Cerca de 700 pessoas morreram durante protestos contra o governo na Tanzânia, informou nesta sexta-feira (31) o principal partido de oposição do país. A nação permanece sob um clima de medo, com a internet bloqueada pelas autoridades.
O país de 68 milhões de habitantes mergulhou na violência na quarta-feira (29), dia das eleições presidenciais e parlamentares realizadas sem oposição, com os dois principais adversários da presidente Samia Suluhu Hassan presos ou desqualificados para o pleito.
Um jornalista da AFP ouviu intensos tiroteios na quarta-feira em Dar es Salaam, a capital econômica e maior cidade do país, enquanto centenas de pessoas protestavam, inclusive incendiando uma delegacia de polícia. Os protestos se espalharam por todo o país.
"Neste momento, o número de mortos em Dar es Salaam é de cerca de 350, e há mais de 200 em Mwanza (norte). Se somarmos os números de outras partes do país, chegamos a um total de cerca de 700 mortos", disse à AFP John Kitoka, porta-voz do partido de oposição Chadema. Uma fonte diplomática descreveu esse número como "bastante confiável", relatando "centenas de mortes". Uma fonte de segurança entrevistada pela AFP recebeu informações semelhantes.
"As forças de segurança estão nos hospitais. Elas estão tentando controlar a narrativa" sobre o número de vítimas para não colocar o governo em uma posição difícil, disse um pesquisador da Anistia Internacional à AFP.
Internet bloqueada
Diversos hospitais e centros de saúde se recusaram a falar com a AFP em meio ao crescente temor das autoridades, que não divulgaram nenhum número oficial. A internet permanece amplamente bloqueada, o que complica ainda mais a tarefa de coletar esses dados.
"Quando a situação se acalmar, a internet voltará", assegurou Hamisi Mbeto, porta-voz do partido governista em Zanzibar, em uma coletiva de imprensa. "Se você permite o acesso à internet, as pessoas espalham boatos e geram caos", argumentou.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu, na sexta-feira, que as forças de segurança da Tanzânia não usem força "desproporcional" contra os manifestantes. Apesar do confinamento imposto em Dar es Salaam, centenas de pessoas marcharam pelas ruas da cidade na sexta-feira, disseram John Kitoka e uma fonte de segurança à AFP.
O alvo da revolta é a presidente Samia Suluhu Hassan, que assumiu o poder na Tanzânia após a morte do seu antecessor, John Magufuli, em 2021, e que agora busca a reeleição. Inicialmente elogiada por aliviar as restrições impostas pelo seu antecessor, ela passou a ser acusada de liderar uma repressão severa contra seus críticos, particularmente no período que antecedeu as eleições.
Os sites de notícias locais não foram atualizados desde quarta-feira e Hassan não fez qualquer comentário sobre os distúrbios. A única declaração oficial veio do chefe do exército, Jacob Mkunda, que na noite de quinta-feira chamou os manifestantes de "criminosos".
"Exorto os tanzanianos a manterem a calma. As forças de defesa controlam a situação", acrescentou.
'Nunca houve uma eleição limpa'
A contagem dos votos continua em andamento, com atualizações regulares anunciadas na televisão nacional, que não menciona os distúrbios. Mas, previsivelmente, mostra uma vitória esmagadora do partido governista CCM.
Na ilha de Zanzibar, um importante destino turístico, o CCM foi declarado vencedor das eleições locais na noite de quinta-feira. O partido de oposição ACT-Wazalendo, que ficou em segundo lugar, rejeitou os resultados, alegando ter sido "roubado", e exigiu uma nova eleição.
Um de seus altos funcionários disse à AFP que as urnas foram fraudadas, pessoas foram autorizadas a votar várias vezes sem identificação e observadores eleitorais do ACT-Wazalendo foram expulsos das seções eleitorais. "Não há uma eleição limpa desde 1995", lamentou um homem de 70 anos, em um comício da oposição em Zanzibar, referindo-se às primeiras eleições multipartidárias da Tanzânia.
Nenhum dos entrevistados se identificou. "Temos medo de falar porque eles podem vir às nossas casas e nos prender", confidenciou um deles. O partido ACT-Wazalendo foi autorizado a participar das eleições em Zanzibar, mas seu candidato à presidência, Luhaga Mpina, foi desqualificado na Tanzânia continental.
O partido Chadema foi impedido de participar das eleições e convocou um boicote. Seu líder, Tundu Lissu, preso em abril, está sendo julgado por traição, crime punível com a pena de morte.
Com AFP