Vídeo que lista sete 'perigos' no banheiro exagera danos à saúde

ESPECIALISTAS EXPLICAM QUE NÃO HÁ COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA DE QUE ITENS COMO MAQUIAGENS, PROTETOR SOLAR E PRODUTOS PARA BARBA CAUSEM PROBLEMAS

3 out 2025 - 15h32

O que estão compartilhando: vídeo que lista sete "assassinos" que estão dentro do banheiro, capazes de causar malefícios à saúde. São eles: mofo, cortina de plástico, shampoos com parabenos, produtos para barba, sprays para cabelo, protetores solares em spray e maquiagens.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Especialistas consultados pela reportagem apontam que, embora alguns itens listados possam fazer mal à saúde, o conteúdo traz exageros.

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O vídeo diz, por exemplo, que shampoos com parabenos poderiam causar câncer de mama. Contudo, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, aponta que não existem evidências que demonstrem que parabenos em cosméticos sejam nocivos à saúde.

Procurado, o autor do conteúdo disse que seus vídeos são "bem pesquisados", e contam com o embasamento de "mais de um artigo científico".

Mofo causa danos neurológicos?

Os mofos no banheiro são citados como uma "fábrica de veneno". O vídeo alega que os mofos não causam apenas espirros, mas também problemas neurológicos, como perda de memória, depressão e ansiedade.

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De acordo com o conteúdo, pessoas expostas ao mofo apresentariam os mesmos sintomas de quem sofreu um trauma cerebral. No entanto, o médico Esper Cavalheiro, professor emérito da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), afirma que, até o momento, a associação entre a presença ambiental de mofo e doenças neuropsiquiátricas ainda não foi comprovada.

O otorrinolaringologista Guilherme Lippi Ciantelli, orientador da residência médica no setor de plástica facial da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o mofo pode causar mal à saúde, especialmente em pacientes com doenças pulmonares pré-existentes ou que estão expostos por muitos anos. Por este motivo, é importante tratar infiltrações e realizar corretamente a impermeabilização das paredes.

Cavalheiro classifica os poucos estudos existentes sobre a relação direta entre micotoxinas (substâncias tóxicas produzidas por fungos) e dano cerebral como "bastante especulativos". O cientista explica que os estudos apresentam limitações na metodologia e na interpretação dos resultados.

"É essencial aguardar, com cautela, futuras pesquisas conduzidas com maior precisão antes que se estabeleçam relações definitivas", recomendou.

De acordo com o professor, o que os estudos têm mostrado é que as micotoxinas, geradas pelos diferentes fungos presentes no mofo, podem promover inflamação nas vias respiratórias superiores. Isso pode causar alergia com espirros e congestão nasal, por exemplo.

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Procurado pelo Verifica, o autor enviou estudos que afirma comprovarem a alegação. Em um deles, por exemplo, não há comprovação de causalidade, apenas hipóteses. O próprio artigo escreve que "não está claro se os problemas neuropsiquiátricos e os transtornos mentais são causados pelos efeitos adversos dos fungos e micotoxinas ou pelo estresse financeiro e emocional de manter a casa limpa em caso de exposição frequente ao mofo".

Cortinas de plástico destroem os hormônios?

O vídeo verificado alega que as cortinas de plástico usadas no banheiro liberam 108 substâncias tóxicas. Segundo o conteúdo, o calor da água seria capaz de extrair ftalatos, que são produtos químicos utilizados como plastificantes. Isso ocasionaria a "destruição" dos hormônios, como testosterona e estrogênio.

De acordo com a endocrinologista Carolina Castro Porto Silva Janovsky, professora da EPM/Unifesp e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), as alegações são exageradas.

A médica explica que, em 2008, a organização sem fins lucrativos Center for Health, Environment and Justice's mediu, em câmara de testes, dezenas de compostos orgânicos emitidos por cortinas novas de PVC. O número 108 surge a partir deste relatório. Segundo Carolina, as emissões caem com o tempo e dependem do produto e da ventilação do ambiente.

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"O estudo chama atenção para odores e irritação, mas não demonstra toxicidade crônica em pessoas nas condições reais de um banheiro ventilado", disse.

O vídeo alega que as cortinas teriam dioxinas, chamadas no conteúdo de "potencialmente cancerígenas". O produto também teria organotinas, que afetariam o sistema imunológico. As dioxinas são um grupo de compostos orgânicos e as organotinas são substâncias químicas.

Segundo a endocrinologista, estudos mostram que há evidências de que os ftalatos e algumas organotinas têm atividade endócrina e imunotóxica. Isso significa que eles podem afetar o funcionamento dos hormônios e do sistema de defesa do organismo.

No caso dos ftalatos, a médica explica que estudos mostram uma evidência consistente dos efeitos em animais. Em humanos, encontrou-se uma associação: isso quer dizer que os cientistas viram que havia uma relação mas não conseguiram comprovar se as substâncias eram as causadoras dos problemas.

Essa associação foi verificada especialmente quando a exposição ocorre durante a gestação. As possíveis consequências incluem alterações seminais, relacionadas ao sêmen.

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"Isso não equivale a 'destruir hormônios', nem prova causalidade em níveis típicos de uso doméstico", destacou.

Como já explicou anteriormente o Verifica, as alterações hormonais associadas aos ftalatos podem ser desencadeadas pela exposição em fases que são mais vulneráveis, como na vida intrauterina, na infância e na adolescência. Esse malefício, contudo, não se dá imediatamente após a interação.

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Sobre as organotinas, Carolina explica que foi demonstrado que as substâncias podem afetar o sistema hormonal em modelos experimentais. Os modelos experimentais são pesquisas que buscam representar a realidade de forma simplificada para analisar relações de causa e efeito. As substâncias foram restritas na União Europeia por preocupações toxicológicas, mas não há provas de risco atual relevante por meio de cortinas domésticas.

Em relação às dioxinas, a médica ressalta que a principal exposição humana vem da comida, e não por cortinas. Ela exemplifica alimentos como carnes, laticínios e peixes.

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Ao Verifica, o autor do conteúdo enviou artigos que teriam embasado a alegação. Um deles contou com a participação de seis participantes, com a medição de níveis do ftalato em amostras de urina. O artigo, portanto, focou em medir exposição a essa substância, e não doenças que ela poderia causar.

Shampoos com parabenos e produtos para barba 'sequestram' hormônios?

Os shampoos com parabenos - conservantes químicos - e os produtos para barba são citados como causadores de danos hormonais. O vídeo alega que, para mulheres, os parabenos podem causar problemas na tireoide, ganho de peso e até câncer de mama. Para os homens, os conservantes atacariam a testosterona, causando queda da libido, disfunção erétil e problemas de próstata.

Segundo Carolina, os parabenos são "estrogênios fracos", que são rapidamente metabolizados e excretados do corpo. A FDA indica que, no momento, não existem dados que demonstrem que parabenos em cosméticos, nas baixas concentrações usuais, sejam nocivos à saúde.

Ela destaca que pesquisadores encontraram relação entre a presença de parabenos no corpo a alterações em hormônios ou no sêmen. Esses resultados foram encontrados em estudos observacionais, em que os pesquisadores apenas analisam e observam dados. De acordo com Carolina, os resultados não demonstram causalidade.

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Segundo a dermatologista e tricologista Rebecca Atman, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira do Cabelo (SBC), estudos mostram que, em testes com exposição alta e contínua aos parabenos, podem surgir alterações no funcionamento do corpo. No entanto, não há provas científicas que o uso comum de shampoo com parabenos, por si só, provoque os efeitos alegados em populações gerais.

"Usar produtos livres de parabenos em crianças e gestantes é uma precaução válida, justamente por não termos estudos robustos e plausíveis sobre o assunto", avaliou.

Em relação aos produtos para barba, como o pós-barba, Carolina explica que existem estudos que ligam ftalatos a menor testosterona em análises populacionais. A médica destaca, porém, que esses estudos são transversais, ou seja, não provam causa. Problemas como disfunção erétil e câncer de próstata, citados no vídeo, não ficaram comprovados, segundo a endocrinologista.

À reportagem, o autor do conteúdo enviou estudos que teriam embasado as alegações. Em mais de um estudo, há constatação de associação, mas não comprovação. Na conclusão de um deles, é dito que "estudos longitudinais populacionais maiores parecem ser necessários para confirmar e avaliar a associação de parabenos com indicadores clínicos de câncer de mama e mortalidade".

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Em outro artigo enviado, há uma clara sinalização de que trata-se de um estudo transversal, que propõe analisar associações. Na conclusão de outro, é afirmado que "investigações adicionais com sistemas de triagem adequados e confirmação in vivo são urgentemente necessárias para compreender completamente o espectro dessas propriedades de desregulação endócrina".

Ou seja: todas essas pesquisas afirmam que são necessários mais estudos para confirmar se há uma relação de causa e efeito entre parabenos e doenças.

Sprays para cabelo causam problemas respiratórios?

Outro "perigo" citado pelo vídeo são os sprays para cabelo, como laquê e mousse. O risco estaria relacionado ao ambiente fechado do banheiro, já que cada borrifada liberaria "milhões de micropartículas que vão direto para os alvéolos pulmonares".

O conteúdo afirma que as micropartículas ocasionariam bronquite crônica, asma tardia, tosse seca persistente, falta de ar, irritação na garganta, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e problemas cardíacos.

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No entanto, segundo o otorrinolaringologista Lippi Ciantelli, aerossóis cosméticos não causam doenças em pessoas sem problema de saúde, desde que usados conforme orientação do fabricante e em ambientes ventilados.

Ele destaca que pacientes asmáticos ou com doenças pulmonares podem desencadear crises com qualquer tipo de sprays e aerossóis. Nestes casos, eles devem ser evitados.

O autor do vídeo enviou ao Verifica estudos que avaliam exposições ocupacionais de cabelereiros (aqui, aqui e aqui). Nestes casos, não se trata de inalação em banheiro doméstico. Outro estudo enviado expõe a avaliação de um relato, em que o próprio artigo afirma necessitar de mais coletas de casos.

Protetores solares em spray atacam tireoide e 'envenenam' o pulmão?

Semelhante ao item anterior, o vídeo alega que os protetores solares em spray são nocivos aos pulmões. Diz, ainda, que a oxibenzona - filtro solar usado em protetores - seria uma substância que afeta a tireoide.

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De acordo com o conteúdo, as partículas ficariam "suspensas por horas", resultando em problemas de tiroide, alergias tardias e envenenamento pulmonar. Lippi Ciantelli explica que, na verdade, os aerossóis duram pouco tempo no ambiente, já que eles se sedimentam rapidamente.

A endocrinologista Carolina afirma que órgãos como a FDA, a Academia Americana de Dermatologia e a Academia Americana de Pediatria recomendam evitar a inalação de sprays e não pulverizar no rosto. O indicado é borrifar na mão e espalhar na pele, segundo a médica.

De acordo com a endocrinologista, a FDA realizou ensaios de "uso máximo", em que usa-se a maior quantidade possível do produto. Eles mostraram os filtros solares, como a oxibenzona, podem ser absorvidos pelo corpo e, assim, circular na corrente sanguínea.

Como já mostrou o Verifica, embora o órgão regulador peça mais dados sobre o tema, ainda não há evidências de que o produto seja prejudicial.

Carolina afirma que, em relação à tireoide, alguns estudos em pessoas encontraram uma ligação entre a quantidade de oxibenzona na urina e os hormônios produzidos pela glândula, que são responsáveis por regular o metabolismo. No entanto, ela ressalta que esses estudos não provam causa, e revisões científicas não encontraram evidências firmes.

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"Se quiser evitar filtros orgânicos como oxibenzona, opte por minerais (óxido de zinco/dióxido de titânio) e prefira loção ou bastão, especialmente para crianças e para a face. Use spray só ao ar livre, longe do vento, e nunca direto no rosto", recomendou a médica.

O vídeo também alega que os filtros solares poderiam causar calvície permanente. A dermatologista Rebecca afirma que de fato existem estudos que observam associação entre o uso de protetores solares e a alopecia frontal fibrosante, a queda de cabelo na parte da frente do couro cabeludo. Mas, como foi explicado anteriormente, a associação não quer dizer que o protetor solar foi o causador da doença.

Ao Verifica, o autor enviou um estudo transversal sobre a alopecia fibrosante frontal e uso de protetor solar. O próprio artigo afirma que "não se sabe se o maior uso de protetores solares é uma causa ou uma consequência da alopecia".

Outro link enviado pelo autor confirma as informações ditas por Carolina. É recomendado não pulverizar o protetor solar em spray em ambientes fechados, sem uso direto no rosto.

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Maquiagem causa câncer?

O perigo número um citado no vídeo são as maquiagens. Ele cita especificamente produtos como base em pó, blush e sombra, e pede cuidado com itens com talco. De acordo com o vídeo, o talco pode conter asbesto, também conhecido como amianto, que não teria nível seguro.

"Qualquer quantidade causa mesotelioma, câncer de pulmão ou ovário, décadas depois. Algumas maquiagens têm mais venenos que apenas o talco: chumbo, mercúrio, formaldeído, atacando nervos e causando alterações graves", diz o vídeo.

Como já explicou o Verifica, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc) classificou em 2024 o talco como "provavelmente cancerígeno" para humanos, enquadrado no grupo 2A. Em outras palavras, significa que há uma evidência limitada de risco de câncer em seres humanos, mas existem indícios que mostram que a substância pode causar tumores em estudos experimentais - ou seja, feitos em animais.

Já o Instituto Nacional de Câncer (Inca) classifica o uso do talco como um agente carcinogênico com evidência limitada em humanos para o câncer de ovário. O instituto ressalta que o risco está associado ao uso ao redor do ânus (região perianal).

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De acordo com Rebecca, o amianto é reconhecidamente carcinogênico, sem nível seguro conhecido em termos de exposição respiratória, mas o risco está relacionado à dose e exposição. Dessa forma, é impreciso dizer que "qualquer quantidade causa mesotelioma". A doença é um tumor que atinge o mesotélio, tecido de revestimento de determinados órgãos, como o pulmão.

"Nem toda exposição pequena é automaticamente sinônimo de mesotelioma, até porque essa patologia depende de outros fatores como influência genética e estilo de vida", explicou.

Rebecca destaca que a alegação de que maquiagens conteriam "venenos" como chumbo, mercúrio e formaldeído são exageradas. Ela afirma que contaminantes como metais podem ocorrer como impurezas, mas agências reguladoras, a exemplo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), monitoram níveis de segurança.

Ao Verifica, o autor enviou uma reportagem do jornal The Guardian sobre mulheres britânicas que estão processando empresas de cosméticos sob acusação de contrair mesotelioma por meio do uso de produtos de beleza. A reportagem ressalta que, apesar disso, a maioria das pessoas que usam esses produtos há anos não desenvolveu o tumor.

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