Voluntários das células de emergência em Tawila, no oeste do Sudão, sobrecarregados pelo fluxo de deslocados internos, fizeram um apelo à ONU e à comunidade internacional em busca de ajuda. Após os massacres de civis durante a captura de El Fasher (capital do estado do Darfur do Norte, no Sudão) por paramilitares, milhares de pessoas fugiram para a cidade vizinha. De acordo com um comunicado da Human Rights Watch, organização de defesa dos direitos humanos, desta quinta-feira (30), os civis que fogem "são submetidos a maus-tratos severos ao longo do caminho, incluindo estupros, saques e assassinatos".
Até sua queda no domingo (26), El Fasher era a última das cinco capitais de Darfur controlada pelo exército regular, que está em guerra desde abril de 2023 com as Forças de Apoio Rápido (FSR), paramilitares que agora controlam toda a região.
Desde o fim de semana passado, mais de 36 mil civis fugiram dos combates, muitos se dirigindo para Tawila, uma cidade a 70 quilômetros de distância, que já abrigava cerca de 650 mil deslocados, segundo estimativas da ONU.
"Se o mundo não agir com urgência, os civis podem sofrer crimes ainda mais hediondos", alertou a organização. "A região de Tawila enfrenta uma situação humanitária crítica", acrescentou a Equipe de Resposta a Emergências (ERT) da cidade, um dos grupos de voluntários locais mobilizados para auxiliar civis nesta área remota.
A ERT pediu que as autoridades locais da ONU no Sudão, "organizações nacionais e internacionais e atores humanitários" respondam às "necessidades urgentes no terreno". Somente nos últimos dois dias, "milhares de famílias deslocadas chegaram", relataram os voluntários, "a maioria a pé, em busca de segurança, abrigo e itens de primeira necessidade".
Desde a queda de El Fasher, a comunidade internacional vem alertando sobre a deterioração da situação humanitária, particularmente o "crescente risco de atrocidades", motivado, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, "por considerações étnicas".
Com as comunicações interrompidas, é muito difícil entrar em contato com fontes locais independentes.
Em abril, uma ofensiva contra o campo de deslocados de Zamzam, perto de El Fasher, provocou um fluxo massivo de civis para Tawila, que já enfrentava uma epidemia de cólera. A região acolheu "mais de um milhão de deslocados" nos últimos dois meses, de acordo com voluntários da ERR (Rede de Resposta a Emergências), que descrevem uma "pressão imensa" sobre os escassos recursos e serviços básicos.
Os sobreviventes relatam massacres
A ONU e organizações humanitárias temem massacres e ataques étnicos em El Fasher, cidade sufocada por mais de 18 meses de cerco e isolada da ajuda humanitária, onde ainda permanecem cerca de 177 mil civis.
Os relatos dos sobreviventes relembram o passado sombrio de Darfur, quando, no início dos anos 2000, as milícias Janjaweed — que deram origem às RSF — mataram mais de 300 mil pessoas e deslocaram 2,5 milhões.
Muitos reconhecem familiares mortos em vídeos que circulam na internet e em contas ligadas às RSF.
"É quase impossível descrever o que nós, nativos de Darfur, estamos sentindo. Muitos de nossos parentes continuam presos na cidade. Não sabemos quem está vivo ou morto", disse um dos sobreviventes à AFP sob anonimato. "Temos vídeos e relatos de pessoas que foram mortas. É terrível, porque reconhecemos nossos parentes e amigos nos vídeos que a RSF compartilha, celebrando a perspectiva de continuar o genocídio dos anos 2000".
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu nesta quinta-feira o fim da "escalada militar" no Sudão e o "fim imediato das hostilidades".
Manchas de sangue
Resultados da análise de imagens de satélite feita pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária (HRL) da Universidade de Yale revelaram a amplitude do massacre na cidade de El Fasher, por meio de manchas de sangue no chão e marcas de explosões.
O líder paramilitar sudanês Mohamed Daglo reconheceu uma "catástrofe" na cidade na noite de quarta-feira, afirmando: "A guerra nos foi imposta".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou estar "consternada com os relatos do trágico assassinato de mais de 460 pacientes e seus acompanhantes na maternidade saudita em El Fasher". Segundo a entidade, o hospital era o único que ainda permanecia parcialmente operacional na cidade.
O conflito de 2003 opunha o governo central do Sudão e milícias a grupos rebeldes do Darfur. Atualmente, as Forças Armadas estão em guerra com os paramilitares.
A falta de resolução dos problemas estruturais, como marginalização, disputas por terra, desertificação e impunidade, alimenta a nova onda de violência.
Com AFP