Albert Einstein: os dois grandes erros científicos que o gênio cometeu na carreira

Albert Einstein, exemplo de gênio visionário, se equivocou por conta de convicções que nada tinham a ver com ciência, sustenta pesquisador.

28 jun 2020 - 11h06
(atualizado às 11h09)
Einstein é um exemplo de espírito livre e criador que, no entanto, manteve seus preconceitos
Einstein é um exemplo de espírito livre e criador que, no entanto, manteve seus preconceitos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A pesquisa científica se baseia na relação entre a realidade da natureza — compreendida através de observações — e uma representação dessa realidade, formulada por uma teoria na linguagem matemática.

Quando todas as consequências derivadas de uma teoria são verificadas experimentalmente, ela é validada.

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Esse enfoque, aplicado há quase quatro séculos, permitiu a construção de um conjunto coerente de conhecimentos.

Mas esses avanços dependem da inteligência humana que, apesar de tudo, conserva suas crenças e preconceitos, os quais podem afetar o progresso da ciência, mesmo entre as mentes mais privilegiadas.

O primeiro erro

Em sua obra-prima sobre a teoria geral da relatividade, Albert Einstein escreveu a equação que descreve a evolução do Universo em função do tempo.

A solução dessa equação mostra um Universo instável, no lugar de, como se acreditava anteriormente, uma enorme esfera de volume constante em que as estrelas deslizavam.

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No início do século 20, todos viviam com a ideia bem enraizada de um Universo estático no qual o movimento dos astros se repetia sem descanso. É provável que isso se devesse aos ensinamentos de Aristóteles, que estabelecia que o firmamento era imutável, em contraposição ao caráter perecível da Terra.

Essa crença provocou uma anomalia histórica: no ano de 1054, os chineses notaram uma nova luz no céu que não é mencionada em nenhum documento europeu e que poderia ser vista em plena luz do dia durante várias semanas.

A Nebulosa do Caranguejo não foi documentada na Europa depois que apareceu em 1054
Foto: NASA/ESA/J. Hester/A. Loll (ASU) / BBC News Brasil

Tratava-se de uma supernova, isto é, uma estrela moribunda, cujos restos ainda podem ser vistos na Nebulosa do Caranguejo.

O pensamento dominante na Europa impedia aceitar um fenômeno tão contrário à ideia de um céu imutável. Uma supernova é um evento muito raro, que só pode ser visto a olho nu uma vez a cada cem anos (a última foi em 1987).

Então, Aristóteles estava quase certo ao afirmar que o céu era imutável, ao menos na escala de uma vida humana.

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Para não contradizer a ideia de um Universo estático, Einstein introduziu em suas equações uma constante cosmológica que congelava o estado do Universo.

A intuição falhou: em 1929, quando Edwin Hubble demonstrou que o Universo se expandia, Einstein admitiu que tinha cometido "seu maior erro".

A aleatoriedade quântica

Juntamente com a teoria da relatividade, foi desenvolvida a mecânica quântica, que descreve a física do infinitamente pequeno.

Einstein fez uma contribuição notável nesse âmbito, em 1905, com sua interpretação do efeito fotoelétrico como uma colisão entre elétrons e fótons, isto é, entre partículas infinitesimais portadoras de energia.

Em outras palavras, a luz, tradicionalmente descrita como uma onda, se comporta como um fluxo de partículas.

Foi por esse avanço, e não pela teoria geral da relatividade, que Einstein recebeu o Prêmio Nobel em 1921.

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Mas, apesar dessa contribuição vital, ele persistiu em rejeitar a lição mais importante da mecânica quântica, que afirma que o mundo das partículas não está submetido ao determinismo estrito da física clássica.

O mundo quântico é probabilístico, o que implica que somos capazes de prever apenas uma probabilidade de ocorrência entre um conjunto de sucessos possíveis.

Apesar de suas contribuições para a física quântica, Einstein não estava disposto a aceitar todas as suas implicações teóricas e práticas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A obstinação de Einstein novamente sugere a influência da filosofia grega.

Platão ensinou que o pensamento deveria permanecer ideal, livre das contingências da realidade, que é uma ideia nobre, mas longe dos preceitos da ciência.

Assim como o conhecimento precisa de uma concordância perfeita com todos os fatos previstos, a crença se baseia na verossimilhança fruto de observações parciais.

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O próprio Einstein estava convencido de que o pensamento puro era capaz de abranger toda a realidade, mas a aleatoriedade quântica contradiz essa hipótese.

Na prática, essa aleatoriedade não é plena, pois é regida pelo princípio da incerteza de Heisenberg.

Esse princípio impõe um determinismo coletivo aos conjuntos de partículas: um elétron por si só é livre, pois sua trajetória não pode ser calculada quando se cruza uma fenda, mas um milhão de elétrons desenha uma figura de difração que mostra listras escuras e brilhantes que sim, podem ser previstos.

Einstein também declarou: "Você acredita em um Deus que joga dados e eu acredito na lei e na ordenação total de um mundo que é objetivo"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Einstein não queria admitir esse indeterminismo elementar e o resumiu em um veredito provocador: "Deus não joga dados com o Universo".

Ele propôs a existência de variáveis ocultas, de magnitudes não descobertas além da massa, carga e rotação, que os físicos usam para descrever as partículas. Mas a experiência não lhe deu a razão.

Devemos assumir a existência de uma realidade que transcende nossa compreensão, de que não podemos saber tudo sobre o mundo dos infinitamente pequenos.

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Os caprichos fortuitos da imaginação

No processo do método científico, há uma etapa que não é totalmente objetiva e é o que leva à conceitualização de uma teoria. Einstein dá um exemplo ilustrativo disso com seus experimentos mentais.

Assim, ele declarou: "A imaginação é mais importante que o conhecimento". De fato, a partir de observações díspares, um físico deve imaginar uma lei subjacente. Às vezes você tem que escolher entre vários possíveis modelos teóricos, momento em que a lógica assume.

Portanto, o progresso das ideias é nutrido pelo que chamamos de intuição. É uma espécie de salto no conhecimento que vai além da pura racionalidade. A fronteira entre o objetivo e o subjetivo não é mais completamente fixa.

Os pensamentos nascem nos neurônios sob o efeito de impulsos eletromagnéticos e, entre eles, alguns são particularmente férteis, como se causassem um curto-circuito entre as células, obra do acaso.

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Mas essas intuições, essas "flores" do espírito humano, não são iguais para todas as pessoas.

Enquanto o cérebro de Einstein concebeu E = mc², o de Marcel Proust criou uma metáfora admirável. A intuição se manifesta aleatoriamente, mas essa chance é moldada pela experiência, cultura e conhecimento de cada pessoa.

Os benefícios do acaso

Não deveria nos surpreender que exista uma realidade que exceda nossa própria inteligência.

Sem o acaso, somos guiados por nossos instintos, nossos costumes, tudo o que nos torna previsíveis. Nossas ações estão confinadas quase exclusivamente a esse primeiro nível de realidade, com suas preocupações comuns e suas tarefas forçadas.

Mas há outro nível no qual o acaso manifesto é a marca registrada.

Einstein é um exemplo de espírito livre e criador que ainda conserva, no entanto, seus preconceitos.

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Seu "primeiro erro" pode ser resumido na frase: "Eu me recuso a acreditar que o Universo teve um começo". Mas a experiência mostrou que ele estava errado.

Sua sentença sobre Deus jogando dados significa: "Eu me recuso a acreditar no acaso". No entanto, a mecânica quântica implica uma aleatoriedade forçada.

Alguém pode se perguntar se ele teria acreditado em Deus em um mundo sem o acaso, o que reduziria bastante nossa liberdade quando ao nos vermos confinados no determinismo absoluto. Einstein se mantém em sua rejeição porque, para ele, o cérebro humano deve ser capaz de entender o Universo.

Com muito mais modéstia, Heisenberg responde que a física se limita a descrever as reações da natureza em determinadas circunstâncias.

A teoria quântica mostra que não podemos alcançar uma compreensão total de nosso entorno. Em compensação, nos oferece o acaso com suas frustrações e perigos, mas também com seus benefícios.

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O lendário físico é o exemplo perfeito do ser imaginativo por excelência. Sua negação do acaso, portanto, representa um paradoxo, pois é o que possibilita a intuição, o germe do processo de criação, tanto para as ciências quanto para as artes.

*François Vannucci é professor emérito e pesquisador em física de partículas especializado em neutrinos na Universidade de Paris.

Este artigo foi publicado originalmente na The Conversation e é reproduzido sob a licença Creative Commons.

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