Chefs apostam em negócios para abastecer (com qualidade) a geladeira

De olhos nos novos comportamentos de consumo, chefs de cozinha apostam em linhas de produtos que levam a experiência de restaurante para dentro de casa

18 jul 2021 - 05h11

A concorrência dos deliverys de comida ficou intensa na pandemia. Enquanto a maioria dos estabelecimentos de food service apostou na entrega de pratos para consumo imediato, alguns chefs da alta gastronomia se reinventaram para desbravar um terreno que, até então, era dominado por grandes empresas - o dos congelados.

Formado pela Le Cordon Bleu de Paris e com passagem por cozinhas renomadas como Georges V e Fauchon, o chef Roberto Eid Philipp comandava o espaço de eventos Estação São Paulo, na zona oeste paulistana, quando tudo fechou. Em casa e com tempo livre, passou a cozinhar para a mulher, a publicitária e administradora Luciana Baptista Philipp, e os dois filhos, Manu (14 anos) e Dudu (12 anos). A provocação para começar uma nova empreitada veio da filha: "Pai, por que você não vende sua comida?", lembra o chef.

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Foi assim que nasceu o Boleta, delivery de comida refrigerada mais elaborada, pensada para levar a experiência de restaurante para dentro de casa. E os quatro arregaçaram as mangas juntos para fazer acontecer. Enquanto Roberto cria os pratos e cozinha, Luciana está à frente do marketing, planejamento estratégico e atendimento, Manu faz a diagramação das artes e Dudu, digital nato, cuida do site e da parte de tecnologia. "Começamos em casa, mas na terceira semana já tivemos que ir para o espaço de eventos porque a demanda estava grande", conta o chef. Hoje a equipe tem três pessoas na cozinha e duas na área de logística, atendendo 400 clientes por semana.

A grande sacada do novo negócio, além do menu que muda semanalmente, foi a criação de um cardápio fixo de pratos congelados a vácuo, que ficam prontos para ir à mesa após o banho-maria. O know-how, segundo o chef, veio de seus quatro anos trabalhando no Fauchon. "Aí fomos ensinando como descongelar e descobrindo o que importa para os clientes, que ficam maravilhados porque não sujam nem a panela", diz Luciana.

Entre os carros-chefe do Boleta, que tem desde aperitivos até sobremesas como quiche de chocolate e cocada de forno cremosa, a dupla fala que as terrines foram um divisor de águas. "As pessoas começaram a comprar para dar de presente", conta a sócia. "A gente preza muito por qualidade e ingredientes e o desafio foi chegar a esse formato para levar comida de alto padrão a um preço acessível."

Charcutaria francesa na geladeira

O chef francês Julien Mercier, que chegou em 2008 no Brasil, estava de férias no sudeste asiático quando explodiu a pandemia. "Quase fiquei preso em Cingapura, mas consegui voltar para casa. E quando você está em casa de quarentena, começa a fazer o quê? Comer e beber", ele brinca. E foi o que fez com um pequeno estoque de patês franceses que tinha na geladeira - e que acabou em 15 dias.

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Nascido e criado na fazenda dos avós, em uma região da França chamada Forez, ele fala que fazer patês e embutidos sempre foi parte de seu cotidiano. "Minha avó Marthe era uma baita cozinheira", conta. "E você sai da fazenda, mas a fazenda não sai de você." Foi então que decidiu preparar ele mesmo seus patês. Só que é difícil fazer esse tipo de receita em pequenas quantidades, então Mercier abasteceu a própria geladeira e distribuiu o resto para amigos, que imediatamente sugeriram que ele começasse a vender. E o negócio pegou.

Batizado de Forez, em homenagem às raízes do chef, o empreendimento oferece um menu de especialidades francesas, entre terrines, rillettes, patês, charcutaria e caldo de porco, que duram bastante na geladeira e, em alguns casos, também podem ser congelados. Mercier começou na cozinha de casa, mas a demanda cresceu tão rápido (30% em um ano) que logo ele precisou invadir a cozinha de produção do Esquina Mocotó, do amigo Rodrigo Oliveira, e depois do Chez Claude, do conterrâneo Claude Troisgros, que o convidou para ser chef executivo no meio da pandemia. "A única condição que coloquei foi poder continuar com meu negócio", relata o chef, que agora está fechando um espaço próprio para a produção do Forez.

Do super fresco ao congelado

Prestes a completar 10 anos, o ChefVivi, da premiada Viviane Gonçalves, passou por uma senhora repaginada na pandemia. O salão cedeu espaço a dois balcões de 4 lugares e duas câmaras frias. "Eu já pensava em fazer uma linha de congelados, mas meu conceito sempre foi 'tudo fresco', então não sabia ainda como formular isso. Parecia um paradoxo", ela conta.

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A pandemia, porém, desamortizou o projeto. "Meu cliente agora está vivendo na praia, no interior, e eu quero que minha comida chegue até ele onde estiver", reflete. Depois de um ano trabalhando no plano de negócio e desenvolvendo as primeiras cinco receitas que se adaptam bem ao congelamento, ela está prestes a lançar o piloto do ChefVivi Em Casa. "Quero que meu congelado tenha a perfeição de uma comida que acaba de ser feita", explica, sublinhando que entender o que colocar na caixa é a grande preocupação. "Tem coisas que não funcionam e outras que funcionam muito bem. Meu desafio agora são os vegetais, para que mantenham o frescor e a qualidade após o congelamento."

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Entre as opções de pratos, Vivi incluiu seu confit de pato, a costela suína e os arrozes, e vai apostar no diálogo com os clientes para que entendam o que são esses congelados e como proceder. "É uma comida gourmet, delicada, poética. E aí vou colher o feedback deles para acertar cada vez mais."

Ícones congelados

Outros dois grandes nomes do circuito gastronômico que investiram nos congelados são a chef Carla Pernambuco, dona do icônico restaurante Carlota, e Benny Novak, à frente da Tappo Trattoria. No caso dela, a linha Carlota Polar traz uma numerosa gama de opções, entre hits da casa e sugestões de comfort food para o dia a dia.

Já Novak, que fechou temporariamente o ponto onde funcionava sua trattoria e passou a operar com a marca somente no delivery, apostou em um cardápio de congelados com opções de massas e molhos, além de receitas "prontas", como sua clássica lasanha à bolonhesa e o mezzi rigatoni com molho cremoso de gorgonzola.

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