o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um eventual triunfo de Petro marcaria algo inédito: a primeira vez que um candidato de esquerda seria eleito presidente da Colômbia.

Mas pode haver um cenário diferente da polarização esquerda-direita das recentes eleições latino-americanas.

A direita colombiana, liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, está desgastada depois do governo de Duque, e talvez Petro tenha que competir com um candidato de centro, como o ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo, o economista Alejandro Gaviria e o ex-senador Carlos Fernando Galán.

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"Essa é uma possibilidade forte: não temos assegurada hoje essa polarização entre um candidato de esquerda e outro de direita", diz Patricia Muñoz, professora de Ciência Política na Pontifícia Universidade Javeriana, em Bogotá.

Em contrapartida, tudo indica que o Brasil terá, nas eleições de outubro, um enfrentamento entre o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por enquanto líder nas pesquisas de intenção de voto para o pleito de 2 de outubro (com um possível segundo turno em 30 de outubro).

Esquerda predominou na América Latina no início deste milênio, mas perdeu terreno
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Até o momento, as pesquisas não indicam grandes intenções de voto em candidatos da chamada "terceira via", como o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (Podemos) e o ex-governador Ciro Gomes (PDT).

'Onda' da esquerda?

Eventuais vitórias de Lula e Petro dariam um novo impulso à esquerda na América Latina, não só pelo peso relativo de Brasil e Colômbia no continente.

Entre 2020 e 2021, ganharam candidatos da esquerda na maioria das eleições realizadas na região: Luis Arce na Bolívia, Pedro Castillo no Peru, Xiomara Castro em Honduras e Gabriel Boric no Chile, além do caso particular da Nicarágua.

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No entanto, alguns analistas descartam que seja possível prever agora uma nova tendência regional como a que houve na primeira década do século, quando vários governos de esquerda foram consolidados e reeleitos.

"Começa a se desenhar um quadro em que os governos de esquerda são maioria, mas não seguem a mesma tendência e não vejo uma onda como nos anos 2000", diz Velasco.

Espaço perdido pela esquerda no Brasil pode ser reconquistado em meio a problemas econômicos, sociais e políticos enfrentados pelo governo de Jair Bolsonaro
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A seu ver, é normal que em vários países o eleitor migre à esquerda depois da decepção demonstrada com presidentes de direita eleitos para substituir os do polo contrário.

"Se houvesse mais governos de esquerda neste momento, a tendência seria que ganhasse a direita ou a centro-direita", afirma.

O grande desafio para governantes latino-americanos segue sendo cumprir com a demanda de melhores serviços públicos e seguridade social, assim como pela menor desigualdade, talvez temas com os quais a esquerda tenha mais sintonia.

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Executar a tarefa, porém, será difícil em uma América Latina de crescimento moderado (a média regional é de cerca de 3% em 2022, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe - Cepal), pressão inflacionária, maior dívida pública e a incerteza trazida agora pela variante ômicron do coronavírus.

Alguns especialistas advertem também que o mal-estar social pode voltar a dar a caras, com protestos populares na região.

Protestos como os ocorridos na Colômbia em 2021 podem voltar na América Latina neste ano
Foto: AFP / BBC News Brasil

"A deficiente ou escassa resposta de vários governos da América Latina e Caribe (...) às múltiplas crises atuais pode gerar uma nova onda de protestos sociais massivos e violentos", indicou o instituto intergovernamental Idea, sediado na Suécia, em seu relatório sobre o estado da democracia na região, publicado em novembro.

Embora o relatório destaque que a democracia deu sinais de resiliência durante a pandemia, agrega que "os ataques a órgãos eleitorais se tornaram mais frequentes" na América Latina, tanto por parte de governos quanto da oposição em países como Brasil, El Salvador, México e Peru.

Nesse contexto, os olhares também estarão sobre a eleição brasileira depois de ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral (em novembro, ele recuou e disse que "passou a acreditar no voto eletrônico") e de o presidente brasileiro apoiar a reivindicação de Donald Trump, sem provas, de que teria havido fraude na eleição presidencial americana de 2020.

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