"Governo pode ser responsabilizado pelo caso Prevent Senior"

Para professor de direito da UFRJ, se comprovado, episódio pode resultar em processo por crime de responsabilidade

20 set 2021 - 05h11
(atualizado às 07h16)
Prevent Senior
Prevent Senior
Foto: Divulgação

Na semana passada, um grupo de médicos enviou dossiê à CPI da Covid denunciando suposta ação irregular do plano de saúde Prevent Senior, cujo objetivo seria apoiar de forma pseudocientífica a defesa do governo Bolsonaro do "tratamento precoce" contra a covid-19. Sem o saber, pacientes teriam recebido medicamentos ineficazes, o que é ilegal. Segundo o dossiê, revelado pela GloboNews, houve ocultação de mortes de idosos durante as experiências.

Para o advogado e professor de direito Salo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio (UFRJ), a comprovação das práticas e da relação da Prevent com o governo pode levar à punição de ambas as partes "em diversas esferas, como penal, cível, administrativa e, no caso do presidente, política". Salo chegou a integrar a comissão de juristas convocada pela CPI, mas não permaneceu até a elaboração do relatório final, que imputa crimes ao presidente Jair Bolsonaro. "Inexiste dúvida quanto à existência de elementos substanciais de crime de responsabilidade, o que dá justa causa ao processo de impeachment", afirmou.

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Se comprovado que o estudo da Prevent Senior ocultou mortes de idosos após acordo com o governo, o Palácio do Planalto pode ser responsabilizado?

É importante ter cautela na análise, pois são elementos ainda indiciários e que devem ser submetidos ao contraditório. Todavia, se comprovados - e aqui falo em hipótese, sublinho -, os fatos são bastante graves e podem gerar responsabilizações em diversas esferas, como penal, cível, administrativa e, no caso do presidente, política. Um dos pontos enfrentados pela Comissão de Juristas no parecer apresentado à CPI foi exatamente em como a postura do presidente caracterizou atos contrários à precaução e que desprezaram o necessário cuidado com a vida e a saúde da população. Assim, se for comprovado vínculo, acordo, entre o governo federal e a Prevent Senior para o uso deliberado e sem autorização de medicamentos ineficazes e a ocultação de mortes por covid, ambos podem ser responsabilizados.

Em quais crimes? No caso do presidente, contribuem para o que a comissão de juristas chamou de "charlatanismo"?

Sim. Mas penso que duas questões devem ser melhor investigadas, para além do charlatanismo. Primeiro, a ocultação de mortes decorrentes da covid, pois o Código Penal determina, no artigo 269, a obrigação de o médico informar doenças de notificação obrigatória. Se houve, é possível a imputação do delito e a imposição de pena de até dois anos de detenção. Outro fato grave que é o de ministrar, sem autorização, remédios ineficazes ou que poderiam ter agravado o estado de saúde dos pacientes. A depender das circunstâncias, no limite é possível responsabilização pela morte (homicídio doloso ou culposo) ou por lesões.

À luz do que já foi mostrado na CPI, qual é o peso desse caso?

Depois de tudo que a CPI revelou, sobretudo do que aconteceu em Manaus e das irregularidades com as vacinas, era difícil pensar em situações com a mesma gravidade. Se comprovados os fatos, revela uma relação espúria entre o governo e uma importante instituição que presta serviços na área da saúde.

Quais outros casos o sr. considera graves na conduta do governo durante a pandemia?

Conforme mencionei, o procedimento de aquisição de vacinas e o descaso em Manaus foram extremamente graves. Manaus parece ter sido uma espécie de laboratório de condutas de desprezo à vida. Em meio à crise de oxigênio que levou inúmeras pessoas à morte, representante do governo lançava na cidade um aplicativo (TrateCov) para divulgar remédios sabidamente inapropriados. Lembremos que no início de janeiro o Ministério da Saúde envia à Secretaria de Saúde de Manaus ofício pedindo autorização para difundir e adotar o tratamento precoce, destacando sua "comprovação científica" e de que era "inadmissível a não adoção". No caso da Precisa Medicamentos, a comissão de juristas indicou provas contundentes de irregularidades para a aquisição da vacina e os crimes de falsificação de documentos, estelionato, advocacia administrativa e prevaricação do presidente e do ex-ministro da Saúde. Em relação à empresa Davati, são significativos os elementos que indicam corrupção passiva.

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A comissão fala em crimes de responsabilidade em sete áreas de atuação. O sr. concorda?

A análise da Comissão de Juristas foi precisa em relação às condutas do presidente que configuram crimes de responsabilidade. O mapeamento do Centro de Estudos de Direito Sanitário da USP, juntado ao inquérito do Senado, já indicava uma série de atos de governo, normativos e de propaganda que caracterizavam notória e sistemática obstrução às medidas de contenção à propagação do vírus e de cuidado com as pessoas infectadas. A omissão em relação às medidas de cuidado foi acrescida de condutas ativas de disseminação do vírus. O presidente não foi um mero coadjuvante, mas protagonista ao defender a imunidade de rebanho, uso de medicamentos comprovadamente ineficazes, a liberação do uso de máscara. Além disso, promoveu voluntária e conscientemente aglomerações e retardou dolosamente a aquisição de vacinas em meio à sua política diária de descrédito da eficácia delas. Em todas essas condutas o presidente desrespeitou o direito à vida e à saúde de número indeterminado de pessoas, o que tipifica o crime de responsabilidade do artigo 85 da Constituição e do artigo 7º, da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment).

Os caminhos jurídicos da CPI levam ao impeachment?

Pelos motivos expostos aqui, inexiste dúvida quanto à existência de elementos substanciais de crime de responsabilidade, o que dá justa causa ao processo de impeachment.

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